PT pode ficar igual ao PMDB para Frei Betto
O mineiro Carlos Alberto Libânio Christo (Frei Betto) é reconhecido nacionalmente como escritor e também como frade dominicano. É filho do jornalista Antônio Carlos Vieira Christo e da escritora e culinarista Maria Stella Libânio Christo, autora do clássico “Fogão de Lenha – 300 anos de cozinha mineira”. Adepto da Teologia da Libertação, é militante de movimentos pastorais e sociais, tendo ocupado a função de assessor especial do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2004. Foi coordenador de Mobilização Social do programa Fome Zero. Frei Betto recebeu vários prêmios por sua atuação em prol dos Direitos Humanos e a favor dos movimentos populares. Assessorou vários governos socialistas, em especial o governo de Cuba, nas relações Igreja Católica-Estado. “Não é a questão do discurso, e sim da postura. A Igreja Católica precisa reformar sua estrutura ministerial e admitir ordenar sacerdotes homens e mulheres casados. O celibato deveria ser optativo. Não há fundamento bíblico para o celibato obrigatório. Prova disso é que Jesus curou a sogra de Pedro. O que faz concluir que Pedro tinha mulher (Marcos 1). (…) Sim, sou favorável à descriminalização. Admiro o sistema francês, que permite à mulher recorrer ao serviço público de saúde quando decidida abortar. Porém, antes que o pedido dela seja atendido, ela é cercada por médicos, psicólogos e ministros de sua confissão religiosa.”
Estar muito próximo do poder como assessor especial, lhe trouxe alguma experiência que não gostaria de ter presenciado?
Foi uma experiência muito rica trabalhar como assessor do presidente Lula no programa Fome Zero. Tão rica que me permitiu produzir dois livros a respeito dela: “A Mosca Azul – Reflexão Sobre o Poder” e “Calendário do Poder”, ambos editados pela Rocco. Como descrevo em detalhes neste último livro citado, eu não gostaria de ter presenciado a morte do Fome Zero, como aconteceu quando o Governo decidiu substituí-lo pelo Bolsa Família. O Fome Zero tinha caráter emancipatório; o Bolsa Família tem caráter compensatório. De qualquer modo, considero os Governos Lula e Dilma os melhores de nossa história republicana.
Muitos adversários do PT, dizem que o partido não têm uma visão de país, falando que a única coisa que eles querem é se perpetuar na cadeira presidencial. Como vê essa afirmação?
O PT é hoje, um partido em crise de identidade. E eivado de contradições. Há nele militantes combativos, comprometidos com os mais pobres, críticos ao sistema capitalista. E há também aqueles que trocaram um projeto de Brasil por um projeto de poder – conquistar espaços de poder ainda que isso exija alianças espúrias. Temo que o futuro do PT seja ficar parecido com o PMDB.
O senhor disse que o aborto é decorrência na maior parte das vezes, das próprias condições sociais de uma parcela considerável da população, ou seja, das pessoas mais pobres. Nesses casos a descriminalização do aborto é a melhor saída?
Sim, sou favorável à descriminalização. Admiro o sistema francês, que permite à mulher recorrer ao serviço público de saúde quando decidida abortar. Porém, antes que o pedido dela seja atendido, ela é cercada por médicos, psicólogos e ministros de sua confissão religiosa, que tentam demovê-la do intento. E quase sempre conseguem. Isso reduziu drasticamente o número da abortos na França, além de acabar com os abortos clandestinos, causa de morte de muitas mulheres.
A Igreja Católica vem perdendo fiéis, sobretudo para as igrejas neopentecostais. O senhor acredita que o discurso da instituição está “batido” e precisa ser reformado urgentemente, ou isso se dá por outras circunstâncias que fogem do controle da Igreja?
Não é a questão do discurso, e sim da postura. A Igreja Católica precisa reformar sua estrutura ministerial e admitir ordenar sacerdotes homens e mulheres casados. O celibato deveria ser optativo. Não há fundamento bíblico para o celibato obrigatório. Prova disso é que Jesus curou a sogra de Pedro. O que faz concluir que Pedro tinha mulher (Marcos 1). E Jesus ainda escolheu Pedro para primeiro papa.
A grande mídia faz vistas grossas para os principais problemas do país?
