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Marighella: amado, odiado e controverso

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Poucas figuras da história recente brasileira provocam reações tão intensas e polarizadas quanto Carlos Marighella. Cinquenta e cinco anos após sua morte, o ex-deputado, poeta e guerrilheiro comunista permanece como símbolo de resistência para uns e de ameaça democrática para outros. Marighella continua a ser debatido em livros, filmes, discursos políticos e salas de aula — raramente como um consenso. Sua trajetória, cheia de nuances e contradições, explica por que ainda hoje seu nome divide opiniões.

Nascido em Salvador, em 1911, Marighella se formou em engenharia, mas seu destino foi traçado mais pelos ventos ideológicos do que pelos cálculos matemáticos. Ainda jovem, ingressou no Partido Comunista Brasileiro (PCB), influenciado pelos ideais marxistas-leninistas que tomavam o mundo no período entreguerras. Sofreu repressão brutal do Estado Novo de Getúlio Vargas, mas persistiu na luta política. Após a queda do Estado Novo, foi eleito deputado constituinte em 1946, mas não permaneceu muito tempo na legalidade: com a cassação do PCB em 1947, retornou à clandestinidade.

“A lição de Marighella talvez resida menos na sua opção pela luta armada e mais na paixão quase ingênua com que acreditava que o povo poderia mudar o destino da nação.”

Marighella não se tornou apenas mais um militante de esquerda. No calor da década de 1960, decepcionado com a linha “moderada” do PCB frente ao golpe militar de 1964, rompeu com o partido. Fundou a Ação Libertadora Nacional (ALN), um dos grupos armados mais ativos contra a ditadura. Para ele, a luta armada era uma necessidade histórica e moral. “Não se conquista liberdade pedindo, mas tomando”, resumia sua visão radicalizada.

Seu famoso Minimanual do Guerrilheiro Urbano — um guia prático para a guerrilha em ambiente urbano — tornou-se um dos documentos mais emblemáticos da resistência armada no Brasil. Hoje, é estudado tanto como manual de tática insurgente quanto como objeto histórico. Mas o documento também é a fonte de críticas profundas: para muitos analistas, Marighella desprezou o custo humano de suas ações, legitimando a violência em nome de um ideal. Roubos, atentados e sequestros, embora dirigidos a “inimigos do povo” — na visão da ALN —, atingiram também civis inocentes, trazendo dor e aumentando a repressão estatal.

É inegável que a memória de Marighella sofreu processos distintos ao longo do tempo. Durante a Ditadura Militar, seu nome era demonizado como sinônimo de “terrorista”. Nos anos 2000, com a redemocratização mais amadurecida, surgiu um movimento de reabilitação de sua imagem, principalmente entre setores progressistas. Obras como o filme Marighella (2019), dirigido por Wagner Moura, contribuíram para reacender o debate, retratando-o como mártir da luta contra a opressão.

Marighella em 2025: herói ou vilão?

No entanto, a partir da década de 2020, o embate em torno de sua figura se intensificou novamente. O Brasil viveu um ambiente político polarizado, onde ícones históricos foram ressignificados segundo agendas contemporâneas. Para os conservadores, Marighella representa o erro fundamental de recorrer à violência para fins políticos; para parte da esquerda, é símbolo de coragem e de resistência frente à brutalidade estatal.

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Sua figura foi lembrada durante as comemorações dos 60 anos do golpe de 1964. Enquanto uns pediam sua canonização como herói nacional, outros defendiam que sua história deveria ser ensinada como alerta sobre os perigos do extremismo. Há, também, uma terceira corrente — menos barulhenta, mas crescente — que busca estudar Marighella fora dos rótulos, analisando-o como parte de um contexto maior de radicalização política no século XX.

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Esse olhar mais sóbrio entende que a luta armada não surgiu no vácuo, mas foi resposta (discutível, mas compreensível) a um Estado que, na época, cassava direitos e perseguia opositores. Ao mesmo tempo, reconhece que a adoção da violência sistemática ajudou a justificar a escalada repressiva do regime militar, retardando a redemocratização e custando vidas.

Outro ponto relevante é a constatação de que Marighella era, acima de tudo, um homem de seu tempo. Inspirou-se na Revolução Cubana, na luta anticolonial da Argélia e nos escritos de Mao Tsé-Tung e Che Guevara. Seu erro, talvez, tenha sido acreditar que o Brasil estava maduro para uma revolução popular armada, quando a maioria da população, apesar da repressão, ainda buscava mudanças dentro da ordem existente.

Matéria do Jornal do Brasil que mostra Marighella morto num fusca (Foto: Arquivo)
Matéria do Jornal do Brasil que mostra Marighella morto num fusca (Foto: Arquivo)

Hoje, enquanto o país discute novos desafios democráticos — Inteligência Artificial, desinformação, mudanças climáticas — a lição de Marighella talvez resida menos na sua opção pela luta armada e mais na paixão quase ingênua com que acreditava que o povo poderia mudar o destino da nação. Uma paixão que, ao se confundir com a rigidez ideológica, resultou tanto em atos de heroísmo quanto em tragédias.

Marighella permanece, portanto, como símbolo de um Brasil dividido: um país onde os sonhos de liberdade, muitas vezes, colidiram com os fantasmas da violência. Amado, odiado e, como sempre, controverso.


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