PEC da Blindagem: você briga por eles…
É sempre assim no Brasil: quando a corda aperta para um lado, alguém corre para criar um “tapetinho vermelho” no outro. A chamada “PEC da Blindagem”, aprovada em dois turnos na Câmara, é a versão 2025 de um velho truque de autoproteção parlamentar. Com 353 votos a favor no primeiro turno e 344 no segundo, os deputados aprovaram um texto que, apesar de suavizado, retoma um mecanismo de defesa já banido em 2001: a exigência de aval do Congresso para processar parlamentares no Supremo Tribunal Federal. Nada mais clássico — e nada mais atual.
O discurso oficial é bonito: garantir equilíbrio entre poderes, assegurar prerrogativas parlamentares, proteger a democracia. Mas, na prática, a PEC recoloca os congressistas no pedestal da impunidade preventiva. Não é à toa que os apelidos variam entre “PEC das Prerrogativas” (eufemismo para os iniciados) e “PEC da Blindagem” (realismo para o público). O Centrão, sempre com faro para oportunidades, abraçou a proposta sem cerimônia. Os bolsonaristas, ressentidos com condenações no STF, viram nela um escudo providencial. O resultado é uma coalizão improvável, mas eficaz: autoproteção como política de Estado.
“Se o Senado aprovar, estaremos de volta a um regime de imunidade quase absoluta. O STF, que hoje pode iniciar processos sem pedir bênção ao Congresso, ficará limitado.”
Desde que o STF intensificou o julgamento de parlamentares e ex-presidentes — vide Daniel Silveira e Jair Bolsonaro — cresceu no Congresso um sentimento de revanche institucional. Se o Supremo julga e condena, o Congresso revida com uma PEC que devolve a ele próprio o poder de segurar processos. E assim, em nome do “freio e contrapeso”, a roda gira para trás. Em vez de avançar para mais transparência e accountability, a política brasileira se move na direção contrária: mais privilégios, menos controle externo, mais poder para si mesma.
O relator Claudio Cajado (PP-BA), estrategicamente colocado, fez um texto mais “aceitável” para não assustar a opinião pública. Cortou a exigência de aval para abertura de investigações criminais — o que soaria escandaloso demais — mas manteve o coração da proposta: o filtro político para processar parlamentares. Esse detalhe, aparentemente técnico, é o eixo do retrocesso. Afinal, se uma Câmara dividida e repleta de interesses corporativos precisa autorizar um processo contra seus próprios membros, adivinhe quem sairá ganhando? Não é o eleitor.
Um velho truque com cara de novidade
A PEC da Blindagem é, no fundo, uma reprise de velhos tempos. A Constituição de 1988 já previa esse aval do Congresso; em 2001, depois de muita pressão popular, o dispositivo caiu. Agora ele volta em nome da “defesa das instituições”. É o tipo de argumento que soa republicano, mas funciona como salvo-conduto. O timing não poderia ser mais revelador: em meio a investigações sobre emendas parlamentares e suspeitas de corrupção, o Congresso redescobre seu amor pelas prerrogativas.
Mais que uma disputa entre STF e Legislativo, há uma estratégia de sobrevivência política. De um lado, parlamentares acuados por investigações e decisões judiciais. De outro, uma opinião pública cansada, mas sem energia para resistir a manobras técnicas e textos jurídicos complexos. O cidadão médio, ao ouvir “PEC das Prerrogativas”, imagina algo distante. Ao ouvir “PEC da Blindagem”, sente um cheiro conhecido — mas talvez tarde demais para reagir.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), mostra-se pragmático. Entre pressões de bolsonaristas por anistia a condenados do 8 de janeiro e pressões do Centrão por autoproteção, ele costura acordos, convoca reuniões de líderes e acelera votações. Tudo sob a capa de normalidade institucional. No fundo, é um teste: até onde vai à tolerância da sociedade com medidas que enfraquecem o combate à corrupção?
Se o Senado aprovar, estaremos de volta a um regime de imunidade quase absoluta. O STF, que hoje pode iniciar processos sem pedir bênção ao Congresso, ficará limitado. A Câmara e o Senado passarão a ter um poder quase judicial sobre si. É o “autocontrole” levado ao extremo — e sabemos como termina: com mais corporativismo, menos punição.
Esse jogo é perigoso. Ao tentar blindar-se do STF, o Congresso corre o risco de criar uma crise de legitimidade. A narrativa do “Parlamento perseguido” pode convencer alguns, mas o eleitor que paga imposto e vê serviços públicos se deteriorarem tem memória curta, mas não infinita. Blindar-se pode funcionar a curto prazo; a médio, pode virar símbolo de decadência institucional.
No fim das contas, a “PEC da Blindagem” não é sobre direita ou esquerda. É sobre poder e autoproteção. É o tipo de medida que une adversários ideológicos quando o assunto é manter seus próprios privilégios. E é também um termômetro da democracia brasileira: quanto mais ela precisa de transparência, mais seus representantes tentam puxar cortinas.
Se há algo de positivo nisso, é a lição repetida: a democracia não se sustenta sozinha. O eleitor precisa estar atento, precisa ler nas entrelinhas, precisa entender que prerrogativa demais vira privilégio. Caso contrário, continuará brigando por eles — enquanto eles brigam para não serem julgados. E, nesse duelo desigual, sabemos quem sai perdendo.

Assim, a PEC da Blindagem não é apenas uma proposta de emenda à Constituição. É um retrato de como o poder se move no Brasil: sorrateiro, negociado, embalado em discursos nobres. A diferença é que, desta vez, o roteiro é explícito. E ainda assim passa. Porque, no fundo, o país já se acostumou a brigar por eles enquanto eles se blindam de nós.
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