Brasil e China: laços bem estreitos
Na terça-feira (13), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou sua visita oficial à China com a assinatura de mais de 20 acordos de cooperação entre os dois países. O gesto, simbolicamente carregado e estrategicamente articulado, aprofunda uma relação bilateral que já se vinha consolidando há décadas. Lula não escondeu o entusiasmo. “Nunca estivemos tão próximos”, declarou, referindo-se à relação com o presidente chinês Xi Jinping. Mas, embora haja motivos para celebração, o estreitamento desses laços exige uma análise cuidadosa — especialmente à luz dos interesses brasileiros de longo prazo e da delicada arquitetura geopolítica em que nos encontramos.
Entre os documentos assinados, destacam-se parcerias em infraestrutura, agricultura, meio ambiente, comércio, finanças e até Inteligência Artificial. Há também um compromisso com o multilateralismo e a reforma das instituições internacionais, como a ONU. Um dos pontos centrais da nova etapa de cooperação é a adesão do Brasil à Iniciativa Cinturão e Rota, a chamada “Nova Rota da Seda”, um projeto de expansão geoeconômica liderado pela China, com investimentos em infraestrutura e conectividade em dezenas de países.
“No entanto, é preciso garantir que o desejo de mudar o sistema internacional não leve o Brasil a se tornar mero satélite de uma nova hegemonia.”
O Brasil entra nesse circuito como peça-chave na estratégia chinesa de consolidação de parcerias no hemisfério sul. De fato, é inegável o peso do Brasil como fornecedor confiável de commodities, mercado consumidor promissor e potência ambiental — e é igualmente inegável o poder de atração da China como investidor e parceiro comercial. Hoje, o país asiático é, de longe, o maior comprador das exportações brasileiras e também um dos principais investidores em infraestrutura, logística e tecnologia no território nacional.
No entanto, o entusiasmo com que Lula se lança à parceria suscita preocupações. Não por um alinhamento automático ser, em si, um erro, mas porque o Brasil parece estar entrando em um jogo de poder global sem a devida precaução estratégica. Ao dar passos firmes em direção à esfera de influência chinesa — especialmente por meio da integração ao Cinturão e Rota — o Brasil envia sinais dúbios ao Ocidente, particularmente aos Estados Unidos e à União Europeia, parceiros tradicionais e, em muitos aspectos, indispensáveis. O desafio, portanto, está em equilibrar a multipolaridade com autonomia.
O pragmatismo da diplomacia e seus riscos estratégicos
Na prática, integrar-se à Nova Rota da Seda pode render dividendos econômicos de curto e médio prazo, mas também significa aceitar uma lógica de desenvolvimento orientada por interesses externos. A infraestrutura financiada por Pequim não vem livre de compromissos. Países como Sri Lanka e Paquistão já enfrentaram dificuldades após se endividarem com projetos chineses — algo que deve servir de alerta ao Brasil. Além disso, há um aspecto mais sutil, porém, decisivo: o risco de perda de margem de manobra diplomática.
Outro ponto que merece atenção crítica é a participação brasileira em acordos de cooperação tecnológica com a China, especialmente no campo da Inteligência Artificial e do compartilhamento de dados espaciais. Embora esses setores representem o futuro do desenvolvimento, também envolvem questões sensíveis de soberania digital e proteção de dados. Em tempos de crescente vigilância e disputa tecnológica, uma parceria sem salvaguardas claras pode custar caro.
Por outro lado, há ganhos a reconhecer. O memorando assinado entre Marina Silva e representantes chineses sobre restauração de vegetação e sumidouros de carbono alinha-se com uma pauta ambiental relevante e reforça o papel do Brasil como potência verde — uma imagem que o Governo Lula tenta consolidar no cenário internacional. Da mesma forma, a parceria comercial sobre segurança alimentar e exportação de carnes abre espaço para maior previsibilidade no fluxo de produtos agropecuários, setor vital para a economia brasileira.
Em meio a tudo isso, a retórica conjunta contra o “unilateralismo” e a favor da reforma da ONU toca em um ponto importante: o mundo multipolar. De fato, o atual modelo de governança global precisa ser repensado para refletir melhor o peso real dos países emergentes. No entanto, é preciso garantir que o desejo de mudar o sistema internacional não leve o Brasil a se tornar mero satélite de uma nova hegemonia.

No final das contas, os acordos assinados entre Brasil e China refletem uma escolha: a aposta em uma aliança pragmática com um parceiro em ascensão. Trata-se de um movimento coerente com a tradição diplomática brasileira de diversificação de relações. Mas para que essa aproximação seja virtuosa e não dependente, o país precisa manter a vigilância, cultivar sua autonomia estratégica e evitar a armadilha de um alinhamento automático.
A diplomacia não se faz apenas com acenos calorosos. Faz-se, sobretudo, com cálculo. E é esse cálculo que determinará se os laços estreitos de hoje não se tornarão amarras difíceis de desfazer amanhã.
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