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Eugênio Mohallem analisa as novas mídias

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Considerado um dos principais redatores publicitários do país em todos os tempos, Eugênio Mohallem trabalhou em agências como DM9DDB, Talent e AlmapBBDO onde por quatro anos, dividiu a direção de criação com Marcello Serpa. Foi presidente e diretor de criação da Mohallem/Artplan de julho de 2009 a agosto de 2011. Foi redator sênior na agência Africa de janeiro a agosto de 2012. Desde novembro de 2012, é diretor de criação da agência Y&R. Com mais de 350 peças premiadas, é um dos redatores mais reconhecidos de toda a história do Clube de Criação de São Paulo. Entre seus trabalhos mais destacados, estão campanhas para Havaianas, Bayer, Mizuno, Apple, Folha, Estadão, Veja, Pepsi, Sharp e Valisére. Recebeu nove leões no Festival de Cannes, além de diversas premiações no Fiap, Art Directors, One Show e Clio Awards. Foi eleito o profissional do ano 2000 pela Associação dos Profissionais de Propaganda (APP Brasil). Venceu duas vezes o Prêmio Caboré, na categoria profissional de criação do ano. Em 2004, lançou o livro de citações “Razões para Bater num Sujeito de Óculos”, da editora Planeta, além de ter escrito o famoso “O Manual do Estagiário”. “Meu conselho às famosas velhinhas investidoras de Illinois: não comprem ações de agência de propaganda com base em sua premiação em festivais. Grandes performances em Cannes não significam que a agência reproduza, para seus clientes, a mesma ousadia.”

Eugênio, como é ser considerado pelo meio publicitário a grande referência nacional, quando se fala em redação publicitária?

É esquisito. Quando comecei, elegi minhas referências — Sylvio Lima, Olivetto, Guanaes, Luiz Toledo, Rui Lindenberg — e simplesmente tentei fazer tão legal quanto eles. A partir de um certo momento, passei a frequentar listas de referências alheias. Ofereço aqui uma hipótese: enquanto desenvolvia um estilo próprio, certamente pirateei características dos redatores acima. Daí, talvez alguns prefiram me usar como referência a ter que estudar o trabalho de 5.

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Você diz que começou a escrever desde o ginásio, pois, o professor de Português na época estimulava e premiava as melhores redações. O quanto este estímulo foi primordial, para a carreira que lhe consagrou?

Foi decisivo. Não tinha o costume de escrever. Gostava é de desenhar. Valeu, Professor Chico!

Na época em que você define que era o criativo-empresário na sua empresa Mohallem/Artplan, disse que teve alegrias, mas também muita encheção de saco e engolição de sapo. Poderia nos dizer qual foi a maior alegria dessa época e a maior encheção de saco que fez você voltar às origens?

Meu período criativo-empresário durou 10 anos e 3 agências: Fallon São Paulo, MohallemMeirelles e Mohallem/Artplan. A maior parte das alegrias se deu nas duas primeiras, enquanto a última concentrou as encheções — não obstante, minha amizade e admiração pelo Rodolfo Medina.

Engolição de sapo foram as famigeradas concorrências. É uma luta ser convidado para alguma, mas é preciso ser firme para recusar as que não combinam conosco. Só que o sócio capitalista de uma agência nova, compreensivelmente, fica ansioso para ver o retorno de seu investimento, e a tendência é ele pressionar para que entremos em todas.

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Cedi e entrei em muitas roubadas — e não apenas no sentido figurado: houve uma em que a melhor campanha foi nossa, a segunda melhor também foi nossa — palavras do cliente — mas a conta foi para outra agência. Em outra, fomos uma das duas finalistas, daí o cliente sumiu por um mês e reapareceu com a conta entregue a uma obscura agência do Nordeste. Entrou em falência depois o pilantra, bem feito. Mas a mais absurda foi a de uma concessionária de estradas. Na primeira fase, os finalistas foram Talent, Publicis e nós. Na segunda fase, venceu… uma quarta agência que nem estava na primeira fase. Caiu de paraquedas, saltando do jatinho sabe-se lá de quem.

