A morte olvidada de Teori Zavascki
Poucas mortes no Brasil recente foram tão cercadas de perplexidade quanto a de Teori Zavascki. Em 19 de janeiro de 2017, o ministro do Supremo Tribunal Federal caiu com um bimotor no mar de Paraty, numa tarde de chuva torrencial. O acidente, que vitimou outras quatro pessoas, foi oficialmente atribuído a um politraumatismo craniano causado pelo impacto da queda — algo que soa técnico demais para encerrar um mistério de tamanha magnitude. Afinal, Teori não era apenas mais um juiz: era o relator da Lava Jato, o homem que tinha nas mãos as delações que poderiam implodir a República.
O país parou por algumas horas. Michel Temer, então presidente, decretou luto oficial de três dias, e a classe política vestiu seu figurino habitual de consternação pública — flores, discursos e promessas de “honrar o legado do ministro”. A mídia noticiou a tragédia com sobriedade, e os juristas choraram sinceramente a perda de um colega respeitado. Mas bastou o caixão descer à terra fria de Porto Alegre para que o silêncio se tornasse ensurdecedor. A tragédia foi rapidamente arquivada na prateleira das fatalidades convenientes.
“Com o tempo, Teori virou nome de auditório, de sala, de placa de bronze em corredor público. Símbolos piedosos que escondem o esquecimento funcional. Poucos se lembram de suas decisões, menos ainda de suas advertências sobre o espetáculo judicial.”
É claro que acidentes acontecem. Chovia muito. O avião era pequeno. O tempo estava instável. Tudo perfeitamente plausível — e, justamente por isso, tudo perfeitamente suspeito para um país que já viu de suicídios com corda curta a envenenamentos acidentais em plena democracia tropical. Teori era discreto, técnico e, sobretudo, imprevisível politicamente. Não pertencia à facção alguma. E talvez isso, no Brasil, ainda seja a maior imprudência de todas.
O inquérito sobre o acidente seguiu os trâmites formais, sem indícios de sabotagem. O problema é que o Brasil já não acredita mais em coincidências quando se trata de seus bastidores de poder. As teorias — e Teori, ironicamente, virou um “teorema nacional” — surgiram com voracidade. Do combustível adulterado a uma sabotagem calculada, o país pareceu incapaz de aceitar que uma figura tão crucial pudesse ter morrido de forma tão banal. Quando o improvável serve ao interesse de tantos, o acaso perde a inocência.
Um silêncio que diz muito
A morte de Teori foi o ponto final de uma era de relativa fé institucional. Até aquele janeiro, ainda se acreditava que a Lava Jato pudesse reconfigurar o pacto de impunidade nacional. Teori, com seu perfil técnico e avesso a holofotes, simbolizava a ideia de que o Supremo ainda tinha juízes capazes de resistir à pressão das ruas, dos partidos e das corporações. Sua morte abriu espaço para o rearranjo dos tabuleiros: Edson Fachin herdou a relatoria, o governo reorganizou-se, e o establishment respirou com alívio discreto.
Desde então, o Brasil aprendeu a esquecer rápido. Nenhum documentário, nenhuma CPI, nenhum livro robusto tentou realmente revisitar o caso. O país preferiu deixar Teori descansar — ou melhor, dizendo, permanecer enterrado também em nossa memória cívica. Como se a dúvida incomodasse mais do que a verdade. Afinal, é mais fácil seguir adiante quando os mortos não fazem perguntas.
A tragédia, no entanto, não foi apenas pessoal. Ela simbolizou a vulnerabilidade das instituições quando orbitam perto demais do poder real. Teori era o juiz que, com uma canetada, poderia decidir o destino de presidentes, senadores e bilionários. Sua morte, mesmo acidental, revelou o quanto dependíamos de um único homem para sustentar o equilíbrio de uma operação que se vendia como “sistêmica”. E quando a engrenagem depende de uma peça só, basta uma queda — literal ou simbólica — para o sistema inteiro fraquejar.
Com o tempo, Teori virou nome de auditório, de sala, de placa de bronze em corredor público. Símbolos piedosos que escondem o esquecimento funcional. Poucos se lembram de suas decisões, menos ainda de suas advertências sobre o espetáculo judicial. A história o transformou em mártir técnico, o que é quase uma contradição em termos. Seu maior legado talvez tenha sido mostrar que a Justiça, quando realmente justa, é insuportável para quem manda — e perigosa para quem a aplica.
Hoje, quando se fala em moralização da política, Teori é raramente citado. É como se sua morte tivesse sido o último ato de lucidez de um país que desistiu de compreender seus próprios fantasmas. Talvez ele tenha caído, sim, num dia chuvoso, em meio a nuvens densas e visibilidade precária. Mas o nevoeiro que encobre o Brasil é outro: o da conveniência, da amnésia e da cumplicidade silenciosa.

No fim, a morte de Teori Zavascki é menos um mistério aeronáutico e mais um sintoma nacional. Um lembrete de que, por aqui, a verdade costuma viajar sem plano de voo — e que, quando ameaça pousar, sempre há uma tempestade à vista.
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Anacleto Colombo assina a seção Não Perca!, onde mergulha sem colete na crônica sombria da criminalidade, da violência urbana, das máfias e dos grandes casos que marcaram a história policial. Com faro apurado, narrativa envolvente e uma queda por detalhes perturbadores, ele revela o lado oculto de um mundo que muitos preferem ignorar. Seus textos combinam rigor investigativo com uma dose de inquietação moral, sempre instigando o leitor a olhar para o abismo — e reconhecer nele parte da nossa sociedade. Em um portal dedicado à informação com profundidade, Anacleto é o repórter que desce até o subsolo. E volta com a história completa.




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