Atentado do Riocentro: terrorismo e burrice
No dia 30 de abril de 1981, o Brasil presenciou um dos episódios mais absurdos da ditadura militar: o atentado do Riocentro. A intenção era clara: gerar pânico, culpar os opositores do regime e justificar a repressão. O que se viu, no entanto, foi um espetáculo de incompetência terrorista. A bomba explodiu dentro do carro onde estavam o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Dias Machado, ambos ligados aos porões da repressão. O sargento morreu na hora. O capitão, ferido, teve que encarar a ironia de ser vítima do próprio atentado.
A cena que se seguiu foi patética. Militares atropelando evidências, autoridades tentando construir versões e a imprensa, em parte, hesitante diante do absurdo. Mas a verdade não demorou a emergir. O regime, já cambaleante, foi obrigado a administrar o vexame. Mesmo com toda a blindagem, a farsa era óbvia demais para ser ignorada. O atentado fracassado demonstrava que o terrorismo de Estado não apenas existia, mas era executado por amadores com um plano estúpido.
Hoje, mais de quatro décadas depois, o episódio segue como símbolo do autoritarismo que não se sustentava mais. A explosão no Riocentro não foi só um erro tático; foi um retrato da degradação do regime militar e da urgência de sua derrocada. Ainda assim, muitos dos responsáveis escaparam impunes, protegidos pela covardia institucional e pelo silêncio de setores coniventes da sociedade.
Os atentados planejados pelo Estado são a última cartada de regimes em colapso. No caso do Brasil, o Riocentro marcou a falência da narrativa oficial. O regime que dizia combater terroristas tornou-se, ele próprio, o terrorista. E, como ironia final, errou no cálculo mais básico: ao invés de consolidar o medo, acelerou seu próprio fim.
O contexto: um regime em crise
O início da década de 1980 foi o começo do fim da ditadura militar. A economia estava um desastre, a censura já não funcionava tão bem e a oposição crescia. As Diretas Já estavam a caminho, e os militares precisavam desesperadamente de uma justificativa para endurecer a repressão. Foi nesse contexto que um grupo dentro das Forças Armadas decidiu orquestrar o atentado no Riocentro, tentando culpar a esquerda e criar um clima de terror que justificasse medidas mais rígidas. Mas o plano falhou, e o que era para ser um golpe de mestre virou um fiasco monumental.
O atentado: um erro grotesco
O plano era simples e repugnante: explodir uma bomba durante um show no Riocentro, lotado de jovens e famílias comemorando o Dia do Trabalho. Mas os terroristas de farda se atrapalharam. A bomba explodiu antes do tempo, matando um dos próprios agentes. O detalhe constrangedor: a bomba estava dentro do carro deles. Um erro de cálculo primário que transformou os planejadores da carnificina nas primeiras vítimas de sua incompetência. O Brasil assistiu perplexo à cena: os responsáveis pela “segurança nacional” se revelaram terroristas ineptos.
A operação abafa: um festival de mentiras
A reação do regime foi tão desastrosa quanto o atentado em si. Em vez de assumir o erro, as autoridades militares tentaram fabricar uma versão absurda. Primeiro, disseram que as vítimas eram heróis tentando desarmar uma bomba. Depois, insinuaram que grupos radicais da esquerda poderiam estar envolvidos. Mas as evidências falavam por si. A bomba explodiu dentro do carro dos agentes. O desespero para esconder a verdade gerou um circo de contradições. O que era para ser uma justificativa para mais repressão virou um escândalo que acelerou a desmoralização do regime.
A impunidade: o Brasil da anistia seletiva
O inquérito militar foi uma piada. Apesar das provas esmagadoras, ninguém foi punido. O Exército abafou o caso, e a impunidade reinou. Décadas depois, investigações jornalísticas e documentos desclassificados confirmaram o óbvio: o atentado do Riocentro foi um ato de terrorismo de Estado. Mas, como em tantos outros casos de crimes cometidos pela ditadura, a justiça brasileira preferiu virar as costas. A Lei da Anistia garantiu que assassinos e conspiradores seguissem suas vidas sem qualquer consequência. O episódio expôs a cultura de impunidade que até hoje mancha a história do país.
A memória apagada: quando o passado incomoda
A ditadura militar e seus apoiadores sempre tentaram reescrever a história. O atentado do Riocentro é um dos exemplos mais gritantes desse esforço. O silêncio sobre o caso, a falta de punição e a omissão nos currículos escolares mostram o quanto o Brasil reluta em enfrentar sua própria história. Outros países que passaram por ditaduras expuseram e julgaram seus criminosos. No Brasil, a tendência é varrer tudo para debaixo do tapete. A falta de memória é um convite para a repetição dos erros. Quando se apaga o passado, cria-se o risco de que ele retorne fantasiado de novidade.
O terrorismo de Estado e suas consequências
O Riocentro não foi um caso isolado. O uso do terror pelo próprio Estado contra sua população sempre foi uma prática dos regimes autoritários. O Brasil da ditadura não hesitou em prender, torturar e matar em nome da “segurança nacional”. O atentado fracassado só deixou essa lógica ainda mais escancarada. A tragédia só não foi maior porque os responsáveis eram tão despreparados quanto cruéis. Mas a tentativa de jogar o país em uma nova onda de medo mostrou até onde o regime estava disposto a ir para se manter no poder. Foi um golpe dentro do próprio golpe, e seu fracasso revelou um sistema apodrecido por dentro.
A lição esquecida: o autoritarismo nunca morre
O Riocentro deveria ser lembrado como um alerta permanente. Ditaduras não caem de um dia para o outro, nem se entregam sem resistência. Quando se sentem ameaçadas, recorrem a qualquer meio para preservar o poder, inclusive ao terrorismo de Estado. Quarenta anos depois, ainda há quem tente minimizar ou justificar esse crime. E o mais assustador: há quem deseje a volta de tempos assim. A história do Brasil já mostrou que o autoritarismo nunca desaparece totalmente. Ele se reinventa, aguarda o momento certo e se apresenta novamente sob novas roupagens. O Riocentro foi um retrato de sua estupidez e brutalidade. Ignorar sua lição é abrir caminho para sua repetição.
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Anacleto Colombo assina a seção Não Perca!, onde mergulha sem colete na crônica sombria da criminalidade, da violência urbana, das máfias e dos grandes casos que marcaram a história policial. Com faro apurado, narrativa envolvente e uma queda por detalhes perturbadores, ele revela o lado oculto de um mundo que muitos preferem ignorar. Seus textos combinam rigor investigativo com uma dose de inquietação moral, sempre instigando o leitor a olhar para o abismo — e reconhecer nele parte da nossa sociedade. Em um portal dedicado à informação com profundidade, Anacleto é o repórter que desce até o subsolo. E volta com a história completa.




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