Bacha Bazi: uma tara sexual e política
Há práticas culturais que se mantêm nas margens do aceitável por tanto tempo que acabam confundidas com tradição. “Bacha Bazi”, que em dari e pashto significa algo como “brincadeira com meninos”, é uma dessas. Trata-se de uma prática afegã — mas não exclusiva do Afeganistão — que envolve a exploração sexual de meninos adolescentes por homens adultos, muitas vezes com status político, militar ou social elevado. Apesar de tecnicamente proibida pela lei afegã, a prática resiste, protegida por uma teia complexa de silêncio, poder e conveniência. A pergunta mais incômoda que ela suscita, hoje, em pleno 2025, não é por que ainda existe, mas quem a mantém viva — e por quê.
Meninos, geralmente pobres, órfãos ou entregues pelas famílias em troca de dinheiro, ou proteção, são vestidos com roupas femininas e treinados para dançar em festas privadas de oficiais locais. O que se segue, segundo denúncias recorrentes, é um ciclo de abuso sexual e psicológico. A violência é normalizada, muitas vezes mascarada de “cuidado” ou “adoção”. Quem tenta denunciar sofre represálias. Quem assiste, se cala. E quem participa, frequentemente, ocupa cargos que deveriam garantir segurança e justiça.
“O medo de que a denúncia enfraqueça alianças políticas ou a estabilidade interna ainda fala mais alto que os gritos calados das vítimas. Enquanto isso, meninos continuam dançando, sob aplausos discretos, para plateias que confundem poder com posse.”
Essa dinâmica só se sustenta porque o Bacha Bazi está intrinsecamente ligado à estrutura de poder. Não é apenas uma perversão escondida, mas um símbolo de dominação, prestígio e impunidade. Um comandante que ostenta um “bacha” é visto como alguém poderoso o suficiente para tomar o que quiser. Essa objetificação dos corpos infantis revela uma lógica perversa que enxerga os mais vulneráveis não como seres humanos, mas como moedas de troca, instrumentos de afirmação sexual e política.
O Talibã, hoje no comando do Afeganistão após o retorno ao poder em 2021, condena oficialmente o Bacha Bazi. Em pronunciamentos públicos, seus líderes associam a prática à “degeneração moral” das elites anteriores e prometem punição severa. Na prática, porém, relatos apontam para a continuidade do abuso, inclusive em áreas sob controle direto do regime. Organizações internacionais de direitos humanos, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, vêm documentando há décadas os casos, mas o acesso restrito à informação e à verificação independente dificulta a responsabilização.
Ainda mais preocupante é a forma como as potências estrangeiras, que durante anos ocuparam e intervieram no Afeganistão sob a bandeira dos direitos humanos, lidaram com o problema. Relatórios internos de forças da OTAN e das tropas americanas indicavam conhecimento da prática, inclusive entre membros das forças de segurança treinadas por essas missões. Em muitos casos, a orientação era “não interferir em assuntos culturais locais”. A omissão era, portanto, uma escolha geopolítica — e, por isso mesmo, indefensável.
Quando o silêncio é institucional
Importante destacar que o Bacha Bazi não é uma expressão inevitável de uma cultura nem uma prática exclusivamente afegã. Práticas similares de exploração sexual infantojuvenil com elementos ritualizados existem em diversas partes do mundo, com variações religiosas, simbólicas ou econômicas. A diferença no caso afegão é a conivência explícita entre cultura e Estado, entre tradição e poder armado.
Com a internet penetrando até nas aldeias mais remotas, a desculpa da ignorância já não é sustentável. Existem denúncias feitas por sobreviventes, documentários como The Dancing Boys of Afghanistan, investigações da ONU e estudos acadêmicos que colocam luz sobre o tema. O silêncio, hoje, não é ignorância: é cumplicidade.
O desafio para organizações internacionais, governos e a própria sociedade civil afegã é romper o círculo vicioso de impunidade e violência. Criminalizar o Bacha Bazi não basta. É preciso desmantelar as redes de proteção que sustentam essa prática, garantir abrigo e justiça para os sobreviventes, criar caminhos reais de denúncia — e, acima de tudo, enfrentar a estrutura de poder que a mantém.

Mas será que isso interessa a quem governa? O medo de que a denúncia enfraqueça alianças políticas ou a estabilidade interna ainda fala mais alto que os gritos calados das vítimas. Enquanto isso, meninos continuam dançando, sob aplausos discretos, para plateias que confundem poder com posse.
Mais do que um crime, o Bacha Bazi é um retrato doloroso de como o abuso pode se travestir de cultura — e de como o poder, quando corrompido, normaliza o inominável. Para isso mudar, não bastam leis. É preciso coragem institucional, pressão internacional e uma revisão crítica de tudo aquilo que foi, por muito tempo, tolerado sob o pretexto da tradição.
Última atualização da matéria foi há 6 meses
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Emanuelle Plath assina a seção Sob a Superfície, dedicada ao universo 18+. Com texto denso, sensorial e muitas vezes perturbador, ela mergulha em territórios onde desejo, poder e transgressão se entrelaçam. Suas crônicas não pedem licença — expõem, invadem e remexem o que preferimos esconder. Em um portal guiado pela análise e pelo pensamento crítico, Emanuelle entrega erotismo com inteligência e coragem, revelando camadas ocultas da experiência humana.




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