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A mídia e o Maníaco do Parque

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Em 2026, Francisco de Assis Pereira, mais conhecido como o Maníaco do Parque, poderá deixar a prisão após cumprir três décadas de pena — ainda que tecnicamente a sua condenação ultrapasse os 200 anos. Desde a década de 1990, quando os crimes foram cometidos, a figura de Pereira ocupa um lugar peculiar na memória coletiva brasileira: não apenas como um dos mais brutais assassinos em série da história do país, mas como símbolo de um fenômeno igualmente perturbador — a espetacularização da violência por parte da mídia.

A história de Francisco não é só a de um criminoso. É também a história de como a imprensa brasileira, especialmente a televisiva e sensacionalista, se apropriou de sua imagem para construir um vilão midiático que rendesse audiência e manchetes. Em 1998, quando seus crimes foram descobertos, o Brasil ainda vivia a ressaca de outros crimes horrorosos, o caso Richthofen ainda estava por vir, mas o país parecia ávido por um novo capítulo de terror para consumir em tempo real. O resultado foi uma cobertura marcada por entrevistas escabrosas, reconstituições grotescas e uma busca incessante por mais detalhes mórbidos.

“A imprensa brasileira precisa olhar para trás e perguntar: o que aprendemos com esse caso? Qual foi o papel da mídia na formação do imaginário sobre o Maníaco do Parque?”

É claro que crimes de tamanha gravidade não podem e não devem ser ignorados. A sociedade tem o direito — e o dever — de estar informada sobre ameaças reais. Mas o que se viu à época foi menos uma cobertura jornalística e mais um espetáculo de horror travestido de informação. O “Maníaco do Parque” deixou de ser um criminoso para se tornar um personagem quase cinematográfico, apresentado em horários nobres como um tipo de “anti-herói” sombrio e irresistível ao olhar voyeurístico da audiência. A cobertura enfatizava seus traços psicológicos, sua aparência, sua forma de seduzir as vítimas, e não os efeitos devastadores de seus crimes sobre as famílias das vítimas, tampouco os erros institucionais que permitiram sua atuação por tanto tempo.

Na década de 1990, o Brasil assistia a um boom das revistas e jornais que exploravam os temas policiais, além é claro do mundo cão em programas de fim de tarde voltados ao crime. O caso do Maníaco do Parque se encaixava perfeitamente no formato: um serial killer com um modus operandi reconhecível, alvos jovens e femininos, e uma narrativa fácil de vender. O próprio apelido “Maníaco do Parque” tem um valor midiático inegável — curto, impactante, e até com certo apelo “pop”. Não por acaso, a cobertura deixou de lado questões fundamentais como o papel da polícia na negligência às denúncias iniciais ou a ausência de políticas públicas para proteção de mulheres em espaços públicos.

A lente distorcida da imprensa

A mídia, nesse processo, perdeu a chance de cumprir sua função mais nobre: ajudar a sociedade a refletir criticamente sobre o contexto em que esses crimes ocorrem. Ao invés disso, reforçou estereótipos, fomentou o pânico moral e colaborou para uma cultura que consome violência como entretenimento. Pior ainda, ao dar voz ao criminoso em entrevistas exclusivas, reexibidas à exaustão, criou-se uma dinâmica perversa em que o assassino ganhava protagonismo, enquanto as vítimas eram tratadas como números ou rostos em segundo plano.

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Agora, com a iminência da possível soltura de Pereira em 2026, muitos veículos começam a retomar o caso. Mas poucos fazem uma autocrítica à cobertura que ajudaram a construir. Pelo contrário: há indícios de que o retorno do tema ao debate público está sendo usado como trampolim para novos conteúdos — documentários, séries, entrevistas, especiais televisivos. Ainda que mais sofisticados em linguagem e forma, esses materiais muitas vezes replicam o mesmo padrão: transformar o horror em produto de consumo.

Manchetes inseridas no cartaz do documentário sobre “Chico Estrela” (Foto: Prime)
Manchetes inseridas no cartaz do documentário sobre “Chico Estrela” (Foto: Prime)

Não se trata de ignorar a trajetória de criminosos como Francisco de Assis Pereira, tampouco de esconder suas possíveis reintroduções à sociedade. A informação, sim, é essencial. Mas ela precisa vir acompanhada de responsabilidade, de empatia com as vítimas e seus familiares, e de um compromisso com a verdade e a ética jornalística. Um país que transforma seus piores algozes em figuras de culto midiático corre o risco de naturalizar a barbárie.

A imprensa brasileira precisa olhar para trás e perguntar: o que aprendemos com esse caso? Qual foi o papel da mídia na formação do imaginário sobre o Maníaco do Parque? E, mais importante, o que podemos — e devemos — fazer diferente desta vez? A resposta a essas perguntas não diz respeito apenas ao passado, mas ao futuro da comunicação e da consciência social no país.

Última atualização da matéria foi há 2 semanas


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