Caso do INSS: velhacos vs velhinhos
A revelação da Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), trouxe à tona mais um triste episódio da velha história brasileira: a fragilidade dos mais vulneráveis sendo explorada por estruturas que deveriam protegê-los. O escândalo, que já derrubou o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e comprometeu 11 entidades sindicais, escancara uma fraude bilionária contra aposentados e pensionistas, justamente quem mais confia — e depende — da boa-fé do Estado.

A operação atingiu diretamente a credibilidade do Instituto Nacional do Seguro Social, uma instituição que, em teoria, simboliza a segurança de quem já dedicou décadas de sua vida ao trabalho. Segundo a investigação, essas entidades, muitas delas de fachada, realizavam descontos em folha de pagamento de aposentados e pensionistas sem autorização legítima ou com a falsa promessa de prestação de serviços inexistentes. O valor desviado entre 2019 e 2024 impressiona: R$ 6,3 bilhões.
O golpe era arquitetado de maneira a parecer inofensivo. Pequenos valores, que passavam muitas vezes despercebidos pelos beneficiários, somavam cifras astronômicas em favor de entidades que, no papel, se diziam protetoras dos interesses dos idosos. E o mais grave: há fortes indícios de que servidores públicos, de dentro do próprio INSS, participaram ativamente do esquema, vendendo dados pessoais dos beneficiários em troca de propina. Assim, além da fraude, há também uma clara violação de direitos fundamentais, como o sigilo e a proteção de dados.
“A sociedade precisa cobrar, e muito, para que o caso não caia no esquecimento como tantos outros.”
A investigação deixa clara a omissão do INSS, o que culminou no afastamento de sua alta cúpula, incluindo o próprio presidente. O diretor-geral da Polícia Federal foi categórico ao afirmar que não houve ações efetivas da instituição para coibir as fraudes, mesmo após o surgimento de mais de um milhão de reclamações em apenas um ano e meio. Isso nos leva a uma questão ainda mais profunda: quando o descaso de quem deveria fiscalizar se transforma em cumplicidade?
Entidades fantasmas, funcionários omissos, aposentados lesados. O retrato pintado pela Operação Sem Desconto é cruel, mas não exatamente novo. Historicamente, a máquina pública brasileira convive com zonas cinzentas, onde a negligência e a corrupção se misturam a ponto de se tornarem indistinguíveis. O que surpreende no caso do INSS é a escala e a especificidade das vítimas: cidadãos idosos, frequentemente sem acesso fácil a tecnologias que lhes permitissem verificar contracheques eletrônicos ou acompanhar descontos online. Velhinhos, não raramente em situação de vulnerabilidade financeira e social, foram presas fáceis para velhacos travestidos de representantes classistas.
A linha tênue entre a negligência e a conivência
Diante da pressão pública, o governo federal anunciou a suspensão de todos os repasses às entidades investigadas e prometeu restituir os valores descontados indevidamente. Mas, até aqui, o que se sabe é que apenas uma parcela será devolvida agora, sem prazo definido para o ressarcimento integral. O aposentado que quiser reaver seu dinheiro precisará, ele próprio, acionar a entidade suspeita — justamente aquelas envolvidas na fraude. O Estado, mais uma vez, transfere ao cidadão a responsabilidade de reparar o dano que ele mesmo permitiu.
É preciso destacar também o papel fundamental da CGU e da Polícia Federal neste episódio. A investigação nasceu de auditorias iniciadas em 2023, quando foram verificadas inconsistências gritantes nas relações entre o INSS e essas associações. Muitas delas sequer apresentaram a documentação exigida para a manutenção de seus acordos, o que não impediu que continuassem a operar e a descontar valores.
Esse tipo de fraude corrói mais do que apenas o patrimônio financeiro das vítimas. Ele abala a confiança na própria estrutura do Estado. Quando um idoso não pode confiar nem mesmo em seu contracheque, o pacto social se esgarça. A quem ele pode recorrer? Como acreditar que sua aposentadoria — muitas vezes o único sustento da família — estará segura?
O caso do INSS é didático ao expor a necessidade de reformas profundas na relação entre entidades privadas e o poder público, especialmente quando essas relações envolvem populações vulneráveis. A fiscalização precisa ser permanente e rigorosa. A autorização para descontos em folha deve ser feita em processos auditáveis, seguros e, de preferência, digitais, para que o controle esteja, de fato, nas mãos do cidadão.

Acima de tudo, é preciso tratar com seriedade o que está em jogo: mais do que dinheiro, é a dignidade dos aposentados e pensionistas brasileiros. São eles que, depois de uma vida inteira de contribuições, merecem paz — não mais um golpe disfarçado de serviço.
A sociedade precisa cobrar, e muito, para que o caso não caia no esquecimento como tantos outros. Porque, enquanto o Brasil tolerar que velhacos explorem velhinhos, não poderá se dizer, de fato, uma nação justa.
Última atualização da matéria foi há 2 semanas
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