100 dias de Trump: retórica e arrogância
Em seus primeiros cem dias de retorno à Casa Branca, Donald Trump provou, mais uma vez, que o poder presidencial, nas mãos de um comunicador desinibido e avesso à diplomacia tradicional, pode gerar ondas sísmicas não apenas nos Estados Unidos, mas no cenário global. A marca registrada de seu governo — a retórica inflamada, os rompantes performáticos e a tendência ao revisionismo histórico — ressurge com força total, agora ainda mais amplificada pela combinação de redes sociais e um campo político mais polarizado do que nunca.
A imagem de Trump como uma figura messiânica ressurgiu logo no discurso de reentrada no Salão Oval, quando declarou que “Deus me salvou para tornar os Estados Unidos grandes novamente”. A frase não foi apenas simbólica, mas estrategicamente calculada. Ao rememorar a tentativa de assassinato sofrida durante a campanha na Pensilvânia, Trump investiu pesado em uma narrativa de redenção e destino pessoal, algo que, para sua base mais fervorosa, não apenas emociona, mas justifica qualquer ação, por mais controversa que seja.
“Os primeiros cem dias do segundo mandato de Donald Trump não surpreendem por seu conteúdo — esse roteiro, em parte, já foi testado —, mas por sua radicalização.”
Em meio a esse retorno triunfal, o tom belicoso das relações internacionais também foi reativado. A frase “um ditador sem eleições”, dita sobre o presidente ucraniano Volodímir Zelensky, gerou perplexidade em aliados históricos. A crítica veio carregada de ironia e desinformação, rompendo com o apoio consistente que os EUA mantiveram à Ucrânia desde o início do conflito com a Rússia. Mesmo após tentar se retratar — ou, ao menos, desmentir a si com um vago “eu disse isso?” —, os danos estavam feitos. A confiança mútua, como o próprio Trump muitas vezes reforça, é volátil sob sua liderança.
Trump parece ter aprimorado uma forma de diplomacia baseada no escárnio e na pressão econômica. As tarifas alfandegárias impostas abruptamente, que sacudiram mercados globais, foram acompanhadas de comentários como “esses países estão nos ligando, beijando minha bunda”, proferidos durante um evento republicano. O comentário foi interpretado como um claro sinal de desprezo pelas tentativas de negociação de parceiros comerciais tradicionais, lançando o país em uma nova era de protecionismo agressivo.
Diplomacia do escárnio
Sua visão para a Faixa de Gaza — a quem chamou de futura “Riviera do Oriente Médio”, durante uma coletiva ao lado de Benjamin Netanyahu — revela não apenas uma leitura superficial do conflito, mas uma completa desconexão com a realidade humanitária da região. A proposta, que ignora completamente a presença e o sofrimento do povo palestino, foi recebida com espanto internacional. Transformar um território devastado pela guerra em resort de luxo é mais do que insensível: é um exercício de poder descolado dos princípios básicos do direito internacional.
Com o Canadá, os embates foram mais caricatos, mas não menos preocupantes. A ideia de que o país vizinho poderia se tornar “nosso 51º estado” causou indignação não apenas entre políticos canadenses, mas também entre diplomatas americanos que ainda tentam preservar alguma racionalidade nas relações bilaterais. A declaração não veio de improviso num comício, mas sim em uma postagem na Truth Social — um canal de comunicação direta no qual Trump parece confundir opinião com política de Estado.
Internamente, o tom é igualmente confrontador. A tentativa de deslegitimar a Suprema Corte, especialmente ao pedir a destituição do juiz James Boasberg, evidencia o desconforto de Trump com qualquer limitação institucional. A resposta do presidente da Suprema Corte, em defesa da independência do Judiciário, foi rara e reveladora da gravidade da situação. As críticas vieram após Boasberg barrar voos de deportação considerados ilegais, tocando num tema sensível para o trumpismo: a imigração como ferramenta política.

Por fim, a hostilidade com a União Europeia revela um redesenho completo da política externa americana. Ao afirmar que “a UE foi criada para capacitar os Estados Unidos”, Trump ressignifica décadas de colaboração e estabilidade geopolítica em nome de uma tese conspiratória que transforma parceiros em antagonistas. Com isso, o multilateralismo é substituído por uma lógica de transações imediatas e ameaças veladas — algo que pode parecer eficaz no curto prazo, mas que isola os Estados Unidos num momento em que cooperação global é mais necessária do que nunca.
Os primeiros cem dias do segundo mandato de Donald Trump não surpreendem por seu conteúdo — esse roteiro, em parte, já foi testado —, mas por sua radicalização. O que antes parecia estratégia de campanha agora se consolida como política de governo. Se há um método por trás da retórica, ele é claro: enfraquecer instituições, subverter a diplomacia tradicional e empurrar os limites do aceitável até que se tornem norma. A arrogância não é apenas um traço pessoal, mas a engrenagem de uma presidência construída no confronto e na exceção. O que ainda resta saber é quanto tempo as estruturas democráticas suportarão esse estresse contínuo — e qual será o preço cobrado aos Estados Unidos por essa escolha reiterada.
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