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Quem salvará a Warner das dívidas?

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Há noites em que o silêncio do mundo dos vivos não basta. É preciso atravessá-lo. É preciso convocar aqueles que construíram impérios com as próprias mãos, que conheceram a carne febril de Hollywood antes que ela virasse planilha, algoritmo, coligação de dívidas. Hoje, na penumbra ritualística de minha mesa branca, chamo um velho conhecido dos cinéfilos e um fantasma incômodo dos executivos contemporâneos: Harry Warner, o irmão pragmático, o arquiteto silencioso de um estúdio que um dia acreditou que o cinema podia mudar o mundo — e que agora cambaleia à beira de mais uma venda monumental. Os tempos são outros, ele sabe. Do seu lado do véu, Harry assiste ao espetáculo com uma mistura de espanto e resignação. A Warner Bros. Discovery, herdeira de seu nome e de sua teimosia, tornou-se um gigante esgotado por fusões mal digeridas, dívidas impagáveis e ambições de streaming que nunca encontraram seu próprio rosto. US$ 35 bilhões em passivos, divisões, cisões, empréstimos de emergência, cortes cirúrgicos e uma fila crescente de pretendentes — de Paramount Skydance à Comcast, e até sussurros de Netflix e Amazon. Harry vê tudo isso. E sorri um sorriso amargo — daqueles que só os mortos podem dar, pois, nada mais lhes dói. Convido-o agora a falar. Não como executivo, nem como empresário, mas como consciência inquieta do que um dia a Warner significou — e talvez ainda possa significar, se sobreviver à própria ganância.

Frederic Chaz – Sr. Warner, do outro lado da vida, como o senhor enxerga a possibilidade de sua empresa ser vendida novamente, agora em meio a uma crise de US$ 35 bilhões?

Harry Warner – A morte, meu caro Frederic, dá perspectiva. E, da perspectiva da eternidade, tudo isso me parece um círculo que insiste em se repetir. Criamos um estúdio para contar histórias, não para virar um ativo financeiro trocado como cavalo em feira. O problema nunca foi a dívida — o problema é quando quem comanda não entende o valor da história.

Chaz – A fusão entre WarnerMedia e Discovery, que trouxe mais de US$ 50 bilhões de dívida, teria alguma chance de dar certo sob sua gestão?

Warner – Eu diria que eles confundiram tamanho com visão. Fusão não é mágica: é casamento. E não se casa por desespero financeiro. A AT&T nos usou como brinquedo corporativo. Agora pagam o preço.

Chaz – A Paramount Skydance é apontada como a mais agressiva interessada na compra. O que o senhor acha dessa possível união?

Warner – Os Ellison têm dinheiro, mas não necessariamente alma. Paramount e Warner juntas podem criar um colosso… ou um Franken­stein. Depende se eles querem conteúdo ou apenas catálogo. Catálogo é passado. Conteúdo é futuro.

Chaz – E a entrada da Apollo Global Management nessa equação?

Warner – A Apollo é competente — mas é private equity. E private equity não compra sonhos, compra margens. Se a Warner cair ali dentro, espere poda, pulverização e revenda em fatias mais finas que celuloide.

Chaz – A Comcast também aparece como candidata forte. Seria, enfim, uma casa estável?

Warner – A Comcast é pragmática, fria e organizada. Talvez fosse a mais racional. Mas racional demais. A Warner sempre viveu de risco. De loucura calculada. Não sei se sobreviveríamos ao excesso de ordem.

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Chaz – Fala-se até em Netflix e Amazon. O senhor acredita nessas possibilidades?

Warner – A Netflix quer autonomia, não heranças. A Amazon quer domínio, não tradição. Elas poderiam comprar, claro — mas não sei se saberiam o que fazer com a alma antiga que acompanha cada rolo de filme da Warner.

Chaz – O portfólio atual — Potter, Batman, Game of Thrones — pesa na decisão final?

Warner – É o que mantém este estúdio respirando. Franchises são templos modernos. Mas templos precisam de sacerdotes, não contadores. Sem curadoria, até Harry Potter vira planilha. E planilhas não emocionam plateias.

Chaz – O streaming, que deveria salvar a empresa, acabou engolindo sua saúde financeira. Culpa da estratégia?

Warner – Culpa de uma febre coletiva. Todos queriam ser Netflix sem entender que nem a própria Netflix sabe o que será amanhã. Streaming sem identidade é o buraco negro das finanças. E a Warner se jogou de cabeça.

Chaz – O senhor acha que deveriam vender tudo ou dividir estúdios e streaming?

Warner – Dividir pode ser salvação. O cinema é um bicho, o streaming é outro. Juntos, eles brigam dentro da mesma jaula. Separados, podem voltar a respirar.

Chaz – Por fim, Harry: qual conselho o senhor daria aos vivos que agora decidem o futuro de sua empresa?

Warner – Lembrem-se de que uma história vale mais que um trimestre bonito. E de que não existe comprador capaz de salvar uma empresa que esquece por que nasceu. Se a Warner se vender, que seja por visão — não por desespero.

Última atualização da matéria foi há 4 dias


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