E se a Venezuela for atacada pelos EUA?
Donald Trump voltou a fazer o que faz de melhor: ameaçar o mundo com frases performáticas ditas como se fossem manchetes prontas para uma futura autobiografia. Durante reunião de gabinete, o presidente norte-americano afirmou que ataques por terra à Venezuela podem ocorrer “muito em breve”, anexando, como sempre, um pacote completo de justificativas moralmente infladas — “narcoterrorismo”, “assassinos”, “traficantes” e outras expressões de manual para quem quer transformar decisão geopolítica em peça de propaganda interna. Não é novidade: os Estados Unidos adoram vestir o manto do “xerife ocidental” quando precisam convencer seu eleitorado de que a barbárie está logo ali, do outro lado da fronteira, e que apenas a intervenção militar evitará que o american dream seja intoxicado por comprimidos que matam em 60 segundos. Dramático, plástico e eleitoral.
É curioso notar que, na retórica trumpista, a Venezuela funciona como um Brasil distorcido em filme trash: caos político, território fértil para narrativas criminalizantes, petróleo jorrando e líderes apresentados como vilões de novela. O discurso sobre narcoterrorismo é, portanto, menos uma descrição objetiva de redes criminosas e mais uma moldura conveniente para validar intervenções “transnacionais sem autorização multilateral” — uma expressão elegante para “vamos fazer e pronto”. A classificação do suposto cartel de Los Soles como organização terrorista internacional é o cheque em branco jurídico que Washington precisava para brincar de império sem pedir bênção à ONU.
“Se Trump realmente ordenar ataques terrestres, será a primeira grande operação militar direta dos EUA na América Latina no século XXI — algo que remontaria aos tempos de invasões no Caribe. Mas estamos num mundo muito mais conectado, com Rússia, China e Irã observando aquilo que sempre viram na região: oportunidade.”
O timing também não é aleatório. Os Estados Unidos intensificaram movimentação militar no Caribe e em pontos estratégicos da América Latina, enquanto Trump anuncia, com naturalidade de vendedor de carros, que ataques terrestres eliminariam traficantes, assassinos e “toda essa gente horrível” que, curiosamente, sempre coincide com adversários geopolíticos. O detalhe é que a retórica “vamos atacar e salvar nossos filhos” oferece à população americana o remédio emocional que ela pede — medo controlado. Nada como um inimigo externo para mascarar crises internas.
A pergunta, portanto, não é se Trump acredita realmente nessa narrativa: mas se os EUA estão, de fato, dispostos a abrir uma frente militar direta na América do Sul — e, mais importante, com que consequências políticas, energéticas e econômicas para o continente.
O petróleo, o Brasil e os preços que mandam no mundo
Sejamos pragmáticos: ninguém faz guerra por comprimidos, faz por combustível. A Venezuela, apesar de sua ruína institucional, continua sendo uma das maiores reservas de petróleo do planeta. Washington sabe, o mundo sabe, e Maduro sabe muito bem que seu maior escudo não é ideológico, mas geológico. Quando se fala em “derrubar cartéis”, muitas vezes se está apenas reorganizando o leilão.
Em caso de ataque, o preço do barril dispararia, porque mercados financeiros reagem a conflito com o fervor de um hipocondríaco diante de dor de cabeça. Os EUA até tolerariam o choque inicial — são grandes produtores e controlam parte relevante do jogo. Mas o resto do planeta sentiria a pancada: Europa, Ásia e, especialmente, países emergentes dependentes de importação. Advinhe quem está nessa lista? O Brasil.
O papel brasileiro é delicado. As relações entre Brasília e Caracas são uma dança irregular, alternando momentos de pragmatismo comercial e crises diplomaticamente performáticas. Mas enfrentar uma intervenção americana no quintal é o tipo de evento que coloca qualquer governo latino-americano diante de dilemas indigestos:
Aproximar-se de Trump e aceitar o papel de coadjuvante disciplinado?
Defender a soberania regional e arriscar retaliação econômica?
Fingir neutralidade enquanto negocia preços e rotas com todos os lados?
Historicamente, o Brasil sempre escolheu a terceira opção, mas as circunstâncias de 2025 podem pressionar por maior posicionamento — especialmente com Petrobras, pré-sal e inflação como bombas relógio. Subida no barril é aumento direto no frete, na comida, no gás, e, por tabela, no humor nacional. Nada mais inflamável que combustível e eleitorado.
E no plano geopolítico, o Brasil poderia ser atraído para acordos de cooperação militar e inteligência, não para “salvar a democracia venezuelana”, mas para garantir que a transição de poder, se houver, não entregue o petróleo venezuelano exclusivamente ao capital americano. Em geopolítica, ninguém chora pela liberdade alheia; chora pelo barril.
Se Trump realmente ordenar ataques terrestres, será a primeira grande operação militar direta dos EUA na América Latina no século XXI — algo que remontaria aos tempos de invasões no Caribe. Mas estamos num mundo muito mais conectado, com Rússia, China e Irã observando aquilo que sempre viram na região: oportunidade.
A Venezuela não é Ucrânia, mas é fronteira energética, e quem mexe com petróleo mexe com potências. Nesse cenário, o risco não é apenas a queda de Maduro: é a elevação do jogo para níveis imprevisíveis.
É irônico que Trump fale em “viver sem medo”. Ataques, sanções e deslocamentos militares sempre produzem mais medo — especialmente longe das fronteiras americanas. A América Latina sabe disso desde muito antes de existir Netflix.
Se a Venezuela for atacada — e isso é plausível, ainda que não inevitável — o mundo tremelica não porque Caracas importa muito, mas porque o petróleo dela importa demais. E enquanto os EUA brincarem de herói armado e a Venezuela insistir em sua distopia autoritária, quem vai pagar a conta seremos nós, com gasolina cara, alimentos mais caros e políticos dizendo que “não é culpa nossa”.

O século XXI tem sido governado por quem controla a narrativa e o barril. Trump descobriu que dá para misturar os dois. O problema é quando a piada vira guerra — e, como sempre, sobra para quem nem riu.
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