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Portugal: será que o país se endireitou?

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Portugal acaba de passar por mais uma eleição que reacende debates sobre o rumo político do país. No domingo (18), a Alternativa Democrática (AD), coalizão de centro-direita liderada por Luís Montenegro, atual primeiro-ministro, conquistou o maior número de votos, com 32,7% do total, assegurando 89 dos 230 assentos da Assembleia da República. Em tempos normais, isso poderia sugerir uma clara vitória. Mas no atual contexto político português, a leitura é mais cautelosa: Montenegro venceu, sim, mas talvez não o suficiente para governar sem fazer concessões indigestas.

A AD, composta principalmente pelo Partido Social Democrata (PSD) e pelo Centro Democrático Social (CDS), celebra a volta ao protagonismo após anos de hegemonia do Partido Socialista (PS). Contudo, sem maioria absoluta, o desafio agora será costurar apoios no Parlamento — e as opções não são exatamente confortáveis para a direita moderada. A presença crescente do Chega (CH), partido da direita radical liderado por André Ventura, altera a geometria política tradicional e pressiona a AD a tomar decisões que podem afetar sua legitimidade e estabilidade de governo.

“Ainda que Montenegro opte por manter o Chega fora da equação, a simples necessidade de negociar com outras forças à direita ou até ao centro poderá obrigá-lo a flexibilizar sua agenda.”

O Chega voltou a crescer. Após surpreender na última legislatura, saltando de 12 para cerca de 50 deputados, Ventura conseguiu agora equiparar numericamente sua bancada à do Partido Socialista, ambos com 58 assentos. Em termos de votos, os socialistas ainda ficaram levemente à frente (23,4% contra 22,6%), mas o avanço do Chega é inegável — e perturbador para quem via a política portuguesa como uma ilha de estabilidade e moderação em meio à maré populista europeia.

O sistema político português, de base parlamentarista, obriga o partido ou coalizão mais votada a negociar alianças para garantir uma maioria funcional. O problema é que o Chega, embora numericamente atraente, representa um abismo ideológico para o centro-direita. Montenegro, até agora, reafirma sua promessa de não negociar com Ventura. Mas sem o PS disposto a formar um bloco centrista — algo improvável dado o desgaste recente do partido e o receio de uma “grande coligação” que soaria como traição a seus eleitores —, o primeiro-ministro vê-se encurralado entre a paralisia e a capitulação.

A ascensão do Chega e o impasse do centro

O dilema é profundo: abrir diálogo com o Chega pode custar caro em termos de reputação internacional e coesão interna. No entanto, governar com minoria implica fragilidade, constantes moções de desconfiança e um Executivo engessado. Esse tipo de impasse costuma, historicamente, alimentar ainda mais o discurso radical — exatamente o que Ventura parece querer.

A vitória do AD, portanto, precisa ser lida com nuances. Ela mostra que há espaço para uma alternativa ao socialismo que dominou a última década em Portugal, mas não demonstra uma adesão clara a um projeto reformista robusto. O eleitorado parece ter procurado mudança sem uma convicção firme sobre qual direção seguir. Nesse vácuo, o Chega ocupa terreno.

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Outro dado relevante é a fragmentação do Parlamento. Ao todo, oito partidos conquistaram representação, tornando as negociações para governabilidade ainda mais complexas. A Iniciativa Liberal, por exemplo, embora ideologicamente mais próxima do PSD, tem menos de 10 deputados. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português continuam perdendo espaço, o que confirma o desgaste da esquerda tradicional.

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Ainda que Montenegro opte por manter o Chega fora da equação, a simples necessidade de negociar com outras forças à direita ou até ao centro poderá obrigá-lo a flexibilizar sua agenda. Isso inclui concessões em temas como imigração, segurança e identidade nacional — bandeiras do Chega que já contaminam o debate público.

O primeiro-ministro português Luís Montenegro com correligionários (Foto: Arquivo)
O primeiro-ministro português Luís Montenegro com correligionários (Foto: Arquivo)

Nesse contexto, cabe a pergunta: Portugal se “endireitou?”. Em termos eleitorais, há uma guinada visível à direita, mas não há um consenso majoritário em favor de nenhuma agenda específica. A ascensão do Chega revela uma insatisfação crescente com o sistema político tradicional, mas ainda não há uma maioria que legitime o projeto radical de Ventura. Ao mesmo tempo, a erosão da esquerda indica que o ciclo iniciado com António Costa se esgotou.

Portugal está num ponto de inflexão. O que acontecer nos próximos meses — se Montenegro conseguirá formar um governo funcional, se cederá ou resistirá à pressão do Chega, se o PS se reinventará na oposição — definirá o tom político do país nos próximos anos. Não se trata apenas de esquerda ou direita, mas da qualidade da democracia portuguesa em tempos de polarização e fragmentação. A resposta definitiva ainda está por vir. Por ora, o país segue navegando em águas turvas.


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