Diversidade e tecnologia na visão de Mariel Milk
A peruana Mariel Reyes Milk, esposa de David Vélez, um dos fundadores do Nubank, é a criadora do {reprograma}, projeto que ensina programação de graça a mulheres cis e trans. O maior curso oferecido pelo projeto, chamado Bootcamp Junior, é realizado em período integral e dura cerca de 18 semanas. Nesse tempo, as participantes aprendem linguagens de programação front-end, como HMTL, CSS e Javascript. Cursos online e no período noturno também são oferecidos, atendendo mulheres que precisem conciliar os estudos com o trabalho. “Hoje a {reprograma} conta com 12 mulheres maravilhosas em seu time, incluindo negras e trans. O nosso foco é dar a oportunidade de um futuro melhor por meio da tecnologia para mulheres em situações de vulnerabilidade social, econômica e de gênero, preferencialmente negras e/ou transgênero, diminuindo assim a lacuna de gênero no setor de tecnologia. Hoje, estamos em uma crescente e este ano teremos as primeiras turmas do Todas em Tech, iniciativa da {reprograma} e do BID Lab (Laboratório de Inovação do Grupo Banco Interamericano de Desenvolvimento), desenvolvida para mulheres que querem usar a tecnologia para mudar vidas e criar um impacto positivo no mundo. O projeto irá impactar 2.400 mulheres em todo o Brasil com suas oficinas, do número total 400 mulheres irão se formar como desenvolvedoras”, afirma a empreendedora social.
Mariel, como surgiu o insight para criação da {reprograma}?
Sempre tive vontade de trabalhar em projetos sociais. É algo que está no meu sangue! Depois de trabalhar por 10 anos no IFC (Corporação Financeira Internacional) do Grupo do Banco Mundial, decidi sair do banco, ainda sem saber exatamente para que caminho seguir. Na época, o meu marido estava começando a empreender em uma startup no Brasil e uma das dores que ele sempre compartilhava comigo era que faltavam desenvolvedores no mercado, principalmente desenvolvedoras mulheres. Isso me incomodava muito e comecei a pesquisar os motivos para essas falhas de mercado e quais seriam as soluções para o Brasil. Na ocasião, não encontrei cursos de programação estilo bootcamp voltados para as mulheres em situação de vulnerabilidade e com foco em empregabilidade – diferente de países da Europa, e outros da América Central. E foi através dessa dor do mercado que nasceu a ideia de fundar essa maravilhosa iniciativa que hoje é a {reprograma}.
O piloto do bootcamp ocorreu em maio de 2016, graças aos voluntários, que atuaram de forma pro bono no primeiro ano, e as empresas que cederam espaço para o curso, como a Recode (na época CDI). E nesse mesmo ano, fundei a {reprograma} com Fernanda Faria e Carla De Bona.
Em que momento você se interessou por projetos de impacto social?
A vida toda! Meu interesse por projetos de impacto social vem muito da minha família. Desde que eu era pequena, meus pais ensinaram para mim e a meus irmãos que devemos sempre pensar no próximo e trabalhar para ter um impacto no mundo. Eles sempre se esforçaram e trabalharam muito para nos dar uma boa educação, passando sempre a mensagem da importância de ajudar aqueles que não têm as mesmas oportunidades.
Sem contar que os meus avós eram missionários da Igreja Metodista norte-americana. Entre as décadas de 40 a 70, eles viveram em vários países latino-americanos e asiáticos, e a minha avó trabalhou com mulheres das comunidades em temas de nutrição, enquanto o meu avô fazia trabalhos de desenvolvimento econômico nessas mesmas comunidades. Ou seja, o trabalho em projetos de impacto social sempre esteve no meu sangue.
Fale mais sobre a influência dos seus avós nesse caminho que está trilhando.
Conforme mencionei anteriormente, os meus avós eram missionários metodistas, com uma consciência social enorme. Com isso, tanto os meus avós quanto meus pais, sempre ensinaram a mim e a meus irmãos a ter um trabalho com propósito social.
Como funciona a {reprograma}, na prática?
Hoje a {reprograma} conta com 12 mulheres maravilhosas em seu time, incluindo negras e trans. O nosso foco é dar a oportunidade de um futuro melhor por meio da tecnologia para mulheres em situações de vulnerabilidade social, econômica e de gênero, preferencialmente negras e/ou transgênero, diminuindo assim a lacuna de gênero no setor de tecnologia. Hoje, estamos em uma crescente e este ano teremos as primeiras turmas do Todas em Tech, iniciativa da {reprograma} e do BID Lab (Laboratório de Inovação do Grupo Banco Interamericano de Desenvolvimento), desenvolvida para mulheres que querem usar a tecnologia para mudar vidas e criar um impacto positivo no mundo. O projeto irá impactar 2.400 mulheres em todo o Brasil com suas oficinas, do número total 400 mulheres irão se formar como desenvolvedoras.
As empresas patrocinadoras do programa absorvem essa força de trabalho após as 18 semanas de curso ou existem outros caminhos para essas mulheres em situação de vulnerabilidade?
Um dos nossos objetivos principais é a empregabilidade, portanto, oferecemos as competências necessárias para que as nossas alunas ingressem no mercado de trabalho. Além disso, a {reprograma}, através de algumas parcerias, ajuda as formandas a seguirem em busca de conhecimento. Temos uma parceria, por exemplo, com a Alura, que oferece para nossas alunas, gratuitamente, acesso a mais de 600 cursos online, durante 03 meses, para que elas continuem estudando e se fortalecendo tecnicamente, mesmo já tendo um trabalho. Isso dá ainda mais força para que elas continuem se desenvolvendo na área de tecnologia.
