O baixo nível político é real?
A frase de Lula caiu como uma bomba no palco do Dia dos Professores — ironicamente, uma data que celebra o saber e o pensamento crítico. Ao dizer que o atual Congresso Nacional é “o de mais baixo nível” da história recente, o presidente reacendeu um debate antigo e incômodo: o que, afinal, é “baixo nível” na política brasileira? O termo é ambíguo o suficiente para permitir tanto uma confissão involuntária quanto uma acusação certeira. Depende do ponto de vista — e de qual cadeira se ocupa no poder.
Lula falava diante de Hugo Motta, presidente da Câmara, o que deu à cena uma pitada de tragicomédia política. O mestre veterano da retórica petista, que já sobreviveu a impeachment, Lava Jato e prisão, criticava o Parlamento em plena efeméride da educação, cercado de aplausos e constrangimentos. É como se o professor reclamasse da turma bagunceira sem perceber que ele mesmo ajudou a matricular boa parte dos alunos. Afinal, foi sob a democracia que ele defende que essa leva de deputados e senadores se elegeu.
“Lula tocou num ponto essencial quando disse que o voto deve ser guiado por princípios, e não por aparência ou popularidade. É uma lição básica de educação cívica — perfeita para o Dia dos Professores —, mas soa hipócrita num país em que as campanhas se tornaram espetáculos de marketing e desinformação.”
Mas Lula não está sozinho no diagnóstico. A percepção de que o Congresso empobreceu — moral, intelectual e simbolicamente — é quase consenso nacional. O problema é que cada um define esse empobrecimento à sua maneira. Para uns, trata-se da proliferação de políticos populistas, religiosos ou de extrema-direita; para outros, é o retorno do fisiologismo e das velhas práticas do “toma lá, dá cá” reembaladas com pix e orçamento secreto.
O baixo nível, portanto, é uma espécie de espelho rachado: cada cidadão enxerga nele o reflexo do que mais despreza na política.
Entre a comédia parlamentar e a tragédia nacional
O que Lula disse, e o que o público ouviu, ecoa em diferentes períodos da história. O Brasil já teve parlamentos brilhantes e também vergonhosos. No Império, o debate político era sofisticado — mas profundamente elitista. Na Primeira República, o fisiologismo era regra, e a retórica, uma arte de disfarçar acordos de coronéis. Durante a ditadura, o nível foi baixo porque não havia sequer liberdade. E na redemocratização, o Congresso se reinventou como um grande mercado persa: ideologias viraram moedas de troca, e partidos, barracas itinerantes.
Portanto, quando Lula diz que o atual Congresso é o pior, ele talvez esteja se esquecendo de quantos “baixos níveis” o Brasil já atravessou. Nos anos 1990, o escândalo dos anões do orçamento era o retrato de uma Câmara que vendia emendas por propinas. Nos anos 2000, o mensalão revelou o uso da corrupção como método de governabilidade. Na década de 2010, a Lava Jato mostrou que o poder, independentemente da coloração partidária, nadava em lama. Hoje, temos um Congresso fragmentado, guiado por redes sociais e algoritmos, onde o discurso fácil vale mais que o raciocínio. É um novo tipo de mediocridade — digital, performática e monetizada.
Há, contudo, uma nuance cruel: o Congresso é eleito pelo povo. Quando Lula afirma que o Parlamento tem “baixo nível”, ele também está dizendo, indiretamente, que o eleitor votou mal. E é aí que o espelho vira lâmina. Não há congresso de outro planeta. A Câmara é um reflexo, ainda que distorcido, da sociedade brasileira — com sua descrença na política, seu moralismo de ocasião, sua idolatria por celebridades e pastores, e seu gosto pelo escândalo.

Lula tocou num ponto essencial quando disse que o voto deve ser guiado por princípios, e não por aparência ou popularidade. É uma lição básica de educação cívica — perfeita para o Dia dos Professores —, mas soa hipócrita num país em que as campanhas se tornaram espetáculos de marketing e desinformação. O eleitor médio não analisa o histórico do candidato; analisa o meme. O baixo nível político é apenas o sintoma de uma sociedade que já desistiu de pensar coletivamente.
O desafio, portanto, não é moralizar o Congresso, mas reeducar o país. O Parlamento só subirá de nível quando o eleitor também subir. E isso passa por escolas que ensinem política sem medo, por uma imprensa que valorize o debate e por líderes que inspirem e não apenas acusem.
Lula, com sua frase de efeito, fez o que sempre soube fazer: transformar indignação em aplauso. Mas o diagnóstico dele é, paradoxalmente, parte do próprio problema. O baixo nível político é real, sim — e não começou ontem. É o retrato de uma República que se acostumou à superficialidade, à polarização e ao improviso.

Enquanto o país continuar tratando política como torcida e eleição como reality show, o “baixo nível” será apenas o novo normal — uma tragédia repetida, agora com transmissão ao vivo e direito a filtro de Instagram.
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