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Ménage à trois ao longo dos tempos

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A imagem mental de um ménage à trois — termo francês que significa literalmente “moradia a três” — costuma oscilar entre o fetichismo popular e a provocação moral. Mais do que uma prática sexual, esse arranjo triangular tem servido ao longo da história como um espelho de convenções sociais, desejos latentes e, não raro, transgressões conscientes. O que começou como um tabu burlesco tornou-se, para muitos, um campo legítimo de experimentação relacional. E embora o tema costume ser reduzido à superficialidade de piadas de mau gosto ou roteiros de filmes adultos, o ménage à trois carrega uma bagagem cultural, literária e filosófica surpreendentemente rica.

Na Antiguidade clássica, onde as normas de sexualidade eram bem diferentes das atuais, os arranjos afetivos que envolviam mais de duas pessoas eram comuns — não necessariamente sob o mesmo nome, mas sob ideias afins. Na Grécia antiga, o erotismo era plural. Homens podiam amar outros homens sem que isso anulasse seus casamentos heterossexuais. Em muitos contextos, um triângulo amoroso poderia envolver um casal e um jovem efebo, com papéis bem definidos e, hoje, bastante problemáticos. Na Roma imperial, as orgias e os excessos sexuais entre patrícios formavam parte do folclore decadente de um império que confundia poder com prazer.

“O ménage à trois é, em essência, uma provocação às certezas românticas. Ele nos obriga a repensar os limites da intimidade, do ciúme e da posse. Como diria Beaumarchais, com sua verve mordaz, “o amor é o mais enganador dos contratos — mas ainda assim o mais desejado”.”

No entanto, o termo ménage à trois só ganharia status literário e cultural muito tempo depois, principalmente entre os séculos XVIII e XIX, quando a aristocracia francesa, sempre amante de excessos refinados, começou a flertar publicamente com os limites da monogamia. Foi nesse caldo de permissividade intelectual e libertinagem ilustrada que surgiu a figura de Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais (1732–1799), dramaturgo francês mais conhecido por suas peças “O Barbeiro de Sevilha” e “As Bodas de Fígaro”.

Beaumarchais não apenas vivia cercado de escândalos amorosos como também era um espírito inquieto e provocador. Apesar de seus envolvimentos com intrigas políticas e espionagem a serviço da monarquia francesa, foi no teatro que ele criou tipos inesquecíveis que expunham as hipocrisias das elites de seu tempo. Seus personagens ironizavam frequentemente os dogmas da fidelidade conjugal e zombavam das normas que regiam o matrimônio burguês. Em sua obra, o casamento era mais um contrato de interesses do que uma união baseada em paixão ou exclusividade. Ainda que não tenha abordado explicitamente o ménage à trois, Beaumarchais encarnava a essência de um mundo onde os vínculos afetivos podiam — e deviam — ser negociados com audácia e humor.

Entre romantismo e conveniência

Durante o século XIX, o ménage à trois passou a figurar com mais nitidez nos círculos literários e intelectuais. Casais como o formado por George Sand e Alfred de Musset não raro envolviam terceiros em suas aventuras sentimentais. O romantismo europeu, com toda sua volúpia melancólica, era uma incubadora natural para essas experimentações. Mas não era apenas a paixão que motivava essas dinâmicas. Em muitos casos, o ménage representava uma maneira prática — embora sempre instável — de equilibrar desejos, conveniências e carências.

Já no século XX, com o surgimento da psicanálise, do feminismo e das revoluções sexuais, o conceito de relacionamento foi ainda mais contestado. O ménage à trois deixou de ser apenas um fetiche escondido nos salões privados e ganhou as páginas das revistas, os scripts do cinema alternativo e os estudos acadêmicos sobre não-monogamia. Nomes como Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre mantiveram relacionamentos abertos com terceiros, ainda que muitas vezes atravessados por ciúmes, tensões e desigualdades.

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O tema voltou com força, especialmente entre jovens adultos que buscam novas formas de se relacionar para além da lógica monogâmica tradicional. Aplicativos de relacionamento com filtros específicos para casais e “unicórnios” (o nome informal dado à terceira pessoa convidada) escancaram um mercado que já não se esconde. No entanto, nem tudo é celebração. Apesar da popularidade crescente do tema, muitos desses arranjos ainda se dão em contextos de desequilíbrio emocional ou acabam reforçando padrões antigos de objetificação — especialmente quando a mulher é tratada como “presente” para o homem.

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Ilustradora Anasor Ed Searom explicita pose do Ménage à trois (Ilustração: Anasor Ed)
Ilustradora Anasor Ed Searom explicita pose do Ménage à trois (Ilustração: Anasor Ed)

Críticos da normalização do ménage à trois apontam que, sob a aparência de liberdade sexual, muitas dessas relações carregam vícios machistas ou tentativas mal resolvidas de salvar casamentos em ruínas. Já defensores da não-monogamia ética argumentam que, se bem negociado e com consentimento claro entre todas as partes, o ménage pode ser uma experiência enriquecedora e libertadora.

Talvez o maior erro seja achar que existe uma fórmula única para o amor e o desejo. O ménage à trois é, em essência, uma provocação às certezas românticas. Ele nos obriga a repensar os limites da intimidade, do ciúme e da posse. Como diria Beaumarchais, com sua verve mordaz, “o amor é o mais enganador dos contratos — mas ainda assim o mais desejado”. E talvez, para alguns, dividir esse desejo em três não seja uma traição, mas uma revelação.

Última atualização da matéria foi há 1 dia


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