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O Massacre do Carandiru em detalhes

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Em 2 de outubro de 1992, o Brasil conheceu um de seus episódios mais vergonhosos no trato com a população carcerária: o Massacre do Carandiru. Naquele dia, 111 presos foram mortos por policiais militares no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo. Trinta e três anos depois, o evento ainda nos assombra como uma ferida mal cicatrizada, exposta ao olhar da História e da Justiça — ou da ausência dela.

O massacre ocorreu após uma rebelião que começou por volta das 8h da manhã. A tensão entre facções rivais somava-se à superlotação crônica: a prisão, projetada para 3.250 presos, abrigava mais de 8.000. Como uma panela de pressão sem válvula, a violência explodiu. Às 14h, a Polícia Militar entrou com 300 homens e uma fúria desproporcional. Em pouco mais de meia hora, a carnificina se concretizou.

“Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) reverteu essa decisão e determinou novo julgamento. Um sopro de esperança para as famílias das vítimas, já envelhecidas e cansadas de esperar. Mas, como é costumeiro, nada de concreto se materializou até agora, agosto de 2025.”

Na versão oficial da época, os presos resistiram. Na versão da lógica e das imagens que vieram depois, o que houve foi um fuzilamento sistemático. Os detentos estavam desarmados. A maioria morreu com tiros à queima-roupa, alguns dentro de celas, outros tentando se render. A perícia mostrou que nenhum policial morreu — um dado que, por si só, já deveria ter sido suficiente para desmentir a narrativa do confronto.

O comandante da operação era o coronel Ubiratan Guimarães, depois eleito deputado estadual com a alcunha de “herói do Carandiru”. Em 2001, foi condenado a 632 anos de prisão, mas a sentença foi anulada três anos depois. Em 2006, foi assassinado em seu apartamento, num crime até hoje não resolvido. Justiça tardia, justiça poética ou apenas mais uma página de violência brasileira? Talvez tudo junto.

Do sangue à impunidade: uma tragédia institucionalizada

O caso se arrastou por décadas nos tribunais, como é praxe em crimes cometidos pelo Estado contra os invisíveis. Entre 2013 e 2014, 74 policiais foram condenados por homicídio, em júris que os responsabilizavam pela matança. Mas, em 2016, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou as condenações. A alegação: “impossibilidade de individualizar a conduta dos réus”. Traduzindo: matou-se tanto que ninguém sabe quem matou quem — então, todos saem ilesos.

Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) reverteu essa decisão e determinou novo julgamento. Um sopro de esperança para as famílias das vítimas, já envelhecidas e cansadas de esperar. Mas, como é costumeiro, nada de concreto se materializou até agora, agosto de 2025. As vítimas continuam sendo fichas estatísticas. Os culpados, figuras intocáveis ou aposentadas. O massacre virou um ponto morto no mapa da Justiça brasileira.

No plano simbólico, o Massacre do Carandiru expõe com nitidez uma estrutura punitivista racista e classista. Dos 111 mortos, mais de 90% eram jovens, negros e pobres. Nenhum tinha sentença definitiva. Eram presos provisórios — em outras palavras, nem condenados oficialmente eram. Estavam ali por roubo, furto, tráfico de pequena escala. Uma pena de morte informal foi aplicada a centenas de homens sem julgamento. Quem precisa de tribunal quando há fuzil sanitário?

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A população carcerária brasileira cresceu mais de 500% desde 1992. O Carandiru foi desativado em 2002 e parcialmente demolido. Em seu lugar, foi criado o Parque da Juventude. Um nome bonito. Um eufemismo arquitetônico. Um gesto de cosmética urbana que não apaga o sangue no chão. A memória, no entanto, resiste. Resistiu em livros, como o famoso Estação Carandiru, do médico Dráuzio Varella, que esteve lá como voluntário e testemunha. Resistiu no cinema, com o filme homônimo. E resiste, ainda hoje, na luta por justiça.

Por que o Estado matou? Porque pôde. Porque a opinião pública, à época, aplaudiu. Porque os “homens de bem” dormiram tranquilos naquela noite, achando que se eliminava o mal. Porque a polícia brasileira é treinada mais para guerrear do que para proteger. Porque as prisões seguem sendo depósitos humanos. E porque, no Brasil, quem está do lado de dentro da grade vale menos — menos do que um cachorro, para alguns.

Os 111 mortos não tiveram nome para o Estado. Mas eram filhos, irmãos, pais, maridos. Cometeram crimes, sim. Mas nenhum com pena de morte prevista na Constituição. O Carandiru é a face mais cruel do autoritarismo que ainda vive sob as vestes da democracia. Trinta e três anos depois, seguimos fingindo que é passado. Não é. É presente disfarçado de esquecimento. E é futuro, se nada for feito.

O corredor da Casa de Detenção com sangue da famosa e cruel chacina (Foto: Wiki)
O corredor da Casa de Detenção com sangue da famosa e cruel chacina (Foto: Wiki)

Relembrar o massacre não é revanchismo. É responsabilidade. É não permitir que a História seja escrita apenas pelos vencedores — e, no caso, pelos assassinos com farda e crachá.


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