Tarcísio e a anistia do indefensável
O julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal pelo enredo golpista de 8 de janeiro de 2023 não acontece em um vácuo político. Ele se desenrola em meio a articulações pesadas, discursos cuidadosos e movimentos ensaiados nos bastidores de Brasília. Entre os protagonistas dessa ópera tragicômica está Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, que tenta equilibrar sua ambição nacional com a herança incômoda de ser afilhado político do ex-presidente. O palco é amplo, a plateia é ruidosa, mas o texto da peça parece sempre o mesmo: a busca por um atalho jurídico que, sob o nome delicado de “anistia”, esconde um projeto de impunidade.
Tarcísio, que tem estilo de engenheiro meticuloso, prefere manter distância dos embates diretos com os ministros do STF. Não por respeito institucional — essa virtude anda em falta — mas por cálculo. Sabe que atacar frontalmente o tribunal seria um erro estratégico, capaz de associar seu rosto não apenas à sombra de Bolsonaro, mas também à radicalização sem filtro. Então veste a máscara do conciliador. Enquanto o Supremo se ocupa de julgar a trama golpista, ele circula por Brasília em busca de votos no Congresso para a chamada PEC da Anistia, vendida como remédio para a “pacificação nacional”.
“O que vemos, no entanto, é uma dança de cadeiras típica da política brasileira. Uns pedem pacificação, outros falam em justiça, mas no fundo todos miram 2026.”
Mas pacificação para quem? Para os que incendiaram prédios públicos, vandalizaram símbolos democráticos e sonharam alto com tanques nas ruas? A anistia não se desenha como gesto magnânimo de Estado, mas como um salvo-conduto seletivo, feito sob medida para apagar a biografia de quem brincou de golpe. Quando Tarcísio insiste que acredita na inocência de Bolsonaro e que “muita coisa não faz sentido” no processo, não está fazendo uma análise jurídica — está escrevendo seu próprio roteiro para 2026. É uma narrativa política, não uma defesa racional.
A ironia é que, no mesmo fôlego em que fala em pacificação, Tarcísio promete indulto presidencial a Bolsonaro como seu “primeiro ato” caso chegue ao Planalto. É um daqueles momentos em que o subconsciente do político fala mais alto que a retórica: não se trata de costurar unidade, mas de garantir blindagem. É como oferecer flores em uma mão e carregar uma chave de fenda na outra. O verniz da pacificação esconde a serralheria da conveniência.
O teatro da anistia
Chamemos as coisas pelo nome: a tal PEC da Anistia é um projeto de normalização da exceção. Seu truque é pintar de espírito republicano aquilo que é, em essência, uma tentativa de invalidar a responsabilização. Ao defender a proposta, Tarcísio se coloca como um dos arquitetos dessa maquiagem legislativa, uma posição que revela mais sobre sua estratégia eleitoral do que sobre convicções democráticas.

O que vemos, no entanto, é uma dança de cadeiras típica da política brasileira. Uns pedem pacificação, outros falam em justiça, mas no fundo todos miram 2026. Tarcísio sabe que para chegar competitivo à eleição presidencial precisa manter viva a chama do bolsonarismo sem parecer refém dele. Daí o malabarismo: defende a inocência de Bolsonaro, articula a anistia, mas evita comentar o julgamento em si. O silêncio calculado é também uma forma de fala.
O problema é que, ao abraçar a anistia, Tarcísio entrega sua própria contradição. Quer ser visto como gestor moderno, capaz de dialogar com empresários, tecnocratas e até com parte da elite cultural, mas aposta em um projeto que relativiza o crime contra a democracia. É como vender uma São Paulo de drones e Inteligência Artificial enquanto passa pano para quem tentou derrubar as instituições. O discurso da inovação não combina com a prática da conivência.

No fim, a anistia não pacifica nada. Ao contrário: cristaliza ressentimentos, alimenta a narrativa de que há dois pesos e duas medidas, e fragiliza a própria democracia que diz defender. É uma saída fácil, uma ponte mal construída que cedo ou tarde desmorona. Tarcísio, com seu jeitão de engenheiro, deveria saber que obras mal calculadas não resistem à primeira chuva.
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