Alegrias: os talentos que ajudei a formar. Em sua grande maioria, estão hoje nas melhores agências.

Mas sem dúvida meu maior orgulho daquela fase é que vários anunciantes tiveram seu auge publicitário, seu momento de maior repercussão e popularidade enquanto estiveram aos meus cuidados: United, Citibank, Syngenta, Carta Capital, Lar Center, Center Norte e Kia, entre outros. Ou seja, abrir agências pode não ter sido um grande negócio para mim – mas foi para quem confiou em nós.

Por que você acredita que o mercado publicitário está chato e deturpado atualmente?

Meu conselho às famosas velhinhas investidoras de Illinois: não comprem ações de agência de propaganda com base em sua premiação em festivais. Grandes performances em Cannes não significam que a agência reproduza, para seus clientes, a mesma ousadia, a mesma criatividade. Algumas porque não saberiam como, outras porque sequer tentam. O modus operandi destas agências é o seguinte: de um lado, subserviência ao cliente. Fazem logo o que ele quer, para veicular e faturar rapidinho. Do outro, posam de criativas, acumulando prêmios via peças fajutas ou “criações” que nada têm a ver com publicidade. Estas agências equacionaram o binômio faturamento/criatividade do jeito mais cômodo possível.

Isso me incomoda, mas não porque tais agências estejam se passando por melhores do que são. Isto é problema delas, de seus clientes, prospects e acionistas. O que preocupa é que esta prática está destruindo a propaganda verdadeira que colocamos no ar, atrofiando nossa capacidade criativa, desnacionalizando nosso discurso publicitário e comprometendo as próximas gerações de profissionais.

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A prática do anúncio-fantasma surgiu há décadas, como válvula de escape para frustrações do criativo no dia a dia. Mas sua vazão está tão grande que está murchando o pneu. A possibilidade de “brilhar” através de ideias que não sofrem a interferência de clientes faz com que criativos desistam mais facilmente de brigar pelas ideias reais.

A criação costumava ser o departamento mais aguerrido quando se tratava de confrontar um anunciante. Dizer que ele está enganado, que há um jeito melhor. Mas, com sua desmobilização, toda a agência se desarticula e se atrofia na grande arte que é o convencimento e aprovação de uma ideia.

Alguns clientes realmente são malas sem alça e sem critério, mas também são o grilo falante que nos traz de volta à realidade quando nos descolamos demais: “Mocinho, sua ideia, além de ótima, tem que resolver o meu problema, dentro da minha verba, no prazo que temos — e eu ainda tenho que gostar”. O cliente é o peso nos halteres que nos faz ficar fortes e musculosos.

Mas quando se trata de uma peça-fantasma, o único cliente é o ego. Vale qualquer coisa. Não precisa nem ser propaganda, pode ser um par de meias que mede o grau de chulé e publica no Facebook — ninguém confere a plaquinha do troféu. E, principalmente, a ideia-fantasma não nasce como solução criativa a um problema mercadológico.

Competições são benéficas quando, por seus extremos, elevam o nível da atividade, na prática. A Fórmula 1, no afã de ganhar milésimos de segundos, nos deu o freio ABS, o turbo, a recuperação da energia de frenagem. Mas o que nos dá o Festival de Cannes? De tão artificial, não vale como treinamento, não vale como avaliação de agência – e nem está mais garantindo fama, dinheiro e sucesso para seus laureados.

Outro efeito deletério da obsessão festivaleira é a desnacionalização da nossa linguagem publicitária: como Cannes premia mais as ideias visuais e universais, perde-se o interesse – e consequentemente a habilidade — para ferramentas muito típicas da nossa publicidade: a oralidade, o diálogo, o título esperto, a crítica de costumes locais, a prosa leve, a despretensão.

