Mark Carney: o antagonista de Trump
Na manhã de terça (29), o Canadá acordou com a recondução de um novo protagonista no seu cenário político – Mark Carney, líder do Partido Liberal e ex-banqueiro central, agora primeiro-ministro de uma nação que vive um dos momentos mais delicados em sua relação com os Estados Unidos desde a Guerra de 1812. O tom da vitória não foi de celebração pacífica, mas de resistência. Em seu discurso, Carney não mediu palavras: “Os Estados Unidos querem nossa terra, nossos recursos, nossa água, nosso país. Mas isso nunca, jamais acontecerá.” A frase não era apenas retórica eleitoral. Era o resumo de uma campanha inteira construída como resposta à ofensiva protecionista e beligerante do presidente americano Donald Trump, que buscou, por meio de tarifas e ameaças diplomáticas, transformar o Canadá em um satélite político e econômico da Casa Branca.
“O banqueiro virou primeiro-ministro. Agora, precisa provar que também pode ser um líder de longo curso – e não apenas o antagonista de Donald Trump, mas o arquiteto de um novo Canadá.”
A projeção inicial aponta para um governo liberal minoritário. Ainda assim, o triunfo de Carney tem o peso simbólico de um repúdio nacional à agenda de Trump. Mesmo diante de uma oposição conservadora que se apresentava como favorita há poucos meses, Carney conseguiu virar o jogo ao catalisar um sentimento de defesa da soberania canadense, em contraste com o expansionismo trumpista, que sugeria tratar abertamente o país vizinho como o “51º estado”. Pouco importou o fato de Carney nunca ter ocupado um cargo político até poucas semanas atrás. Seu histórico como ex-governador do Banco do Canadá e do Banco da Inglaterra lhe conferia a credibilidade que muitos buscavam num cenário global volátil. Mais do que um gestor técnico, Carney se apresentou como um estadista pronto para defender o Canadá em tempos de cerco.
Um banqueiro central no teatro da geopolítica
A trajetória de Mark Carney é atípica para a política canadense. Nascido em Fort Smith, nos Territórios do Noroeste, formou-se em economia em Harvard e fez doutorado em Oxford antes de entrar para o Banco Goldman Sachs. Foi ali que moldou sua visão de mundo, entre números e crises, mas também entre capitais e interesses globais. Sua passagem pelo Banco do Canadá durante a crise de 2008 foi amplamente elogiada: Carney ajudou o país a resistir à recessão com políticas firmes, mas sensíveis. Posteriormente, no comando do Banco da Inglaterra, enfrentou o Brexit com uma postura crítica e orientada à estabilidade – experiência que, segundo ele, hoje o capacita a prever os desdobramentos do isolacionismo americano.
Desde que assumiu o Partido Liberal, após a renúncia de Justin Trudeau, Carney se posicionou no centro político, mas com um verniz tecnocrático e pragmático. Sua campanha foi dominada por alertas: os Estados Unidos estavam se transformando num parceiro hostil. Trump havia imposto tarifas de 25% sobre aço, alumínio, autopeças, ameaçava o setor madeireiro e farmacêutico canadense e sugeria, em tom não tão velado, uma anexação econômica. Esse tipo de retórica, típica do “America First”, encontrou em Carney um adversário à altura – alguém com conhecimento técnico e voz internacional. Ao mesmo tempo, Carney soube traduzir essa disputa em termos nacionais. Não se tratava apenas de proteger planilhas, mas sim empregos, famílias e o próprio conceito de nação canadense.
Mesmo assim, nem todos compraram sua narrativa de estabilidade e defesa. A oposição conservadora, liderada por Pierre Poilievre, acusou Carney de representar a continuidade de um establishment urbano e financeiramente distante das classes médias e baixas do interior canadense. Mas a crise diplomática com os EUA, intensificada na final da campanha, virou o jogo. De repente, a experiência de Carney em lidar com adversidades macroeconômicas ganhou apelo. E o antagonismo com Trump – genuíno, direto, sem rodeios – se tornou um ativo eleitoral.

O desafio agora, no entanto, é governar. E mais do que isso: reconstruir. A promessa de “reconstruir coisas neste país” – casas, fábricas, energia limpa – é ambiciosa, especialmente diante de um Parlamento possivelmente fragmentado. Carney quer um Canadá menos dependente dos EUA, mais resiliente em suas cadeias produtivas, mais autônomo em política externa. Não será fácil. Mas a eleição deste ano demonstrou que existe apetite político por essa agenda.
Carney tem pela frente a tarefa de transformar sua retórica de campanha em medidas concretas. Sua capacidade técnica e conhecimento dos circuitos internacionais são inegáveis. Mas ele terá que aprender a jogar o jogo da política cotidiana, das negociações parlamentares, das concessões internas. O banqueiro virou primeiro-ministro. Agora, precisa provar que também pode ser um líder de longo curso – e não apenas o antagonista de Donald Trump, mas o arquiteto de um novo Canadá.
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