Operação Penha e Alemão: isso resolverá?
A madrugada carioca foi rasgada por tiros, explosões e o velho roteiro que o Rio conhece de cor: helicópteros sobrevoando os morros, blindados entrando em becos estreitos e moradores se jogando no chão para escapar do fogo cruzado. Assim começou a chamada Operação Contenção, uma megaoperação que mobilizou cerca de 2.500 agentes nos complexos da Penha e do Alemão, sob a justificativa de “conter o avanço” do Comando Vermelho. O saldo, até agora, é trágico: mais de 100 mortos, dezenas de feridos, 75 fuzis apreendidos, quatro policiais tombados e uma cidade inteira paralisada pelo medo. Mas o que há de novo nisso tudo? Quase nada.
O governo estadual vende a narrativa de um grande feito contra o “narcoterrorismo”. A palavra é forte, rende manchetes e dá ares de cruzada moral. Mas, por trás do discurso heroico, ecoa a velha política de espetáculo: operações cinematográficas que começam com promessas de libertação e terminam com corpos sendo carregados por moradores, sem ambulâncias, sem bombeiros, sem Estado. O governador Cláudio Castro, com seu já conhecido discurso de “lei e ordem”, comemora como se estivesse vencendo uma guerra, quando, na verdade, parece apenas alimentá-la.
“A “Operação Contenção” talvez contenha o fuzil de um criminoso hoje, mas não conterá a próxima geração de jovens sem escola, sem emprego e sem horizonte. O verdadeiro “comando vermelho” é o da desigualdade — e esse não se desmonta com tiros, mas com política pública. O Rio continua exportando uma estética da tragédia: blindados desfilando em vielas, políticos discursando em coletivas e moradores enterrando seus mortos sem respostas.”
As imagens de corpos amontoados na Praça São Lucas e de moradores improvisando macas com lençóis são o retrato fiel da falência pública. Os mortos, muitos ainda sem identificação, estão sendo disputados por versões: de um lado, o governo falando em traficantes fortemente armados; do outro, familiares e vizinhos dizendo que havia inocentes entre eles. No meio, o silêncio sepulcral de uma cidade que naturalizou o horror. É como se o Rio tivesse se acostumado a acordar com a contagem de mortos como quem checa o boletim do tempo.

A operação, que já é considerada a mais letal da história do país — superando o Massacre do Carandiru —, deixa uma ferida profunda e uma pergunta ainda sem resposta: afinal, o que se ganha com tanto sangue? A sensação é que o Estado volta a confundir “controle territorial” com “vingança institucional”, e “política de segurança” com “ritual de extermínio”.
A repetição como estratégia de fracasso
Se há algo constante na segurança pública fluminense é a repetição. Desde os tempos da “pacificação”, o Rio coleciona planos que prometem libertar as comunidades do crime — e acabam por transformá-las em campos de guerra. Cada nova operação parece querer apagar a anterior à força de fuzil, como se a violência tivesse memória curta. E o resultado é previsível: morros devastados, escolas fechadas, comércio paralisado e uma população que vive entre o medo do tráfico e o medo da polícia.
O uso de drones por criminosos, lançando explosivos sobre os agentes, é um dado alarmante — e simbólico. Mostra que o poder paralelo não apenas sobreviveu às operações anteriores, mas se sofisticou. A resposta do Estado, porém, continua sendo a mesma de sempre: atacar de fora para dentro, como se fosse possível resolver o problema sem tocar nas raízes. Nenhum dos projetos sociais, educacionais ou de urbanização prometidos para os complexos do Alemão e da Penha saiu efetivamente do papel. A favela, no fim, segue sendo tratada como território inimigo.
Enquanto isso, o governador culpa o Governo Federal por não ceder blindados e Lula rebate dizendo que não houve pedido formal. A guerra, portanto, é também política — e, como em toda disputa institucional, quem perde é o povo. O Rio de Janeiro se tornou palco de um duelo de vaidades, onde cada lado mede palavras e munições conforme o cálculo eleitoral.
E quem lucra com esse teatro trágico? Os traficantes, sem dúvida. A cada incursão, eles se reorganizam, recuam e depois retomam os territórios, às vezes até com mais poder. O Estado, por outro lado, sai de cena quando as câmeras se apagam. O que resta é o luto, o medo e o eco dos tiros.
Os defensores das operações alegam que é preciso agir com força, pois, o crime tomou proporções incontroláveis. De fato, o avanço das facções é grave, e a omissão seria criminosa. Mas é preciso reconhecer: o modelo militarizado já se provou ineficaz. Não se vence uma guerra que se alimenta do próprio combate. É o velho círculo vicioso: cada invasão gera revolta, cada morte gera mais ódio, e o morro continua sendo o mesmo campo de exclusão de sempre.
A “Operação Contenção” talvez contenha o fuzil de um criminoso hoje, mas não conterá a próxima geração de jovens sem escola, sem emprego e sem horizonte. O verdadeiro “comando vermelho” é o da desigualdade — e esse não se desmonta com tiros, mas com política pública. O Rio continua exportando uma estética da tragédia: blindados desfilando em vielas, políticos discursando em coletivas e moradores enterrando seus mortos sem respostas.

Afinal, o que se quer conter? O crime — ou a consciência de que o Estado falhou? Enquanto a elite carioca volta do trabalho pelos túneis e os bairros nobres seguem intocados, o restante da cidade arde, literalmente. Não há operação capaz de resolver um problema que o próprio sistema insiste em fabricar. E, ao fim, talvez reste apenas a velha sensação de déjà vu: a de que o Rio, mais uma vez, matou seus filhos em nome da segurança.
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