O debacle agonizante da Editora Três
A Editora Três, outrora um dos pilares do jornalismo brasileiro, enfrenta um desfecho melancólico que reflete não apenas os desafios internos da empresa, mas também as transformações profundas no cenário midiático nacional. Fundada em 1973 pela família Alzugaray, a editora destacou-se por publicações emblemáticas como IstoÉ e IstoÉ Dinheiro, que por décadas foram referências no jornalismo investigativo e econômico do país. No entanto, nos últimos anos, a empresa mergulhou em uma crise financeira e administrativa que culminou, em 3 de fevereiro de 2025, na decretação de sua falência pela 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo. O juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho apontou o descumprimento das obrigações do plano de recuperação judicial, incluindo falhas nos pagamentos de créditos trabalhistas e a credores diversos, como fatores determinantes para a decisão. Este desfecho trágico levanta questões sobre a gestão da editora, a sustentabilidade do modelo de negócios das mídias impressas e os impactos para o jornalismo brasileiro como um todo.
Histórico de recuperações judiciais e acúmulo de dívidas
A trajetória da Editora Três nos últimos anos foi marcada por sucessivos processos de recuperação judicial. O primeiro ocorreu em 2007, quando a empresa alegou dificuldades financeiras devido à restrição de crédito. Após uma década, em 2018, esse processo foi encerrado, mas os problemas financeiros persistiram. Em 2021, a editora ingressou em um novo pedido de recuperação judicial, atribuindo a crise às adversidades enfrentadas pelo setor editorial, especialmente no segmento de mídia impressa, agravadas pela pandemia de Covid-19. Naquele momento, a dívida inicial ultrapassava R$ 264 milhões, sendo R$ 41,8 milhões referentes a passivos trabalhistas e R$ 215,6 milhões a dívidas com bancos e fornecedores. A situação se deteriorou a ponto de, em 2022, a empresa leiloar o galpão de sua antiga gráfica em Cajamar (SP) por R$ 40,4 milhões, na tentativa de levantar recursos para pagar credores. Contudo, essas medidas paliativas não foram suficientes para estancar a crise financeira que se aprofundava.
Descumprimento do plano de recuperação e falência
O plano de recuperação judicial aprovado previa uma série de medidas para reestruturar a empresa e honrar seus compromissos com credores e funcionários. Entretanto, a Editora Três falhou em cumprir as obrigações estabelecidas. A administradora judicial relatou à Justiça a ausência de pagamentos a diversos credores, com destaque para os trabalhistas. Além disso, a empresa não apresentou comprovantes de quitação nem esclarecimentos sobre o descumprimento das obrigações. Diante desse cenário, o juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho decretou a falência da editora, ressaltando que, mesmo após intimações, não houve regularização dos pagamentos em aberto. A decisão determinou o bloqueio de todos os ativos financeiros e bens da Editora Três, bem como a atualização de todos os débitos inscritos em dívida ativa. A administradora judicial foi incumbida de apresentar, em dez dias, uma lista de credores atualizada, descontando eventuais valores pagos durante o período de recuperação judicial e incluindo créditos que não estavam submetidos ao processo.
Impacto nos funcionários e greves recorrentes
A crise financeira da Editora Três teve consequências diretas e devastadoras para seus funcionários. Relatos de atrasos salariais tornaram-se frequentes, culminando em diversas greves nos últimos meses. Em outubro de 2024, jornalistas da editora entraram em greve devido ao não pagamento de salários, com atrasos que chegavam a quase dois meses. Além disso, houve denúncias de intimidações e ameaças de demissão por parte de diretores contra funcionários que participavam das paralisações. A situação se agravou a ponto de, em algumas ocasiões, a internet da redação ser cortada por falta de pagamento, dificultando ainda mais o trabalho dos profissionais. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo denunciou a empresa ao Ministério Público do Trabalho, destacando o desrespeito às regras trabalhistas e os danos morais causados aos funcionários. A falta de transparência da editora sobre sua saúde financeira e a ausência de um cronograma para a quitação das dívidas trabalhistas aumentaram a insegurança entre os empregados, que temiam pela falência iminente da empresa.
