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Gonçalo Ivo faz do ateliê o seu templo de culto

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Gonçalo Ivo de Medeiros é filho do escritor Lêdo Ivo (1924 – 2012), o que possibilitou sua convivência com escritores e artistas desde a infância. Em 1973, frequenta os ateliês dos astistas Augusto Rodrigues (1913 – 1993), Abelardo Zaluar (1924 – 1987) e Iberê Camargo (1914 – 1994). Estuda pintura no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM/RJ, em 1975, sob orientação de Aluísio Carvão (1920 – 2001) e Sérgio de Campos Mello (1932 – 2015). Arquiteto, formado pela Universidade Federal Fluminense – UFF, exerce atividades como professor do Departamento de Atividades Educativas do MAM/RJ, entre 1984 e 1986, e como professor visitante da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – EBA/UFRJ, em 1986. Trabalha também como ilustrador e programador visual para as editoras Global, Record e Pine Press. No decorrer de sua carreira, vem realizando diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior. Em 2000, faz cenário para o programa Metrópolis da TV Cultura. Nesse ano, muda-se com a família para Paris, onde monta ateliê. “Acho que toda arte tem papel social, pois, é fruto da cultura no seu sentido mais amplo. Poderia dizer também que toda arte tem seu papel político, por mais que seja ligada a um estado de transcendência ou abstraçāo. Arte é um grande sistema plural que vem se transformando ao longo dos séculos”, afirma.

Gonçalo, o que é ser um artista em sua visão pessoal?

Uma pequena frase de Jean Cocteau resume esta questão.

“A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse para que…”

A arte pertence a mundos que não têm uma praticidade. Penso que é uma pergunta sem resposta. Para mim ser artista e pintor, é como um sacerdócio. Algo impregnado de profunda solidão e um mistério intraduzível. O ateliê é meu templo de culto. Nele me sinto ao mesmo tempo, livre e subjugado pelas horas do ofício. Como todo sacerdócio e transpondo para o momento bíblico, tenho meus momentos de dúvida quando estou de braços abertos na encruzilhada das decisões.

Em que momento você acredita que o seu trabalho exala uma certa poesia?

A poética é sempre relevante. Minhas primeiras admirações por arte datam de minha infância, na casa de meus pais, contemplando obras de Volpi, Iberê Camargo, Lygia Clark, Milton Dacosta, Visconti, Castagneto e muitos outros. Claro que fazia minhas eleições pessoais. Desde garoto, pegava livros de arte dos meus pais. Um deles, do Odilon Redon, servia de base para as cópias que fazia de naturezas-mortas. Há um pequeno pastel de Redon, uma concha solitária, que está no Museu d’Orsay, que sempre me impressionou. Dela emana o que podemos chamar de poesia, o ruído e o odor do mar. A poética me move. Mas não conseguiria explicitar o momento exato, pois, como coisa inefável, é como o clarão do relâmpago que ilumina o que antes era escuridão.

A arte deve ter um papel social?

Acho que toda arte tem papel social, pois, é fruto da cultura no seu sentido mais amplo. Poderia dizer também que toda arte tem seu papel político, por mais que seja ligada a um estado de transcendência ou abstraçāo. Arte é um grande sistema plural que vem se transformando ao longo dos séculos. Sempre será a língua comum a todos os homens.

Você já disse em uma certa oportunidade, que vive em um estado quase eterno de imersão nas questões da pintura e da arte. Fale um pouco mais sobre isso.

Para mim, viver é estar neste estado de transe e trânsito entre mundos que superam e apagam a realidade cotidiana. O estado em que vivo é o do tempo sem tempo como medida. Passo da madrugada ao fim do dia no meu estúdio acompanhado da música e com algumas pausas para a leitura. A brutalidade do mundo não faz parte do meu repertório cotidiano. O homem contemporâneo vem perdendo a capacidade de olhar, sentir, contemplar e refletir. Este é um processo que vem de longe. Talvez do início da Revolução Industrial. Mas isso é só um palpite. Gosto muito de um poema do João Cabral em homenagem a Paul Klee em que diz: ”… Sem medo, lavava as mãos do que até então vinha sendo: de noite, saltava os muros, saía a novos serenos”.

O que foi descoberto de mais profundo nessa imersão?

