Matias Machline e a morte da Sharp
A trajetória da Sharp no Brasil é uma aula sobre os limites do nacional-desenvolvimentismo, o peso das políticas públicas setoriais e os riscos de modelos empresariais altamente concentrados em figuras carismáticas. A ascensão e queda da empresa no país estão diretamente ligadas à atuação de Matias Machline, que, ao mesmo tempo, em que foi o principal responsável por transformar a marca num símbolo da eletrônica brasileira, também comandou uma estrutura que não resistiu à abertura do mercado e à revolução tecnológica dos anos 1990.
Machline conseguiu, em 1969, a autorização oficial para utilizar a marca Sharp no Brasil, concedida pela japonesa Sharp Corporation. No entanto, ele já operava com a marca desde 1965, com o aval informal da matriz. Em pouco tempo, a Sharp do Brasil se tornaria uma das maiores fabricantes nacionais de produtos eletrônicos — de rádios a televisores, passando por calculadoras e micro-ondas —, com um centro de produção poderoso na Zona Franca de Manaus, criado com apoio do então ministro das Comunicações, Hygino Corsetti. O ápice desse crescimento ocorreu nos anos 1980, quando o império Sharp reunia 28 empresas, incluindo negócios nos setores bancário, de semicondutores, máquinas de escrever e telecomunicações.
“No fim das contas, a Sharp foi vencida não apenas pela concorrência estrangeira, mas pela sua própria incapacidade de mudar.”
O sucesso da Sharp no Brasil também está ligado à Política Nacional de Informática (PNI), em vigor a partir de 1979. Criada para fomentar a produção nacional de equipamentos e proteger o setor contra concorrência estrangeira, a política permitiu que apenas empresas com capital e controle brasileiro fabricassem minicomputadores. Foi nesse contexto que nasceu, em 1978, a SID Informática, fruto de um consórcio entre a Sharp (Brasil), a Inepar e a Dataserv, com tecnologia licenciada da francesa Logabax.
Com isso, o grupo de Machline tornou-se um dos poucos autorizados pela CAPRE (Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico) a produzir computadores no Brasil. Durante boa parte da década de 1980, a Sharp consolidou-se como uma das maiores fabricantes de microcomputadores do país e chegou a deter 25% do mercado de terminais bancários. Tudo funcionava bem — até o início dos anos 1990.
Um império construído com incentivos e protegido pela reserva de mercado
Com a posse do presidente Fernando Collor de Mello, o Brasil abandonou a lógica protecionista. A PNI foi extinta, os mercados foram abertos, e empresas como IBM, Compaq e HP entraram de vez no país, com produtos superiores e preços mais competitivos. A Sharp, como tantas outras indústrias de informática brasileiras, entrou em crise. Tentou sobreviver por meio de parcerias com gigantes como AT&T e IBM, mas já era tarde: seu modelo de negócios, ancorado em subsídios, reservas de mercado e mão de obra subsidiada, estava esgotado.
A morte de Matias Machline, em 1994, num trágico acidente de helicóptero, acentuou ainda mais o colapso do grupo. Sem seu fundador — figura centralizadora e peça-chave nas negociações com o Governo e o setor privado —, a Sharp do Brasil mergulhou num processo de deterioração institucional. A ausência de um plano de sucessão estruturado e a dificuldade de adaptação ao novo ambiente competitivo agravaram os problemas financeiros.
A empresa pediu concordata em 2000, e a Sharp Corporation, no Japão, que até então mantinha uma relação contratual com a unidade brasileira, passou a disputar na Justiça o uso da marca no país. Em 2002, a falência da Sharp do Brasil foi decretada oficialmente. A partir daí, a história da marca no Brasil entrou num limbo.
Em 2011, a japonesa Sharp Corporation decidiu retomar o controle da marca em território nacional, por meio da aquisição da MPE (Mitsui Produtos Eletrônicos), representante da marca desde 2007. Foi criada, então, a subsidiária oficial da Sharp no Brasil, mas com atuação modesta e restrita ao mercado corporativo, com foco em impressoras multifuncionais, telas interativas, purificadores e monitores profissionais. Produtos de grande apelo popular, como televisores e micro-ondas — outrora símbolo da empresa — não voltaram a ser produzidos ou vendidos de forma expressiva no país.
Em paralelo, o destino global da Sharp também tomou outro rumo. Em 2016, a marca japonesa foi comprada pela taiwanesa Foxconn, que posteriormente licenciou o uso da marca Sharp para a Hisense, gigante chinesa de eletrônicos. A Hisense, aliás, adotou estratégia semelhante à da TPV com a marca Philips, utilizando o nome “Sharp” por um tempo em seus televisores, até consolidar sua própria identidade.

Ao observar esse percurso, é inevitável a conclusão de que a Sharp Brasil foi, ao mesmo tempo, um caso de sucesso baseado em política industrial bem-intencionada e um exemplo claro de obsolescência estratégica. A empresa cresceu protegida, mas não inovou no ritmo que o mundo demandava. E quando a proteção acabou, ela não estava preparada para competir em condições reais de mercado.
A história da Sharp é a história de uma era — uma era em que o Brasil acreditou que bastava criar condições favoráveis e conceder incentivos para se tornar potência tecnológica. Esqueceu-se, porém, de investir em pesquisa de base, inovação constante, internacionalização e governança corporativa. No fim das contas, a Sharp foi vencida não apenas pela concorrência estrangeira, mas pela sua própria incapacidade de mudar. E, como tantas outras empresas da velha guarda industrial brasileira, virou símbolo de um tempo que passou — e não volta mais.
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