Giorgetto Giugiaro: ele desenhou o seu carro
Em uma época em que o design automotivo parece cada vez mais refém da aerodinâmica ditada por softwares e da homogeneização dos SUVs, é quase um alívio – e também um lembrete incômodo – lembrar que já existiu um tempo em que um único homem podia definir a aparência de uma geração inteira de carros. Esse homem foi Giorgetto Giugiaro, o designer italiano que, direta ou indiretamente, desenhou o carro de milhões de pessoas. E não estamos falando de raridades de colecionador ou de supercarros inalcançáveis. Giugiaro deu forma a carros que cruzaram ruas brasileiras, avenidas europeias, estradas americanas e pistas asiáticas.
Nascido em 1938, em Garessio, na Itália, Giugiaro cresceu no seio de uma família ligada às artes — seu avô era pintor, o pai ilustrador. O traço veio naturalmente, mas a revolução no design automobilístico foi deliberada. Depois de um começo promissor na Fiat, foi na Bertone e, depois, com sua própria empresa Italdesign (fundada em 1968), que Giugiaro pavimentou sua lenda. Seu currículo é enciclopédico. O Volkswagen Golf Mk1 (1974), o Fiat Panda (1980), o Fiat Uno (1983), o Lancia Delta (1979), o DeLorean DMC-12 (1981), o Saab 9000 (1984) e o Hyundai Sonata original (1985) são apenas alguns dos exemplos. É praticamente impossível que um motorista que viveu entre as décadas de 1970 e 1990 nunca tenha dirigido, comprado ou, ao menos, pegado carona em um carro desenhado por ele.
O Brasil, aliás, foi um dos muitos palcos da influência de Giugiaro. O Fiat Uno, conhecido por seu perfil quadrado, minimalista e inteligente em termos de aproveitamento interno, foi um marco do design racional e eficiente. Ele substituiu o 147 com folga, trouxe uma nova linguagem visual para a Fiat e permaneceu no mercado por mais de três décadas, tornando-se um ícone da paisagem urbana nacional.
A beleza da utilidade
O que diferencia Giugiaro não é apenas a estética, mas a forma como ele compreendeu o automóvel como um objeto de uso cotidiano — e, portanto, de relevância social. Em vez de desenhar carros para serem admirados como esculturas estáticas, ele os desenhava para serem utilizados. Seu estilo é muitas vezes descrito como “funcionalista”, mas há um lirismo escondido na pureza de suas linhas. Giugiaro não se rendia ao exagero ou ao adorno gratuito. Preferia propor soluções que dialogassem com a ergonomia, a eficiência e a produção em escala industrial.
Esse compromisso com a forma seguindo a função tornou-o particularmente valioso para montadoras que precisavam de resultados palpáveis. Sua capacidade de unir beleza e praticidade fez dele uma espécie de arquiteto do mundo real sobre rodas. O Golf Mk1, por exemplo, foi uma revolução ao substituir o Fusca: de motor dianteiro, tração dianteira, linhas retas e praticidade urbana. O Panda, por sua vez, era quase uma lavadora de roupas sobre rodas, de tão espartano — mas conquistou o coração dos europeus pela honestidade de seu design.
Hoje, quando se observa o cenário atual da indústria automobilística, dominado por SUVs genéricos e pelas limitações dos requisitos de segurança e emissões, é inevitável uma certa nostalgia. O legado de Giugiaro é uma lembrança de que carros podem — ou podiam — ser únicos, mesmo quando feitos para as massas. Sua influência permanece, ainda que diluída. A atual proliferação de startups automotivas elétricas, por exemplo, poderia aprender muito com sua filosofia: simplicidade não é sinônimo de pobreza visual. E inovação não precisa ser espalhafatosa.

Ao longo da carreira, Giugiaro também se envolveu com o design de câmeras (para a Nikon), armas (para a Beretta), computadores (para a Apple), trens e até massas. Em 1999, foi eleito o “Designer de Carros do Século” por um júri de 132 jornalistas especializados de 33 países. Um título merecido — ainda que até hoje subestimado fora dos círculos especializados.
Aos 86 anos, completados agora em 2025, Giugiaro já se afastou do dia a dia da Italdesign, que foi vendida à Volkswagen em 2010 e, depois, parcialmente à Audi. Mas sua marca permanece intacta. Como escreveu certa vez um crítico de design: “Giugiaro não desenhou carros, ele desenhou cidades em movimento”. É uma definição precisa. Em cada semáforo, garagem, concessionária ou foto antiga, há um pouco dele. Se você dirigiu um carro popular entre as décadas de 70 e 2000, é bem provável que tenha dirigido um Giorgetto. E talvez nem soubesse.
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