Vale ressaltar também que alguns modelos de parceria preveem a contratação de alunas pelo parceiro, e quando não é esse modelo auxiliamos as alunas fazendo conexão com empresas contratantes.
O quanto a diversidade de gênero é importante no mercado de trabalho?
A diversidade de gênero é importante na tecnologia e em qualquer outra área. Toda empresa possui seus desafios próprios em diferentes fases de existência, inúmeros problemas para focar em soluções, e para se manter competitiva no mercado é necessário ser criativa, oferecer produtos e serviços que sejam diferentes, que respondam à necessidade da sociedade. A sociedade em que vivemos é diversa, então faz total sentido que os times que trabalham nas empresas sejam diversos. Com isso, as empresas e seus times podem desenvolver produtos e serviços que realmente atendam à necessidade da sociedade como um todo.
Acredita que isso é de certo modo um ato de justiça social?
A justiça social está ancorada em princípios morais, políticos e fundamentada nas ideias de igualdade e solidariedade. Dessa forma, é fundamental criar mecanismos para garantir uma sociedade justa, que todos tenham acesso a direitos básicos como educação, trabalho, saúde, etc. A {reprograma} nasceu justamente para amenizar as desigualdades sociais, garantindo que as mulheres que não têm condições de arcar com seus estudos possam se capacitar como front-end e back-end, diminuindo assim a desigualdade de raça, gênero e de renda.
Quais os maiores obstáculos para que essa diversidade seja ainda mais inclusiva na área de tecnologia?
Os maiores obstáculos são:
Acesso à educação: o sistema de ensino cumpre um papel importante na sociedade, pois, é um dos principais espaços de formação, socialização e disseminação de valores sociais. Sendo assim, ter acesso a uma educação de qualidade é importante para que todas possam superar preconceitos, discriminações, estereótipos e opressões, e também, claro, é por meio da educação que garantimos uma melhor ocupação no mercado de trabalho. Predominância masculina: no Brasil, as mulheres representam 15% dos matriculados em ciência da computação. Isso faz com que elas, muitas vezes, sejam as únicas em suas equipes, o que pode gerar insegurança e, consequentemente, fazer com elas sofram com atitudes e palavras machistas. Cultura brogrammer – estereótipo de programador homem, branco, cis e o fato, a crença, que as pessoas, inclusive as próprias mulheres, acreditem que TI não é lugar para mulher.
Aos poucos esses desafios estão mudando com a inserção de mais mulheres na área, graças a iniciativas como a {reprograma}, de outras escolas de programação que estão trabalhando juntamente conosco para conseguir impactar mais mulheres e também as empresas que estão em busca de mais diversidade em suas equipes. Sinto que, aos poucos, o mindset das mulheres, das empresas e da sociedade como um todo está mudando. Hoje, quando comparo as minhas conversas com empresas de 5 anos atrás com as minhas conversas atuais, acredito que o mindset está evoluindo. Muitas já enxergaram a importância de ter diversidade na área de tecnologia, perceberam que pessoas diferentes dentro de uma equipe pensam de forma diferente e enxergam um problema de forma diferente, trazendo soluções diferentes.
A presença feminina no mercado de tecnologia tem crescido nos últimos anos?
Nos anos 70, por exemplo, a área de tecnologia tinha uma forte presença de mulheres e elas foram criadoras de diversas tecnologias e linguagens de programação. No entanto, logo na sequência, com a chegada de empresas que vendiam produtos de TI, o marketing de muitas da época começou a focar seus produtos em homens/meninos. Alguns acreditam que isso contribuiu para uma mudança cultural e social, e a computação passou a ter como foco os meninos. O resultado foi que as meninas passaram a não ser estimuladas a seguir carreiras de tecnologia. Com iniciativas como a da {reprograma}, a presença feminina no mercado de trabalho está incrementando aos poucos. É possível sentir essa mudança através do crescimento da {reprograma} e das contratações de nossas ex-alunas, 75,3% foram contratadas após seis meses de curso.
Para você ainda está longe do ideal?
Sim! Por isso ainda a {reprograma} existe (risos). Sempre costumo dizer que quando as mulheres se igualarem aos homens nas oportunidades de trabalho na tecnologia a {reprograma} não irá mais existir. Enquanto isso não acontece, seguiremos trabalhando para diminuir a lacuna de gênero e de raça em TI até a sociedade não precisar de iniciativas como a nossa.
Quais os próximos passos da {reprograma}?
Em 2021, teremos duas turmas, uma de front-end e a outra de back-end, no primeiro semestre; duas outras turmas no segundo semestre. Ou seja, iremos sensibilizar 960 mulheres durante oficinas de um dia, onde elas terão o primeiro contato com a programação, e iremos capacitar e formar 160 mulheres em front e back-end. Além disso, teremos pelo menos outras quatro turmas avulsas, ou seja, que não fazem parte do Todas em Tech, com 40 mulheres em cada turma, e possivelmente, outras duas turmas teens, com até 40 adolescentes. Vale ressaltar também que além da capacitação profissional em front e back-end, nós também auxiliamos no aprimoramento de competências comportamentais (soft skills) e no desenvolvimento de portfólio das alunas, para conectá-las ao mercado de trabalho. Inclusive, para promover ainda mais essa conexão, as alunas irão participar de uma feira de contratação no formato Speed Hiring e terão acesso a uma plataforma que conecta empregadores e programadoras da {reprograma}.
Última atualização da matéria foi há 2 anos
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