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A República do playboy Washington Luís

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Washington Luís — o 13º presidente do Brasil — é um daqueles personagens históricos que parecem ter sido desenhados para encarnar, ao mesmo tempo, a pompa e o abismo da República Velha. Um homem de fala elegante, postura impecável, gosto aristocrático e um apego quase ritualístico ao automóvel, símbolo máximo de modernidade para alguém que governou entre 1926 e 1930 como quem dirige um Cadillac reluzente em meio a uma estrada esburacada. Era um político da ordem, para quem “questão social era caso de polícia”, e cuja fé quase mística no progresso por meio do asfalto acabou dialogando mal com um país que ainda atolava o sapato no barro da desigualdade.

Seu Governo, marcado pelo esforço de modernização urbana e pela crença inabalável no poder disciplinador das instituições — desde que essas instituições obedecessem aos acordos das oligarquias — resume bem a estética política da época: uma elite provinciana com maneiras afrancesadas, acreditando governar um Brasil que só existia nas sacadas do Theatro Municipal. Washington Luís era, de certa forma, o último personagem daquela República dos grandes cafeicultores, dos arranjos coronelistas e das eleições coreografadas que davam ao povo o papel secundário de figurante sem falas.

“Washington Luís acreditava numa República racional, técnica e polida — uma espécie de país idealizado onde conflitos poderiam ser resolvidos com decretos, estradas e ternos bem cortados. No entanto, governou um Brasil convulsionado, desigual, imprevisível e pragmático. A distância entre o país real e o país que ele imaginava foi justamente o buraco onde sua presidência caiu.”

No entanto, reduzir Washington Luís a um dândi de terno engomado seria injusto. Ele era, sim, sofisticado — e adorava exibir essa sofisticação — mas também era obstinado. Como prefeito e depois governador de São Paulo, empenhou-se em obras de infraestrutura, especialmente rodovias, abrindo caminho para um país que insistia em acreditar que tinha vocação para o asfalto, quando, na verdade, ainda tropeçava em suas próprias vielas. Na presidência, tentou repetir o experimento: modernizar, organizar, centralizar. Uma receita que funcionava no papel, mas falhava diante da economia caótica, do estopim social crescente e de uma classe política que só respeitava pactos enquanto lucrava com eles.

E aí veio 1929, com a crise internacional derrubando o preço do café — a galinha dos ovos de ouro da República Velha — e estilhaçando o frágil equilíbrio nacional. Washington Luís, firme como um general no convés de um navio afundando, insistiu na política do “café-com-leite” e bancou a candidatura de Júlio Prestes, ignorando Minas Gerais, que já estava contrariada com a quebra do rodízio. E, como se não bastasse, subestimou a articulação crescente de um homem cuja ambição faria sombra a todos os caciques republicanos: Getúlio Vargas, o político sagaz, o articulador incansável e o nome que se tornaria, em pouco tempo, o rosto do golpe que o derrubaria.

O presidente que modernizava ruas, mas não lia sinais

O golpe que derrubou Washington Luís em 1930 — formalmente chamado de “Revolução de 30”, embora tivesse mais de quartelada que de revolução — foi o capítulo final de uma tragédia anunciada. Vargas, frustrado com a derrota eleitoral e embalado por forças políticas e militares que farejavam o fim da República Velha, posicionou-se como líder do movimento. Não era apenas o governador do Rio Grande do Sul; era o homem poderoso que soube jogar com o ressentimento de Minas, com a rebeldia da Paraíba, com a insatisfação dos militares jovens e com o esgotamento do pacto oligárquico. Enquanto Washington Luís equilibrava-se na formalidade, Vargas fazia política real — a das alianças, dos cálculos, das tensões e do momento certo de avançar.

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Luís foi retirado do Catete como se fosse um intruso e não o chefe de Estado; preso em um navio, enviado ao exílio, tratado como símbolo de uma era que precisava acabar. Ironicamente, o “presidente do asfalto” não conseguiu pavimentar a própria permanência no poder — e muito menos enxergar que Vargas já lhe serrava as bases. Entre generais como Tasso Fragoso e Mena Barreto, que assumiram a Junta Governativa, e a pressão das tropas do Sul, a queda tornou-se inevitável.

Seu Governo não foi um desastre absoluto, mas também não foi a administração brilhante que seus admiradores gostariam de pintar. Houve avanços estruturais? Sim. Houve tentativas sérias de modernização administrativa? Claro. Mas nada disso resistiu ao choque com a crise internacional, ao desgaste do sistema oligárquico e, sobretudo, ao erro político fatal de não perceber que sua autoridade dependia de alianças que ele próprio resolveu desprezar — enquanto Vargas, do outro lado do tabuleiro, movia as peças com precisão cirúrgica.

Washington Luís acreditava numa República racional, técnica e polida — uma espécie de país idealizado onde conflitos poderiam ser resolvidos com decretos, estradas e ternos bem cortados. No entanto, governou um Brasil convulsionado, desigual, imprevisível e pragmático. A distância entre o país real e o país que ele imaginava foi justamente o buraco onde sua presidência caiu.

Se há algo que o legado de Washington Luís nos oferece hoje, quase um século depois, é uma espécie de alerta histórico: governar exige sensibilidade para ouvir ruídos antes que eles se tornem trovões. Ele ouviu apenas o ronco dos motores, quando deveria ter prestado atenção ao barulho crescente das ruas, das roças, dos quartéis — e de um certo gaúcho silencioso, calculista e paciente que já negociava o futuro sem ele.

Reduzir Washington Luís a um simples dândi de terno engomado seria injusto (Foto: Wiki)
Reduzir Washington Luís a um simples dândi de terno engomado seria injusto (Foto: Wiki)

A República Velha caiu com Washington Luís, mas quem emergiu dela, triunfante e pronto para moldar o país, a sua imagem, foi Vargas. O presidente elegante perdeu o poder; o homem poderoso levou a história.


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