Alfaiataria feminina: um símbolo de força
A alfaiataria feminina nunca foi apenas sobre roupas — e, convenhamos, nem poderia ser. Quando uma mulher veste um blazer perfeitamente estruturado, uma calça de corte impecável ou um colete que parece ter sido moldado no próprio corpo, ela não está apenas escolhendo um look: está reivindicando espaço em um tabuleiro ainda montado por mãos masculinas. É curioso como uma simples lapela pode carregar séculos de resistência silenciosa, como se a costura soubesse mais de história do que muitos discursos parlamentares.
No Brasil de 2025, onde o retrocesso político costuma dar passos maiores que a inovação social, a alfaiataria feminina virou quase um manifesto ambulante. É moda, claro, mas é também um recado: passamos, estamos aqui e continuaremos. Há algo profundamente simbólico em ver jovens profissionais adotando o terno como segunda pele — não para imitarem o uniforme masculino, mas para reescreverem seus próprios códigos de presença. A estrutura rígida, tão associada ao poder tradicional, ganha suavidade quando encontra ombros que não pedem autorização para existir.
“É impossível, porém, ignorar o fato de que a indústria tenta capitalizar cada milímetro desse empoderamento. A alfaiataria virou nicho de luxo, produto de desejo e símbolo de status — o que, ironicamente, afasta parte das mulheres que justamente mais poderiam se beneficiar desse código visual.”
O curioso é que a alfaiataria renasceu justamente num momento em que tudo parece desestruturado. Num país em que até as certezas perderam viés, ver mulheres resgatando cortes clássicos e reinterpretando-os com ousadia soa quase como terapia coletiva. É como se a moda dissesse: “se o mundo está desabando, ao menos os ombros estão alinhados”. E funciona. A alfaiataria contemporânea se libertou da sisudez, abraçou cores vibrantes, misturou sensualidade com formalidade e transformou o tecido frio em linguagem emocional.
Ainda assim, não dá para ignorar que existe um fetiche corporativo por “mulheres de terno”, como se o traje fosse passaporte para a seriedade — algo que, cá entre nós, nenhum homem precisa provar vestindo roupa nenhuma. A cobrança é antiga: para serem levadas a sério, as mulheres tiveram de adotar códigos visuais que o patriarcado reconhecesse. Hoje, porém, a lógica se inverteu. Elas não usam alfaiataria para agradar o sistema; usam para subvertê-lo. E isso muda completamente o jogo.
O corte que afia discursos
O impacto da alfaiataria feminina vai além da estética. Ele mexe na percepção pública, altera hierarquias informais e evidencia como a moda nunca é apenas moda. Em escritórios, tribunais, redações e palcos, o terno feminino virou extensão de uma postura que não se desculpa por existir. Há quem veja nisso exagero, mas é impressionante como um bom corte faz o mundo escutar diferente. O blazer certo abre portas que discursos inteiros não conseguem.
Historicamente, a alfaiataria feminina surgiu como um desafio direto às rígidas regras de gênero do século XX. Coco Chanel ousou ao colocar mulheres em calças, mas foi Yves Saint Laurent quem elevou o jogo com o icônico “Le Smoking”, em 1966 — um marco cultural que deu início a um caminho sem volta. Hoje, esse legado aparece nos desfiles, nas passarelas corporativas e até nas ruas, onde a pluralidade virou régua de estilo. O Brasil abraçou essa tendência com entusiasmo tardio, mas vigoroso.
É impossível, porém, ignorar o fato de que a indústria tenta capitalizar cada milímetro desse empoderamento. A alfaiataria virou nicho de luxo, produto de desejo e símbolo de status — o que, ironicamente, afasta parte das mulheres que justamente mais poderiam se beneficiar desse código visual. É a velha história: o mercado adora a ideia de poder feminino, desde que ele venha com etiqueta e parcelamento.
Ainda assim, o uso da alfaiataria feminina no cotidiano tem crescido de forma impressionante. Empresas passaram a flexibilizar dress codes; estilistas brasileiros redescobriram o charme dos cortes retos; influenciadoras adotaram o terno como se fosse extensão do humor do dia. Se há uma tendência que não parece disposta a abandonar o palco, é essa. O terno virou uma narrativa portátil, capaz de contar histórias de autonomia, ambição e até vulnerabilidade — porque ninguém é forte o tempo inteiro, mas pode parecer que é, dependendo do caimento do linho.
O mais curioso, porém, é ver como a alfaiataria feminina devolveu às mulheres algo que lhes foi roubado: a legitimidade da presença. Não importa se o blazer é oversized, acinturado, monocromático ou florido; o que importa é o gesto. Vestir alfaiataria, em 2025, é quase como assinar um manifesto silencioso contra tudo que ainda tenta reduzir a mulher ao papel de figurante. É estética, é política e, acima de tudo, é escolha.

No fim das contas, a alfaiataria feminina não é sobre masculinizar o guarda-roupa, mas sobre recuperar o que sempre deveria ter sido óbvio: poder não tem gênero, mas tem postura. E nenhuma postura é mais eloquente do que aquela que se veste com precisão — mesmo quando o mundo insiste em costuras tortas.
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Myrna Dias é Secretária de Redação do Panorama Mercantil e assina a seção Atualíssima, dedicada ao universo feminino sob uma ótica contemporânea, crítica e elegante. Com sensibilidade afiada e texto limpo, ela constrói pontes entre comportamento, cultura e protagonismo. Sua escrita conjuga escuta e posicionamento, navegando entre tendências e dilemas reais com firmeza e empatia. Em um portal comprometido com profundidade e discernimento, Atualíssima é o espaço onde o feminino encontra voz, análise e atitude.




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