As próximas gerações entram nas agências e, ao encontrar este ambiente, acham que isto é propaganda: anúncios para anunciantes que não anunciam, ações pseudo bom-mocistas para proteger o mico-leão bronzeado, videocases sobre o nada. Irrealidade e irrelevância.

O resultado é a lenta, mas inexorável depauperação do que exibimos em todas as mídias: celebridades risonhas declamando briefings na tv, slogans vergonhosamente locutados em inglês, marcas d’água em profusão, soporíferos planejamentos filmados, anúncios avarejados, sem inteligência, humor ou simpatia.

Não poso de santo: já inscrevi fantasmas e fui premiado por eles. Entendo perfeitamente a compulsão que um criativo tem para dar vida e corpo a uma ideia, assim como fez o pai desesperado de Pet Sematary [nota do editor: romance de terror escrito pelo norte-americano Stephen King, considerado um dos melhores do autor. Foi escrito em 1983 sendo transposto para o cinema em 1989]. Mas, assim como o personagem de Stephen King criamos um monstro.

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Fala-se muito em novas mídias (que você considera nem tão novas assim) e outros termos. A sua visão para as chamadas novas mídias não é nada animadora, já que comparou com o ventilador sem pás da Dyson: fazem muito vento, mas não têm nada no meio. Por que esses meios não te convencem como formato publicitário?

Eu exagero propositadamente no tom, para fazer o contraponto aos deslumbrados por elas. Nada contra novas mídias. Apenas acho que nenhuma deve ser escolhida por estar na moda, e sim por ter a capacidade de alcançar nosso consumidor potencial e entregar a nossa mensagem a ele.

Mas as novas mídias vêm sendo superestimadas, e quase sempre pelos motivos errados: o gerente de marketing cobra da agência “projetos de diferenciados” para se mostrar antenado e aumentar sua empregabilidade. O dono da empresa quer um viral, na expectativa de não gastar com veiculação. E a agência se diz sintonizada com tudo isso com medo de ser vista como ultrapassada.

Só que vejo pouca gente se perguntando se aqueles pre-rolls invasivos e outras tralhas vão atingir quem queremos. Não só atingir, mas convencer.

A credibilidade da internet é quase zero, pelo menos para os que conseguem amarrar os próprios sapatos. Todo anunciante, grande ou pequeno, sério ou picareta, tem o mesmo tamanho ali: o da tela do monitor. É um bom lugar para concretizar vendas com os já convertidos, mas praticamente inútil para construir reputações. Venho defendendo este ponto há algum tempo, e me surpreendi com a recente entrevista à Folha do Chairman Mundial da Ogilvy & Mather, Miles Young, que declarou praticamente a mesma coisa: não se conhece um único case de sucesso de Construção de Marca via internet.

Você é bastante crítico com relação aos cursos de comunicação e propaganda oferecidos em nosso país. Qual o caminho que você recomenda para o profissional que quer atuar nessa área?

Sou mais cri-cri com os cursos e escolinhas de criação do que com as faculdades de comunicação tradicionais. Se estas pecam pelo academicismo desconectado do dia a dia, as tais escolinhas exageram no pragmatismo: percebendo a febre por prêmios internacionais, modulam os alunos para só pensarem no formato “Cannes”. Os reais fundamentos da profissão são colocados em segundo plano ou esquecidos, a julgar pelos portfólios que tenho recebido. São portfólios lotados de “abrace árvore”, “leve seu cachorro para passear”, mas quase nada de argumentação pró produto ou marca. Portfólios em que panacas se auto-intitulam “copywriters”. Pretendem tirar o sustento da Língua Portuguesa e se dizem “copywriters?” Vão procurar emprego nas Malvinas, então.

Por que a publicidade mente menos do que o jornalismo?

A relação da publicidade com o público é mais transparente: as pessoas sabem que somos pagos para elogiar e incentivar o uso de determinado produto. E, quer saber? Não mentimos sobre o que anunciamos, apenas exaltamos o que ele tem de mais competitivo. O jornalismo, ao contrário, costuma posar de defensor da verdade, de vestal, mas muitas vezes esconde interesses econômicos, ideológicos ou político-partidários gigantescos. Nós seduzimos o consumidor. O jornalismo, salvo exceções, manipula.

