A recuperação está sendo muita lenta para a CNC
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) é a entidade sindical de grau máximo do setor terciário brasileiro. Reúne 34 federações (27 estaduais e sete nacionais) e mais de mil sindicatos filiados em todo o território brasileiro, que representam e defendem os direitos dos empreendedores do comércio nacional de bens, serviços, turismo e seus interesses. São mais de cinco milhões de empresas representadas que geram cerca de 25,5 milhões de empregos diretos e formais. Com sua estrutura, a CNC atua para que o comércio esteja sempre presente na formulação das políticas públicas, no acompanhamento da tramitação das proposições de interesse no Congresso Nacional e na defesa da Constituição, acompanhando continuamente as leis que possam impactar o setor. A entidade é também responsável pela administração de um dos maiores sistemas de desenvolvimento social do mundo, formado pelo Serviço Social do Comércio (Sesc) e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que oferecem educação, alimentação, saúde, cultura, esporte, lazer e qualificação profissional aos trabalhadores do comércio e suas famílias, beneficiando milhões de brasileiros. A CNC foi uma das principais defensoras da Reforma Trabalhista, aprovada em 2017 no Governo Temer. Atualmente, tem o experiente Fabio Bentes, como economista-chefe da entidade.
Como o senhor prevê o cenário econômico do Brasil no pós-Covid?
O cenário de recuperação pós-Covid é um sinal de lenta recuperação. É bom lembrar que a economia antes desse problema, já não vinha apresentando crescimento muito significativo. O que percebemos é uma retração muito forte do consumo nesse segundo trimestre, lembrando que o consumo responde por cerca de 60% do PIB. Temos uma aversão aos investimentos por conta da incerteza criada pela pandemia (como que as empresas vão reagir num cenário como esse). Geralmente isso está atrelado ao grau de certeza quanto ao futuro. Se é algo que falta nesse momento é a certeza de quando o Brasil vai ter condições de retomar o nível de atividade normal. Bom lembrar também que o Governo tem adotado algumas medidas razoavelmente bem-sucedidas para socorrer empresas e principalmente para socorrer o trabalhador informal. Isso tem surtido efeito sim, mas sabemos que essas medidas precisam ser um pouco mais audaciosas. O auxílio tem que continuar chegando e nos casos das empresas (principalmente) ampliar os recursos disponíveis para as mesmas nesse momento.
Apenas o turismo perderá R$ 122 bilhões. Como empresas desse setor sobreviverão depois desse debacle?
O setor de turismo é sem dúvida o mais afetado pela pandemia, não só ao nível nacional, mas também ao nível global, por conta de toda revisão do protocolo que se fez necessário após a pandemia como transporte aéreo, por exemplo, a parte de hotelaria… Vemos o turismo hoje no Brasil trabalhando com 15% da capacidade. Basicamente essa geração de receita se dá no segmento de alimentação, porque ainda tem algum tipo de demanda dos residentes e não só dos turistas. O setor vai demorar para se reerguer, sendo bom lembrar que o que vende hoje no turismo é quase 70% menos do que se faturava antes da pandemia. Traçamos um cenário de recuperação para o setor se a economia crescer na ordem de 2% a partir do ano que vem. Uma retomada ao nível pré-pandemia somente em 2023.
Qual o papel do comércio para a retomada do crescimento da economia nacional?
O comércio é uma das atividades mais importantes do ponto de vista do consumo. O que vimos nesse momento (no segundo trimestre) foram segmentos inteiros do varejo fechados e quedas inéditas no faturamento. Mesmo o varejo que permaneceu aberto durante a pandemia e antes do processo de flexibilização, teve uma queda significativa no faturamento. São atividades essenciais é verdade, então elas tendem a ser um pouco mais preservadas do que outras, mas diante do impacto que a pandemia teve sobre as condições de consumo como o mercado de trabalho, como crédito (que também se retraiu bastante) e a confiança do consumidor (também), o comércio tende a se apresentar em um grau maior de recuperação mais rápida como, por exemplo, o turismo, mas até para o comércio a expectativa para este ano não é nada favorável. Projetamos uma queda de 10% nas vendas deste ano que se confirmada, seria a maior queda anual do faturamento do varejo desse século desde 2000, quando o IBGE passou a realizar levantamentos.
