Como é feio ser um entreguista…
Pense num vexame transcontinental. Agora acrescente a ele pitadas de idolatria geopolítica mal digerida, patriotismo de aluguel e uma retórica que mistura pânico de mercado com um fetiche pela bomba atômica. Pois bem, eis o resumo do mais novo episódio protagonizado por Eduardo Bolsonaro, deputado Federal licenciado e ativista full time da cartilha trumpista. Ontem, em plena escalada de tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos, ele escreveu no X (o antigo Twitter): “Não. Presidente @realDonaldTrump não jogou uma bomba nuclear no Brasil – ainda.” Um gracejo, dirão alguns. Um alerta, defenderão outros. Mas, na verdade, trata-se de uma confissão involuntária: há quem veja a submissão nacional como virtude e a soberania como obstáculo.
O comentário foi postado enquanto o comentarista Paulo Figueiredo – neto de ditador e herdeiro de teorias conspiratórias – alertava para a possibilidade de sanções mais duras por parte dos Estados Unidos. Ele mencionou o risco real de punições ao mercado financeiro brasileiro, caso o país não se submeta ao “arsenal” comercial de Donald Trump. Segundo ele, o atual ocupante da Casa Branca não teria pudores em aplicar sanções semelhantes às impostas a países que ousaram contrariar os interesses de Washington. Tudo isso, claro, sob o aplauso de certos brasileiros que, ao menor sinal de confronto com os EUA, já começam a rezar em inglês.
“E o que faz a ala bolsonarista diante desse cenário? Celebra. Em vez de indignação com a tarifa abusiva, há júbilo com a punição ao “inimigo interno”. A lógica é simples e aterradora: se for contra o Governo Lula, então está valendo – mesmo que isso custe bilhões em exportações, empregos e credibilidade internacional.”
Mais grave ainda foi a revelação de que Eduardo Bolsonaro assumiu, com orgulho, fazer lobby em Washington para que Trump adotasse tais sanções contra o Brasil. Ou seja: estamos diante de um parlamentar brasileiro que atua como se fosse um agente informal de uma potência estrangeira, empenhado em prejudicar deliberadamente o país do qual deveria ser defensor. O lobby, que ele diz realizar desde o começo do ano, teria sido bem-sucedido. Na semana passada, Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, alegando “tratamento injusto” ao ex-presidente Jair Bolsonaro e um desequilíbrio comercial com o Brasil. A desculpa é tão frágil quanto transparente: trata-se de um revanchismo eleitoral travestido de diplomacia.
E o que faz a ala bolsonarista diante desse cenário? Celebra. Em vez de indignação com a tarifa abusiva, há júbilo com a punição ao “inimigo interno”. A lógica é simples e aterradora: se for contra o Governo Lula, então está valendo – mesmo que isso custe bilhões em exportações, empregos e credibilidade internacional. Essa é a nova cartilha do entreguismo 2.0: o que interessa não é o Brasil, mas o projeto pessoal de poder, mesmo que ele dependa da tutela de um governo estrangeiro com vocação imperial.
A subserviência como programa político
O entreguismo, historicamente, nunca foi bonito. Mas no século XXI ele ganhou uma estética de rede social, com memes e ironias rasteiras. Há um prazer quase pueril em ver o país rebaixado diante de uma potência, como se a humilhação tivesse algo de redentor. O mais impressionante é o paradoxo: os mesmos que gritam por soberania nacional contra qualquer cooperação com a China, Rússia ou Mercosul, se ajoelham sem pudor diante de um Trump punitivo e rancoroso. É o velho complexo de vira-lata em sua versão digital e armada.
O que está em jogo vai muito além de uma tarifa comercial. Estamos assistindo à normalização de uma política externa que troca a dignidade por likes e a estratégia nacional por afinidade ideológica. Trata-se de uma diplomacia de Instagram, na qual a imagem pessoal vale mais que os interesses do país. A ironia, claro, é que os bolsonaristas sempre acusaram os Governos petistas de se alinharem a ditaduras. Agora, assistimos a esse mesmo grupo militando por sanções econômicas e, veja só, falando em bombas nucleares como se fosse um recurso legítimo de persuasão. De onde vem tanto servilismo?

O Brasil está tentando se firmar como uma liderança responsável, mediando conflitos regionais, buscando ampliação de acordos comerciais com a União Europeia e tentando recuperar sua indústria nacional. Nesse contexto, a atitude de Eduardo Bolsonaro e seu entorno é não só irresponsável, mas sabota diretamente a política externa brasileira. Pior: sinaliza ao mundo que há brasileiros no alto escalão dispostos a trair os próprios interesses nacionais para agradar a uma figura estrangeira.
Esse tipo de comportamento deveria causar escândalo. Mas, na era do cinismo e da polarização, o que se vê é a tentativa de transformar o absurdo em normal. É normal pedir sanções ao seu próprio país? É aceitável comemorar que o Brasil será punido por defender sua soberania? É admissível sugerir que uma bomba nuclear seja uma eventualidade tolerável? Tudo isso dito por alguém que ocupa (ou ocupava) uma cadeira no Parlamento.
A pergunta que não quer calar é: até onde vai essa dependência simbólica dos Estados Unidos? Que tipo de nacionalismo é esse que vibra com o enfraquecimento da nação? Quando a política vira fanatismo, e o patriotismo vira torcida por intervenção estrangeira, é sinal de que perdemos o rumo – e talvez a vergonha.

Porque, no fundo, como é feio ser um entreguista. Especialmente quando se ri disso.
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