Mercado de carne cultivada em expansão
A indústria de carne cultivada passa por um momento de franca expansão, com o número de players no setor se tornando cada vez maior. Atualmente, são cerca de 70 empresas e startups no mundo todo, e é esperado que essa tendência de crescimento se mantenha, segundo levantamento feito pelo Good Food Institute. Em 2021, este mercado de carne cultivada recebeu investimentos de USD1,4 bilhão.
Um passo significativo no avanço do mercado de carne cultivada na América Latina acaba de ser dado pela Granja Tres Arroyos. A empresa argentina, líder na produção de alimentos no país, acaba de anunciar sua entrada no segmento por meio de uma parceria técnica com o Instituto de Pesquisa Biotecnológica da Universidade Nacional de San Martin. Os esforços de P&D começaram há um ano e o objetivo é ter uma planta piloto nos próximos dois anos.
Para o setor de carne cultivada chegar à escala comercial a preços acessíveis para o consumidor, são necessários investimentos altos em pesquisa e estrutura robusta de produção. É este know-how que a Granja Tres Arroyos e seus 50 anos de experiência no setor de carnes está trazendo para esse mercado.
Essa não é a primeira iniciativa no âmbito de cultivo de proteínas no país. A Argentina já foi palco da primeira degustação de carne cultivada na América do Sul, em julho de 2021. O feito foi fruto das pesquisas da startup B.I.F.E., da divisão de bioengenharia do Laboratório Craveri e aconteceu de forma privada. A degustação serviu como prova de conceito inicial, ainda sem perspectiva para atingir o estágio de produção para o mercado.
A aposta da Argentina no cultivo de proteínas confirma a tendência de queda no consumo de carne no país, que chegou ao menor patamar em 100 anos. O potencial deste movimento é de impactar a cadeia em escala global, uma vez que a Argentina é o maior consumidor de carne per capta entre países emergentes, de acordo com dados do CiCarne.
“Com a união de esforços da iniciativa privada com os agentes governamentais, sobretudo com institutos de pesquisa e agências reguladoras, é possível motivar o fluxo de capital e estimular o desenvolvimento de pesquisadores e profissionais dedicados a essa área tão estratégica para a América Latina”, diz a Raquel Casseli, gerente de Engajamento Corporativo do GFI Brasil.
Na sua opinião, a América Latina poderá liderar nos próximos anos o protagonismo do setor de carne cultivada no mundo. “Grandes players, principalmente no Brasil, importaram tecnologia e construíram grandes laboratórios para que no futuro seja possível produzir a carne cultivada em escala. É uma corrida de 100m rasos. É uma maratona científica”, afirma a especialista.
Saiba mais sobre as iniciativas no Brasil:
O Brasil possui as condições favoráveis para se tornar líder desta indústria e já existem grandes empresas brasileiras implementando iniciativas para tornar a carne cultivada uma realidade no prato do consumidor.
A JBS investirá R$ 325 milhões nos próximos quatro anos para o desenvolvimento de carne cultivada através do seu Biotech Innovation Center. Inclusive, o seu centro de inovação em alimentos no Brasil está com vagas abertas para cientistas de diversas áreas relacionadas à inovação em alimentos por meio do programa Especialistas em Biotecnologia Avançada, que tem foco na produção de carne cultivada.
No campo das startups as últimas novidades também não poderiam ser mais animadoras. A Ambi Real Foods, que nasceu com a promessa de se tornar a primeira empresa brasileira a produzir carne cultivada com tecnologia totalmente nacional, acaba de produzir seu primeiro protótipo de hambúrguer bovino, com tecnologia totalmente nacional.
Já a Sustinieri Pisces, startup que também deseja ser pioneira na produção de peixes cultivados no Brasil, finalizou a etapa de desenvolvimento de bancos de células de cinco espécies de peixes: Garoupa, Cherne, Robalo, Linguado e Tainha. “Estamos produzindo os Work Banks e daremos início ao processo de uso dos biorreatores para produzir um protótipo (empanado de peixe) até o primeiro trimestre de 2023.”, conta Marcelo Szpilman, diretor executivo da Sustinieri Pisces.
Além disso, acaba de entrar para o mercado a primeira empresa de cultivo celular focada em desenvolver gordura de porco cultivada, a Cellva. De acordo com informações da empresa, “a tecnologia Cellva proverá gordura animal substancialmente mais saudável e completamente segura contra as contaminações que a gordura suína tradicional pode oferecer, com exato sabor, textura e aroma”. O produto poderá ser incorporado em produtos de origem animal, cultivados ou feitos de plantas. Também estão nos planos o desenvolvimento de outros alimentos a partir do cultivo de células.
No campo acadêmico, a carne cultivada também tem atraído a atenção de cada vez mais pesquisadores e gerado os primeiros resultados. Projeto coordenado pela Profa. Dra. Aline Bruna da Silva do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET MG) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais, acaba de produzir o primeiro protótipo de carne de frango estruturado cultivado. A pesquisa que deu origem ao protótipo (Hybrid scaffolds for cultivated chicken) foi financiada pelo Good Food Institute, por meio do Programa de Incentivo à Pesquisa.
Utilizando tecnologia de impressão 3D, o SENAI CIMATEC está desenvolvendo carne cultivada e os testes feitos até o momento buscam criar formulações para alcançar textura, aparência e sabor da carne convencional.
Em parceria com o GFI Brasil, a UFPR, por meio do Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias, já formou 107 alunos na disciplina de introdução à zootecnia celular, dedicada aos estudos de carne cultivada. O próximo passo será desenvolver o produto em laboratório.
A Escola Senai Dr. Celso Charuri passou a oferecer um curso de Técnicas de cultivo com linhagens de células de mamífero, com o objetivo de desenvolver competências relacionadas ao cultivo de linhagens celulares.
Na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), a disciplina “Proteínas Alternativas: Feito de Plantas, Fermentação e Carne Cultivada” agora é oferecida dentro do programa de Pós-graduação da Faculdade de Engenharia de Alimentos. O objetivo é capacitar os alunos apresentando os fundamentos técnico-científicos das proteínas alternativas para que eles possam contribuir tanto para o desenvolvimento da ciência como para o crescimento da indústria. Ao todo, 29 alunos já foram formados.
Sobre o GFI:
O Good Food Institute (GFI) é uma instituição sem fins lucrativos que trabalha para acelerar transformações na cadeia de produção de alimentos para torná-la mais sustentável, segura e justa.
*Com participação da jornalista Elizabeth Matias.
Última atualização da matéria foi há 1 ano
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