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O vale tudo trumpista por Bolsonaro

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Para variar, Donald Trump resolveu meter o bedelho nos assuntos brasileiros. O relatório do Departamento de Estado dos EUA, divulgado anteontem, é o prato do dia para quem gosta de política temperada com ironia e interesses cruzados. Assinado pelo governo republicano de Trump, o documento ataca Lula, Alexandre de Moraes e, de quebra, defende indiretamente Jair Bolsonaro e seus aliados — aqueles mesmos que andam às voltas com processos por tentativa de golpe de Estado. Nada mal para quem se diz guardião da “democracia ocidental” mas, na prática, molda o discurso de direitos humanos como se fosse massinha infantil, adaptando-o ao sabor da conveniência.

O texto norte-americano é um festival de seletividade. De um lado, aponta o dedo para Brasília acusando o Governo Lula de “minar o debate democrático” e restringir conteúdo online — com ênfase em postagens bolsonaristas — em processos “secretos” e sem “garantias do devido processo legal”. De outro, praticamente fecha os olhos para o que acontece no quintal de seus aliados, como El Salvador, governado por Nayib Bukele, que acaba de aprovar a reeleição ilimitada. Lá, segundo o mesmo relatório, não há “abusos significativos de direitos humanos”. A incoerência é tão grande que dá para ver daqui sem precisar de binóculos.

“Ao fim e ao cabo, o relatório escancara como o conceito de “direitos humanos” é moldável ao sabor das conveniências geopolíticas.”

O que Trump está fazendo, na essência, é tentar reescrever a narrativa sobre Bolsonaro, pintando-o como vítima de perseguição política. Essa operação de imagem tem mais camadas do que uma cebola, mas o objetivo é cristalino: se o ex-presidente brasileiro for reabilitado perante parte da opinião pública internacional, ele vira peça útil para a expansão de um bloco político conservador-reacionário no continente, uma espécie de “OTAN da direita” patrocinada por Washington versão MAGA. É claro que não se trata de caridade ideológica — o cálculo é puramente estratégico.

Além disso, há o jogo interno. Trump quer vender para seu eleitorado que sua política externa é destemida, anti-“woke” e que não poupa críticas a governos de esquerda, especialmente na América Latina. O Brasil, com seu tamanho, peso econômico e a polarização que atravessa, é vitrine perfeita.

O duplo padrão e a diplomacia de conveniência

O mais curioso é que o discurso de “liberdade de expressão” defendido no relatório evapora quando o assunto é o próprio quintal trumpista. Na prática, a defesa é seletiva: se o discurso favorece um aliado, é liberdade; se ameaça a narrativa central, é “fake news” ou “propaganda inimiga”. É a velha arte de usar os princípios democráticos como arma tática e não como valor universal.

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Trump também joga com um público que tem saudades de uma política externa que, no imaginário conservador, “não se ajoelha” diante de ninguém. Criticar Lula e Moraes serve como demonstração de força, mas é também um recado para os demais líderes latino-americanos: alinhem-se ou preparem-se para serem tratados como párias. Nesse contexto, a indulgência com Bukele deixa de ser contradição e vira recompensa pela obediência.

Ao fim e ao cabo, o relatório escancara como o conceito de “direitos humanos” é moldável ao sabor das conveniências geopolíticas. A prisão de apoiadores de Bolsonaro é apresentada como prova de autoritarismo do Governo Lula, mas a perpetuação no poder em El Salvador passa como se fosse reforma administrativa. É o “vale tudo” na diplomacia, onde a coerência é só um detalhe estético.

Donald Trump resolveu meter a colher nos assuntos brasileiros novamente (Foto: Wiki)
Donald Trump resolveu meter a colher nos assuntos brasileiros novamente (Foto: Wiki)

E se há quem veja nisso um gesto de solidariedade com o Brasil, é bom lembrar que o interesse de Trump por Bolsonaro não é fraterno — é utilitário. Trata-se de um investimento político na esperança de que, caso Bolsonaro volte a ter relevância eleitoral, ele reforce um eixo conservador continental, funcionando como caixa de ressonância do trumpismo nos trópicos. O que sobra para o Brasil, nesse cenário, é a incômoda constatação de que somos palco de uma disputa que, muitas vezes, não é nossa — mas cujas consequências sempre nos atingem.


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