O maior desafio que teremos no futuro é a estabilização da dívida?
O endividamento público é só um dos grandes desafios que teremos nos próximos anos. Diante de todo esforço do Governo para tentar minimizar os impactos da pandemia, as contas públicas que já estavam pressionadas tendem a sair dessa crise ainda mais pressionadas e o principal termômetro disso vai ser o aumento do endividamento público. Foi assim em vários países que adotaram medidas para minimizar o processo e o problema. No Brasil não será diferente. Não sei se é o maior, mais é um dos grandes… Temos a própria retomada econômica no nível pré-pandemia, que já é um desafio grande por si só… além do desemprego. O índice de desemprego tende a subir e vem subindo ao longo da pandemia. A partir do momento que a economia começar a se recuperar, vamos perceber um aumento na procura por emprego. Isso tende a pressionar a taxa de desemprego. Portanto, é um dos grandes desafios que teremos nos próximos anos.
Acredita que o setor de serviços terá uma volta mais lenta que o varejo e a indústria?
O setor de serviços foi altamente impactado pela pandemia. Acredito que a recuperação do setor de serviços como um todo, tende a ser até um pouco mais rápida do que a do comércio. Tudo que é ligado ao consumidor final tende a se recuperar mais lentamente, como é o caso do comércio e do segmento de turismo. No caso de serviços temos a prestação de serviços entre as empresas. Na medida que se perceber que a pandemia está passando, que vamos deixando para trás o período mais agudo, a tendência é termos uma retomada na prestação de serviços entre pessoas jurídicas. Já o serviço prestado às pessoas físicas, tende de fato a acompanhar o ritmo mais lento do consumo assim como ocorre com o comércio varejista.
A reforma tributária proposta pelo ministro Paulo Guedes, pode prejudicar esse setor?
Da forma como foi proposto, sabemos que a reforma tributária está sendo fatiada, já que ela vai ser implementada ou proposta pelo menos em etapas. Essa primeira etapa que envolveu basicamente a unificação do PIS e da Cofins, prejudica sim o setor de serviços. O setor de serviços tende a ter um aumento na sua carga tributária por conta da sua impossibilidade de compensação e da geração de créditos tributários para o abatimento do consumo de insumos ao longo da produção de serviços. A indústria tem mais facilidade de fazer isso (abater e gerar esses créditos tributários). O setor de serviços tende de fato a ser mais penalizado, claro, caso a proposta encaminhada pelo Poder Executivo vingue.
O senhor defende a criação de um novo imposto como a CPMF?
Tivemos a experiência com a CPMF. É um imposto de fácil implementação, tem a sua utilidade inclusive do ponto de vista da fiscalização (de coibir a evasão tributária), mas é um tributo cumulativo e regressivo. Tende a sobrecarregar o consumo que, aliás, já é o principal componente da carga tributária no Brasil. A experiência que tivemos no passado com a CPMF não foi uma experiência muito positiva. A não ser que outros tributos, ou outras contribuições sejam extintas, julgo que ressuscitar a CPMF nesse momento não é uma medida adequada do ponto de vista do equilíbrio do sistema tributário brasileiro.
Qual medida seria ideal para estimular as vendas no final do ano?
Basicamente o principal indutor do consumo do aumento das vendas é o mercado de trabalho. Por mais que o crédito tenha ficado mais barato, que a inflação esteja baixa, até num cenário mais positivo mais a frente do ponto de vista da confiança do consumidor, para a materialização das vendas é fundamental a retomada do mercado de trabalho. Acredito que as medidas que foram anunciadas para reduzir os impactos da pandemia no mercado de trabalho tendem a criar um cenário menos favorável no final do ano. De qualquer forma quando comparamos o desempenho do varejo ao longo de 2020, mesmo num cenário menos agudo da pandemia, percebemos uma queda ainda bastante significativa. Para o comércio o mercado de trabalho tem um peso enorme na capacidade de receitas. Quanto mais profunda for a crise do emprego, maior tende a ser a dificuldade do varejo em se recuperar.
