A surra levada pela Argentina nas Malvinas
Quarenta e três anos depois do início da Guerra das Malvinas, o episódio ainda é motivo de debate na Argentina, na Grã-Bretanha e em círculos internacionais onde história, diplomacia e geopolítica se entrelaçam. Em 1982, a ditadura militar argentina decidiu invadir o arquipélago das Malvinas — ou Falklands, para os britânicos — numa tentativa desesperada de resgatar algum prestígio interno e distrair a opinião pública da crescente crise econômica e das violações de direitos humanos. O resultado foi uma derrota humilhante e um símbolo eterno da imprudência nacionalista mal calculada.
A Argentina queria reaver um território que considera seu por direito desde o século XIX, mas escolheu o pior momento e a pior estratégia. A ditadura comandada por Leopoldo Galtieri julgou que o Reino Unido não teria disposição política nem capacidade militar para responder a uma invasão a milhares de quilômetros de Londres. A leitura, no entanto, não poderia estar mais equivocada. Margaret Thatcher, então primeira-ministra britânica, viu na ação argentina uma oportunidade de reafirmar a autoridade britânica e galvanizar apoio interno. Enviou rapidamente uma força-tarefa naval de grande escala para recuperar o arquipélago. E conseguiu.
A chamada Guerra das Malvinas durou pouco mais de dois meses — de 2 de abril a 14 de junho de 1982 — e terminou com a rendição argentina. Foram 649 soldados argentinos mortos, além de três civis. Do lado britânico, morreram 255 militares e três civis. O saldo humano é trágico, mas o saldo político, estratégico e simbólico foi ainda mais pesado para a Argentina. A derrota acelerou a queda do regime militar, mas deixou um trauma nacional e um ressentimento mal resolvido que perdura até hoje.
O grande erro da Argentina foi acreditar que a legitimidade de sua reivindicação histórica bastaria para conquistar a simpatia do mundo. Mas no campo realista da política internacional, não é a legitimidade que vence guerras, e sim a capacidade de projetar poder — e, nesse aspecto, a Argentina estava em desvantagem absoluta. Sem preparo logístico, com armamentos obsoletos e soldados em sua maioria despreparados e mal equipados, o Exército argentino entrou em campo contra uma potência militar profissional e bem treinada.
Uma aventura militar sem preparo e sem apoio
A operação argentina parecia, desde o começo, uma jogada de propaganda interna. Os militares argentinos não consultaram aliados, não garantiram canais diplomáticos e tampouco se prepararam para um conflito prolongado. Pior: subestimaram a resposta britânica e isolaram-se geopoliticamente. Os Estados Unidos, apesar de alguma hesitação inicial, acabaram apoiando o Reino Unido, seu aliado histórico na OTAN. A União Europeia se alinhou com Londres. E, na América Latina, o apoio à Argentina foi mais retórico do que prático. O Brasil, por exemplo, manteve-se oficialmente neutro.
Além disso, a Grã-Bretanha contava com vantagens tecnológicas e estratégicas evidentes. Seus submarinos nucleares bloquearam as linhas de abastecimento argentinas. Seus caças Harrier mostraram-se superiores na guerra aérea. E o moral das tropas britânicas, bem comandadas e bem abastecidas, contrastava com o improviso e o desespero dos soldados argentinos — muitos dos quais foram enviados à linha de frente sem roupas adequadas ao frio ou treinamento adequado para combate em montanhas e terrenos gelados.
O revés argentino não foi apenas militar: foi também diplomático. Londres usou o conflito para reafirmar sua presença global e reafirmar o direito à autodeterminação dos moradores das ilhas, todos de origem britânica e contrários à anexação pela Argentina. A diplomacia internacional, com exceções, acabou validando essa narrativa. Até hoje, as Nações Unidas recomendam que as duas partes negociem a soberania do território, mas a realidade geopolítica parece selada: o arquipélago segue sob domínio britânico, fortemente guarnecido e com autonomia local reforçada.

Ao insistir em reviver o tema das Malvinas de tempos em tempos — como fez recentemente o presidente Javier Milei, num discurso simbólico diante do Congresso — a Argentina apenas remexe em uma ferida ainda aberta, mas sem oferecer caminhos práticos para reverter a situação. O país teria mais a ganhar fortalecendo sua posição diplomática, econômica e institucional no mundo do que revivendo fantasmas de um passado militarista e autodestrutivo.
A guerra das Malvinas foi uma surra — literal e simbólica. Serviu para derrubar uma ditadura, mas também revelou os perigos do nacionalismo inconsequente. Quase meio século depois, o único legado palpável da aventura militar argentina é o cemitério de Darwin, onde repousam os soldados que morreram por uma causa mal conduzida. O que falta à Argentina não é razão histórica, mas razão estratégica. E, principalmente, uma visão de futuro que não se apegue a derrotas do passado.
Última atualização da matéria foi há 4 meses
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Anacleto Colombo assina a seção Não Perca!, onde mergulha sem colete na crônica sombria da criminalidade, da violência urbana, das máfias e dos grandes casos que marcaram a história policial. Com faro apurado, narrativa envolvente e uma queda por detalhes perturbadores, ele revela o lado oculto de um mundo que muitos preferem ignorar. Seus textos combinam rigor investigativo com uma dose de inquietação moral, sempre instigando o leitor a olhar para o abismo — e reconhecer nele parte da nossa sociedade. Em um portal dedicado à informação com profundidade, Anacleto é o repórter que desce até o subsolo. E volta com a história completa.
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