Você afirma que o foco dos publicitários, principalmente dos jovens, deve ser a mídia de massa. Acredita que teremos alguma mudança, no modo como são realizadas as propagandas no maior veículo de massa do país que é a televisão?

O que sugiro a eles é que tentem ser relevantes para o anunciante e agência. Que tenham ideias que movimentem a economia, construam marcas, favoreçam uma visita ao showroom, a um agendamento de test-drive. E acho que isto é mais factível de ser obtido via mídias verdadeiramente de massa, como TV, revista e jornal.

Formatos bem ao gosto dos moderninhos, como as famigeradas “ações” e “experiências”, realizadas em calçadas, mictórios e restaurantes para três gatos-pingados assistirem, não são propaganda de massa. Mesmo que os videocases que as registraram bombem no Youtube e rendam centimetragem grátis nos veículos de comunicação tradicionais, ainda assim não teremos nenhuma certeza de que ela repercutiu perante o perfil de consumidor que precisamos. E, mesmo que tudo dê certo, ainda assim não terá sido uma peça de propaganda, mas um estopim, um factóide deflagrador de uma campanha de relações públicas. Que é outra profissão.

O Brasil é um país muito peculiar, onde praticamente se atinge a maior parte das classes A e B com um único título de revista semanal. Onde um único telejornal fala com dezenas de milhões de pessoas das classes B, C e D, 6 dias por semana. Que os finlandeses se preocupem com as novas mídias.

A sua visão sobre os fatos de modo geral é bastante ácida. Isso já lhe trouxe problemas alguma vez?

Depois que se coloca o nome de familia na porta de uma agência, como já fiz, perde-se o direito de ser omisso, de não se colocar. É um caminho sem volta, que pode mesmo me trazer problemas na condição de neoempregado. Já estraguei o café da manhã de um patrão, ao sugerir que o produto criativo da agência era uma merda. Ele não recebeu aquilo exatamente como uma crítica bem intencionada, e não durei muito na folha de pagamento.

Mas aqui na Young & Rubicam jamais fui censurado ou admoestado por expressar a minha opinião. É um ambiente de liberdade intelectual.

Ando meio bocudo sim, mas não sou ácido. Sou reativo. Segundo meus parcos conhecimentos de química, combate-se acidez com substâncias básicas. E é justamente isso que estou sentindo falta na nossa propaganda: o básico bem feito. Bons filmes, bons anúncios, bons spots. Big idea, o cacete: precisamos é de milhares de small reasonable ideas [algo como um número de pequenas ideias que sejam no mínimo razoáveis] abarrotando as mídias, para recondicionar o consumidor a prestar atenção em nós.

Não faz muito tempo, o brasileiro esperava encontrar propaganda boa nos intervalos dos comerciais, nas páginas das revistas, nos jornais, nos outdoors. Criamos esta expectativa no país através de criatividade continuada, insistente, perene, onipresente. Sabe o valor disso? Um público ansioso para assistir sua propaganda? Imagine o quanto algo assim não aumenta a eficácia da comunicação.

E hoje? Você realmente espera abrir a Veja e encontrar um anúncio inteligente ali? Um anúncio de oportunidade esperto no jornal? Um outdoor divertido?

Jogamos fora o maior ativo da propaganda brasileira, que não é a criativosidade bissexta e irrelevante dos festivais, mas a que era persistente nas mídias reais e que formava um público cativo.

Eugênio, você é um profissional extremamente reconhecido e que chegou ao topo de sua carreira. Como faz para não se acomodar nos louros (sem dúvida merecidos) das conquistas?

Alguma acomodação é inevitável. Até por experiência e instinto, tendemos a ficar mais na banheira em vez de correr o campo todo. Mas vamos parando por aqui. Já falei demais, já fiz até duas metáforas futebolísticas. Eu odeio futebol.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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