Quais os principais anseios e medos dos empresários dos setores em que a CNC atua?
A principal preocupação do empresário hoje é com relação à extensão da pandemia. Por mais que tenhamos implementado um início de um processo de flexibilização, o nível de atividade econômica é muito baixo se comparado com aquele anterior a pandemia. Outra preocupação importante se refere ao socorro que o Governo tem dado as empresas. Algumas medidas foram bastante positivas, principalmente o Pronampe que disponibilizou 15,9 bilhões de reais para as micro e pequenas empresas, mas os recursos acabaram rápido.
O que dá uma ideia da necessidade ou do esforço que o Governo vai ter ainda por alguns bons meses para tentar evitar uma quebradeira. É bom lembrar que as micro e pequenas empresas são responsáveis por boa parte do emprego e da geração de riqueza na economia. Se essas empresas quebram ou passam por dificuldade, isso acaba reverberando mesmo depois da pandemia com efeitos negativos sobre a atividade econômica. As principais preocupações são essas, basicamente a extensão da pandemia e em que medidas as ações já anunciadas pelo Governo serão estendidas para tentar oxigenar um pouco mais as empresas pelo menos daqui até o final do ano.
A recuperação será lenta e dolorosa em sua visão?
A recuperação na realidade está sendo bastante lenta, mesmo com esse processo de reabertura da economia. O desempenho, por exemplo, das vendas do varejo ainda é muito aquém daquele observado no começo do ano. Portanto, temos um termômetro da dificuldade que a economia vai ter não só no Brasil, mas no mundo todo em retomar o nível de crescimento e geração de riqueza observada na pré-pandemia. Se confirmadas as expectativas para o PIB nos próximos anos, inclusive 2020, o Brasil só consegue retomar o nível de atividade pré-pandemia no início de 2023, porque o PIB deve cair mais de 6% este ano, já que é a expectativa média do mercado. Para os próximos anos teremos um crescimento em torno de 2% ou talvez 3%. Tanto 2021 quanto em 2022, anunciam que teremos uma surpresa muito positiva. Vamos estar operando com o nível de atividade econômica abaixo daquela que tínhamos antes de todo esse problema da Covid-19 começar.
Como a aceleração digital poderá aliviar os setores de comércio de bens, serviços e turismo?
Esse processo de digitalização da economia, mas especificamente do consumo e avanço do e-commerce, ganhou bastante força e se acelerou ao longo da pandemia. Só para termos uma ideia, o e-commerce no mês de junho deste ano, apresentou um crescimento de mais de 70% em relação ao mesmo período do ano passado. Isso teve um impacto positivo no comércio, na medida em que o auge das perdas do setor que havia sido registrado no final de março (na última semana de março o varejo perdeu 23 bilhões de reais em vendas), vem se reduzindo ao longo dessa pandemia. No início de julho, por exemplo, essas perdas semanais do varejo já estavam na casa de 8 bilhões de reais. São dados negativos, mas são perdas menores.
Claro que o e-commerce por si só não tem capacidade ainda de compensar a queda no volume de vendas das lojas físicas, mas de qualquer forma, contribuiu sim para que as perdas fossem menores. Outro fator que contribuiu, foi o menor isolamento social, seja voluntário por parte dos consumidores que optaram por não seguir rigorosamente o isolamento social a partir de abril, quer seja pelo processo de reabertura da economia em algumas regiões do país. O que se percebe hoje é que de fato o isolamento social se encontra num nível bem menor do que no final de março e com isso o varejo acaba sentindo alguns efeitos positivos no curto prazo. É bom lembrar que para o comércio, a venda presencial ainda é a modalidade mais importante para a geração de receitas.
Última atualização da matéria foi há 2 anos
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