Acho que o sentido da palavra liberdade e seus limites. Ao mesmo tempo, essa situação me levou a ser mais preciso e objetivo. Tento fazer da pintura um exercício de refinamento do olhar. Delacroix disse que antes de mais nada uma pintura deve ser uma festa para os olhos. Ao longo dos anos meu trabalho passou a se comunicar de forma cada vez mais profunda com todas as formas de arte como a arquitetura, a poesia, a música… Entretanto, há um custo muito alto. O da solidão, o do isolamento e da incomunicabilidade.

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Qual a maior vantagem de ver e analisar o seu país “pelo lado de fora?”.

Curiosa essa sua pergunta, pois, a primeira vez que morei fora, em 1980, foi porque o Brasil não me oferecia de maneira mais consistente aquilo que eu queria. Passei um ano entre Portugal, Espanha e Inglaterra. Tinha sede de conhecimento. Ainda tenho hoje. Queria ver aquilo que não havia de maneira abundante no meu país. Sempre estive interessado em pintura, naquilo que chamamos de a grande arte. Ainda me lembro das minhas caminhadas diárias em Madrid, do meu modesto hotel perto da Porta do Sol até o Prado. Ali contemplava Rubens, Ticiano, Goya, Velázquez e todos os outros. Como já disse várias vezes, não tenho apreço pelos artistas “zelig”. A Arte Contemporânea se transformou em inúmeros casos em algo homogêneo e sem marca pessoal, praticamente igual ao sanduíche do McDonald’s. O mesmo gosto em qualquer canto do mundo. É claro que há artistas maravilhosos como Bill Viola, Richard Serra, Joseph Beuys, Miquel Barceló e muitos outros. Há décadas vivo fora. Nenhum país é mais o meu lugar. Hoje me sinto um nômade. A não ser no sítio em Teresópolis onde construí meus estúdios.

A música lhe move o tempo todo. Ela [música] trouxe quais influências em seu modo de criar?

Tenho um gosto musical especialmente eclético. Escuto de cantos tribais africanos ou indígenas brasileiros, música de capoeira, samba, música africana, jazz, música eletro acústica até as minhas preferências, que são a música antiga, renascentista e barroca. Várias séries de trabalhos têm como ponto de partida e chegada questões musicais. Quando meus filhos abandonaram o curso de piano, aconteceu a situação inusitada de eu ter dois pianos em casa, um em Paris e outro no ateliê em Teresópolis. Acabei resolvendo estudar piano para poder entender a transmutação das notas musicais escritas na partitura ao som. Falei para minha professora de piano em Paris que meu único objetivo era tocar uma peça de Bach. O que consegui fazer depois de dois anos. Toquei uma peça do songbook de Ana Madalena. Depois parei por falta de tempo e talento no teclado. Mas Bach, Buxtehude, Telemann, Boccherini e muitos outros estão ao meu lado todos os dias. Converso com eles.

Suas pinturas trazem mais pontos de interrogação, exclamação ou reticências?

Penso que toda arte mescla afirmações, dúvidas e indagações. Costumo dizer que pintar para mim, é como uma viagem de trem, onde não importa o lugar de partida nem de chegada. O mais significativo é o próprio percurso e o envolvimento com o fazer, com a cor e com a forma.

Em algumas delas você admite que já trouxe pontos finais?

Concluo minhas pinturas na esperança renovada de passar para a próxima. A imagem da serpente que devora constantemente sua cauda ou o mito de Sísifo, que tenta levar uma pedra até o alto da montanha, mas fracassa é também uma boa imagem do que é o trabalho em pintura. Como disse Roger Bissière, nós pintores somos como as macieiras: produzimos maçãs sem saber por quê.

Em que momento de sua carreira a sua intuição foi a sua força motriz?

Sempre fui um artista intuitivo. Apesar da constante necessidade de conhecimento – técnico, poético e filosófico – a palavra que mais me define é o encantamento que tenho pelas coisas. O encantamento no sentido transcendental e poético.

Qual o maior equívoco que as pessoas cometem ao falar sobre os seus trabalhos e sobre você de modo geral?

Há certas comparações que são bem equivocadas. Como aproximar meu trabalho de pintor com o do grande Alfredo Volpi. Ou das minhas aquarelas com a obra de Paul Klee. Ambos são artistas da minha predileção. Inclusive sou proprietário de uma belíssima têmpera dos anos 50 de Alfredo Volpi. Acho que comparações são inevitáveis. Mas creio que os verdadeiros artistas são como ilhas, seres solitários rodeados de oceanos de incompreensão.

Última atualização da matéria foi há 3 meses


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