Woody Allen: polêmicas e talento atemporal
Woody Allen é uma dessas figuras que atravessam décadas colecionando tanto aplausos quanto controvérsias. Aos 89 anos, o cineasta nova-iorquino se mantém como uma presença singular na história do cinema, tendo construído uma carreira que alia a inteligência do humor judaico a reflexões existenciais e neuroses urbanas. Mesmo quando é eclipsado por debates éticos sobre sua vida pessoal, seu trabalho permanece como referência estética e narrativa. Allen dirigiu mais de 50 filmes, escreveu peças, publicou livros e continua, ainda que em ritmo desacelerado, se dedicando à arte. O que fazer, então, com esse legado que fascina e incomoda ao mesmo tempo?
Nascido Allan Stewart Konigsberg, ele começou como roteirista de stand-up e redator de programas de televisão, antes de fazer sua estreia como diretor com What’s Up, Tiger Lily? (1966). Foi em Annie Hall (1977), no entanto, que consolidou seu estilo cinematográfico: diálogos rápidos, metalinguagem, rupturas da quarta parede e personagens intelectualizados, quase sempre ambientados em Manhattan. O filme, que lhe rendeu o Oscar de Melhor Direção e Roteiro, reinventou a comédia romântica americana ao mesclar sensibilidade, melancolia e ironia.
“É impossível dizer qual será o veredito final sobre Woody Allen. Talvez nem caiba à história esse julgamento absoluto.”
Desde então, Allen se destacou como autor completo: escreve, dirige, atua (às vezes simultaneamente), e impõe sua assinatura em quase tudo que realiza. Filmes como Manhattan, Hannah e Suas Irmãs, A Rosa Púrpura do Cairo, Match Point, Meia-Noite em Paris e Blue Jasmine comprovam sua versatilidade — ora flertando com o drama puro, ora com o suspense, ora com o onírico — sempre sob a lente do humanismo agridoce.
No entanto, desde os anos 1990, Allen enfrenta acusações graves, que influenciaram diretamente sua imagem pública. Em 1992, sua ex-companheira Mia Farrow o acusou de abusar sexualmente da filha adotiva do casal, Dylan Farrow, então com 7 anos. Embora Allen nunca tenha sido formalmente condenado e sempre tenha negado as acusações, a denúncia gerou profunda ruptura familiar, afetou colaborações futuras e, com o tempo, colocou sua carreira sob o escrutínio da opinião pública, principalmente após a ascensão do movimento #MeToo.
Um legado à sombra da controvérsia
Nos últimos anos, diversos artistas anunciaram arrependimento por terem trabalhado com ele, enquanto outros, como Scarlett Johansson, Javier Bardem e Diane Keaton, defenderam a presunção de inocência e a separação entre o homem e a obra. O caso é especialmente complexo porque envolve não apenas uma alegação grave de abuso, mas também a batalha narrativa entre Allen e Farrow, que se estende até hoje em entrevistas, livros, documentários e artigos de opinião. É, portanto, um dos episódios mais espinhosos na interseção entre cultura, moralidade e justiça.
Ainda assim, Woody Allen nunca deixou de filmar. Em 2023, lançou Coup de Chance, uma produção francesa que remete ao estilo de Match Point, e que foi bem recebida por parte da crítica europeia. Allen encontrou na Europa uma espécie de refúgio, tanto criativo quanto institucional. Após ser, na prática, “cancelado” por estúdios americanos e plataformas de streaming, encontrou financiamento e acolhimento fora dos EUA, repetindo um movimento feito por outros artistas que passaram a sofrer restrições comerciais após acusações de má conduta.
Esse isolamento parcial não aniquilou sua relevância. Muito pelo contrário. Ele é lido hoje como um símbolo da tensão contemporânea entre o reconhecimento artístico e o julgamento ético. Há quem defenda que obras como as de Allen devem continuar a ser exibidas, estudadas e apreciadas, enquanto outros pedem boicote e esquecimento. A polarização, como em tantos outros casos no mundo da cultura, se acentuou com as redes sociais e com o ativismo digital.

Entretanto, ignorar o peso de sua obra seria também um erro. Seu olhar sobre o amor, o tédio, a morte, a cidade, a culpa, o desejo e o tempo forma uma espécie de crônica psicanalítica do século XX. Allen deu voz ao homem contemporâneo em sua angústia cômica e sua busca incessante por sentido. E embora sua persona esteja associada a estereótipos de autoindulgência e elitismo intelectual, há, em seu cinema, uma tentativa genuína de compreender a alma humana.
É impossível dizer qual será o veredito final sobre Woody Allen. Talvez nem caiba à história esse julgamento absoluto. O que se pode afirmar é que sua trajetória continua sendo um estudo de caso raro: um artista de imenso talento, que deixou marcas profundas na cultura ocidental, mas cujo nome se tornou sinônimo de embate entre estética e ética. Talvez seja esse seu último e mais perturbador legado: a impossibilidade de separar, sem dor, o criador de sua criação.
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