De modo algum. A grande mídia trata, amiúde, de problemas candentes como saúde, educação, pobreza, corrupção etc. O que faz falta é ela ouvir também os movimentos sociais, as vítimas, os excluídos. Em geral, ela é elitista, sobretudo no que concerne à cultura.
O senhor tem uma visão extremamente crítica em relação aos EUA, dizendo que o país é o que mais desrespeita os Direitos Humanos no mundo. Acredita que exista uma solução no médio prazo, para que esses desmandos não aconteçam mais como em Guantánamo por exemplo?
Minha esperança é que a atual crise do capitalismo venha a suscitar outros movimentos como “Ocupem Wall Street”, mais propositivos que denunciativos. O dinheiro fez a cabeça do Tio Sam, e só a falta dele – como ocorre agora na União Europeia – será capaz de mudá-la.
Cuba caminha para o capitalismo?
Os cubanos estão muito atentos para evitar esse risco. Não querem copiar o modelo chinês, e já sabem que o estatismo total é inoperante. Assim, buscam criar um modelo híbrido, no qual os direitos sociais sejam priorizados e o socialismo não seja afetado pela iniciativa privada.
Muitos militares afirmam que a Comissão da Verdade será revanchista poupando os esquerdistas. O senhor vê possibilidades disso realmente acontecer?
A Comissão deveria ser da Verdade e da Justiça. Não se justifica o Brasil fazer vista grossa frente aos crimes cometidos pela ditadura em nome do Estado. E isso nada tem de revanchismo. Revanchismo seria querer torturar os algozes ou assassiná-los. Queremos justiça, ou seja, que esclareçam como e por ordem de quem funcionava o aparelho repressivo, e que paguem pelos crimes cometidos, como nós, que resistimos à ditadura, fomos dura e injustamente penalizados.
Muita gente diz que as ideologias de esquerda e direita não existem mais. Se não concorda com esta afirmação, aponte para nós onde podemos encontrar esses dois caminhos com clareza em nossa sociedade?
Nada mais ideológico do que supor que alguém prescinde de ideologia. Como assinala Norberto Bobbio, é simples: são de direita todos aqueles que consideram a desigualdade social aceitável. E de esquerda todos aqueles que a consideram uma abominação a ser erradicada.
Especialistas afirmam que a luta do MST (Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra) não é legítima, pois custa uma fábula aos cofres públicos. Como o senhor enxerga esse fato?
O MST ajuda o Governo a economizar mantendo milhões de famílias sem-terra em acampamentos e assentamentos. Se ele não existisse, essa famílias teriam migrado para as cidades e engrossado o cinturão de favelas. O Governo teria que gastar mais com aparato policial, cadeias, prisões, sistema judiciário etc. Caro para o Governo é o Brasil não ter feito, até hoje, a reforma agrária, na contramão do exemplo dos demais países do Continente.
Roberto Freire, disse que o ex-presidente Lula foi uma fraude política. Lula foi uma fraude política, ou o melhor presidente da história desse país como muitos dizem?
Lula foi o melhor presidente que o Brasil já teve. Fraude política é um comunista se aliar à direita e aos mais notórios corruptos do Brasil.
O socialismo real falhou?
Como afirma Antonio Candido, de modo algum. Graças a ele, o capitalismo se viu obrigado a fazer inúmeras concessões, como admitir sindicatos, direitos trabalhistas, direito de greve etc. O que fracassou foi um modelo socialista autocrático, governado por uma elite distante dos anseios populares. Felizmente Cuba é uma exceção, e daí sua resistência em mais de 50 anos de revolução.
Por que não conseguimos diminuir a pobreza mesmo tendo um partido considerado popular e de esquerda no poder?
Já diminuiu bastante. As políticas sociais dos Governos Lula e Dilma já tiraram mais de 20 milhões de brasileiros da miséria absoluta, reduziram o desemprego a níveis insignificantes, aumentaram a circulação de riqueza, permitiram que, hoje, haja mais gente viajando pelo Brasil em avião do que em ônibus… No entanto, falta mexer na estrutura do país, através de reformas como a agrária e a tributária, para que tais conquistas sejam duradouras e a pobreza definitivamente erradicada.
Última atualização da matéria foi há 2 anos
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