Transição para o digital e venda de ativos
Em uma tentativa de se adaptar às novas dinâmicas do mercado editorial e reduzir custos, a Editora Três anunciou, em janeiro de 2025, o fim das versões impressas das revistas IstoÉ e IstoÉ Dinheiro, migrando totalmente para o formato digital. Essa decisão foi precedida, em 2022, pela venda dos domínios digitais Istoé.com e Istoédinheiro.com para a Entre Investimentos por R$ 15 milhões. A transição para o digital, embora alinhada às tendências contemporâneas de consumo de mídia, não foi suficiente para reverter a crise financeira da editora. A venda de ativos, como o galpão da gráfica e os domínios digitais, revelou-se uma medida paliativa diante do montante das dívidas acumuladas e da falta de uma estratégia robusta de reestruturação. A migração para o digital, sem o devido planejamento e investimento, acabou por evidenciar a fragilidade da empresa em se reinventar frente às transformações do mercado.
Crise do modelo de negócio e declínio das mídias impressas
A falência da Editora Três reflete uma crise mais ampla no modelo de negócios das mídias impressas. Com o avanço da internet e das plataformas digitais, houve uma mudança significativa nos hábitos de consumo de informação, com leitores migrando para meios online e gratuitos. As receitas provenientes de assinaturas e vendas avulsas de revistas impressas diminuíram drasticamente, enquanto a concorrência por publicidade se intensificou, com anunciantes direcionando investimentos para plataformas digitais. A Editora Três, embora tenha tentado adaptar-se ao novo cenário digital, não conseguiu competir com a agilidade e inovação de veículos nativos da internet. Além disso, sua reputação foi abalada por denúncias de atrasos salariais, greves e dificuldades financeiras constantes, o que afastou potenciais anunciantes e investidores. Outros veículos tradicionais da imprensa brasileira, como a Editora Abril e o Grupo Estado, também enfrentaram dificuldades semelhantes, mas conseguiram implementar estratégias de reestruturação mais eficazes para manter a sustentabilidade de seus negócios. No caso da Editora Três, a falta de planejamento estratégico e a insistência em um modelo obsoleto contribuíram para seu colapso definitivo.
O legado e o futuro das marcas da Editora Três
Apesar da falência da editora, as marcas IstoÉ e IstoÉ Dinheiro ainda possuem valor significativo no mercado editorial brasileiro. A venda dos direitos digitais para a Entre Investimentos indica que, ao menos no ambiente online, as publicações devem continuar existindo sob nova administração. O desafio será reconstruir a credibilidade e consolidar um modelo de negócios sustentável, em um mercado onde a competição por audiência e receita publicitária é acirrada. Com o avanço das redes sociais, Inteligência Artificial e novas plataformas de distribuição de conteúdo, a permanência das marcas dependerá da capacidade de inovação e adaptação ao novo cenário digital. Se bem administradas, IstoÉ e IstoÉ Dinheiro podem encontrar um caminho para continuar relevantes no jornalismo brasileiro, mesmo que desvinculadas da Editora Três. Entretanto, o desaparecimento da editora marca o fim de uma era, simbolizando não apenas o colapso de um grupo editorial tradicional, mas também a necessidade urgente de reinvenção da imprensa no Brasil.
Um fim anunciado e as lições deixadas
A falência da Editora Três não foi um evento repentino, mas sim o desfecho de uma longa crise marcada por gestões ineficientes, decisões estratégicas equivocadas e um modelo de negócios que não acompanhou as transformações do setor. O acúmulo de dívidas, a incapacidade de cumprir compromissos financeiros e trabalhistas, além da falta de um plano viável de reestruturação, levaram a empresa ao colapso. O caso serve de alerta para outras companhias do setor de mídia, que precisam se adaptar rapidamente às novas realidades do consumo de informação. A transição para o digital, por si só, não é suficiente para garantir a sobrevivência de um veículo de comunicação. É necessário investir em qualidade editorial, inovação tecnológica e novos formatos de monetização, além de manter uma gestão financeira sólida e transparente. O fim da Editora Três é um lembrete de que, no jornalismo e nos negócios, a falta de adaptação pode ser fatal. Agora, resta observar como as marcas remanescentes irão se posicionar no mercado e qual será o impacto dessa falência para o cenário da imprensa brasileira nos próximos anos.
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