O que “restou” do Muro de Berlim
Trinta e cinco anos depois da sua queda, o Muro de Berlim continua de pé — ainda que apenas em fragmentos, espalhados por diversos cantos do mundo, como cicatrizes de um século de extremos. Em Berlim, o que sobrou fisicamente pode ser visto no memorial da Bernauer Strasse ou na East Side Gallery, onde trechos originais foram preservados e, hoje, servem tanto de alerta histórico quanto de vitrine turística. Mas o que realmente “restou” do Muro de Berlim vai muito além do concreto. Trata-se de algo simbólico, cultural, político — e, para muitos, ideológico.
“Talvez seja hora de refletir sobre os muros que ainda nos cercam — visíveis ou não. E, mais importante, perguntar: quem os constrói, quem lucra com eles e quem está pagando o preço por essa nova forma de separação?”
Erguido em 1961 e derrubado em 1989, o Muro foi o divisor material da Guerra Fria, separando não apenas duas Alemanhas, mas dois mundos: o do capitalismo e o do socialismo real. Sua construção foi a confissão pública do fracasso da utopia comunista na Europa Oriental: a necessidade de conter seus próprios cidadãos. Já a sua queda, celebrada globalmente como a vitória da liberdade sobre o autoritarismo, inaugurou um novo ciclo de euforia liberal, que duraria — como sabemos agora — muito menos do que se esperava.
A pergunta que persiste não é sobre o que o Muro dividia, mas sobre o que sua ausência unificou — ou não. A Alemanha reunificada tornou-se a potência econômica e política da Europa. Mas, até hoje, as desigualdades entre o antigo lado ocidental e oriental são sentidas. O leste da Alemanha, onde se situava a extinta República Democrática Alemã (RDA), ainda carrega índices de desenvolvimento mais baixos, salários menores e uma sensação difusa de abandono. Um estudo recente do Instituto Ifo de Economia mostrou que, mesmo após décadas de investimentos, os salários médios no leste ainda são cerca de 20% inferiores aos do oeste.
O muro invisível que persiste
Essa frustração foi combustível para o crescimento de movimentos populistas e nacionalistas na região, como a Alternativa para a Alemanha (AfD), que, nas últimas eleições, obteve votações expressivas justamente nas áreas que antes eram comunistas. A ironia é amarga: do autoritarismo de esquerda ao autoritarismo de direita, com uma parada rápida no neoliberalismo. Para muitos cidadãos do leste, a queda do Muro não trouxe as promessas esperadas de prosperidade e liberdade. Em vez disso, trouxe uma transição abrupta, marcada por desemprego, choque cultural e sensação de derrota.
E, ao contrário do que muitos pensaram em 1989, o mundo não ficou menos dividido. Apenas os muros mudaram de lugar e de material. Se o Muro de Berlim era de concreto e arame farpado, hoje os muros são erguidos por algoritmos, por fronteiras invisíveis de informação, por desigualdades tecnológicas e econômicas. Nos Estados Unidos, o muro da fronteira com o México ainda é tema político. Na Europa, cresce o uso de barreiras físicas para impedir a entrada de migrantes — da Hungria à Polônia, da Grécia à Lituânia. Em Israel, o muro de separação com a Cisjordânia permanece como uma ferida permanente do conflito. Mesmo dentro das cidades, há muros simbólicos: bairros ricos cercados de câmeras e segurança privada, bairros pobres cercados de estigmas.
O que “restou” do Muro de Berlim, portanto, não foi apenas um artefato histórico. Foi um alerta. Sua existência nos lembra da facilidade com que o medo pode construir barreiras, e sua queda, da euforia perigosa de acreditar que tudo está resolvido. O fim da Guerra Fria não significou o fim dos conflitos, das desigualdades, das ideologias extremas. Apenas mudou suas formas.

Hoje, Berlim é uma cidade vibrante, diversa, símbolo da superação. Mas até ela tem lidado com a gentrificação de antigos bairros operários do lado oriental, expulsando moradores locais para dar lugar a turistas e investidores. O capitalismo venceu a Guerra Fria, mas seu triunfo absoluto gera dúvidas. O colapso da União Soviética deu lugar a oligarquias. A democracia liberal, outrora celebrada, está sob ataque em diversos países. E a liberdade de ir e vir continua sendo um privilégio restrito a poucos passaportes.
Mais do que perguntar o que sobrou do Muro de Berlim, talvez seja hora de refletir sobre os muros que ainda nos cercam — visíveis ou não. E, mais importante, perguntar: quem os constrói, quem lucra com eles e quem está pagando o preço por essa nova forma de separação? Porque, ao fim, a lição mais importante do Muro de Berlim talvez não seja sobre sua queda, mas sobre o esforço coletivo que será sempre necessário para manter qualquer muro de pé — ou para, finalmente, derrubá-lo.
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