O Caso Master não foi novidade
Há quem tenha se espantado com a implosão do Banco Master, mas surpresa, mesmo surpresa, é quando o banco não cai. No enredo financeiro brasileiro, onde o realismo mágico encontra a contabilidade criativa, episódios como a Operação Compliance Zero não são acidentes — são reincidências históricas. O colapso do Master, por mais cinematográfico que tenha sido, não inaugura nada: apenas reencena, com figurino atualizado, um drama antigo. O nome muda, a cifra infla, o protagonista ostenta mais, mas o roteiro permanece fiel às suas origens.
Daniel Vorcaro — banqueiro pop, anfitrião de festas dignas de um reality show e colecionador de mansões que fariam um xeque árabe corar — foi a imagem perfeita dessa nova estética financeira: menos cofre, mais holofote. No país em que banqueiros costumam agir como monges sem hábito, Vorcaro se comportava como um astro em busca do melhor ângulo. Tudo isso enquanto o patrimônio do Master dobrava num piscar de olhos, saindo de um banco médio para um protagonista do noticiário econômico, até que o pano caiu: emissão de títulos falsos, créditos simulados, operações infladas. A mesma velha história — apenas com drones filmando a festa.
“A liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central marca o fim formal da instituição, mas não encerra a discussão. Os efeitos vão reverberar pelos bancos parceiros, pelos correntistas, pelo mercado de crédito e pelo próprio BRB, cuja reputação já saiu chamuscada. Auditorias virão, relatórios serão produzidos, discursos serão moldados.”
O estalo decisivo veio quando a Polícia Federal apertou o play da Operação Compliance Zero. O nome já soava irônico: “zero”, de fato, foi o que restou da governança. O BRB, que tinha anunciado a intenção de comprar o Master por R$ 2 bilhões, foi parar no olho do furacão.
Seus executivos, antes entusiasmados com a aquisição, agora figuram como investigados, afastados temporariamente e obrigados a explicar, perante o país, como um banco público se deixou seduzir por uma instituição recheada de “ativos” tão sólidos quanto fumaça. A resposta ainda não veio. Talvez não venha.
Entre ostentação e governança: o Brasil profundo ressurge
O episódio expõe não apenas as vulnerabilidades do sistema financeiro, mas também a velha promiscuidade entre o público e o privado — essa peça de teatro que o Brasil insiste em manter em cartaz. Quando um banco estatal se vê abraçado a uma instituição que manipulava créditos fictícios, pergunta-se: foi ingenuidade, incompetência ou conveniência? E não há alternativa boa nessa lista.
A decisão do BRB de contratar uma auditoria externa, anunciada com a solenidade típica dos comunicados oficiais, soa quase como uma epifania tardia. Precisou-se de uma operação da PF, de prisões no aeroporto, de uma liquidação extrajudicial e de um escândalo de R$ 12 bilhões para que alguém dissesse: “vamos verificar se houve falhas de governança”. Ora, se isso não é o retrato do atraso institucional, é difícil imaginar o que seria.
Enquanto isso, o Sindicato dos Bancários corre para tentar salvar 515 trabalhadores de irem juntos para o buraco aberto pelos gestores do Master — aqueles que, até outro dia, circulavam entre mansões, quadras de basquete privadas e reuniões com autoridades do alto escalão. A classe trabalhadora, como sempre, fica com as migalhas e com a conta.
Há também a ironia da sincronia: Vorcaro, o banqueiro que adorava câmeras, acabou protagonizando a pior foto possível — sendo detido ao tentar sair do país. A imagem, embora simbólica, é apenas o detalhe mais cinematográfico de um escândalo que expõe uma fragilidade muito mais estrutural: a facilidade com que operações fraudulentas se infiltram no sistema financeiro nacional.
Não foi o primeiro caso, não será o último. O Master apenas deu mais brilho — ou mais purpurina — ao velho enredo. Já vimos bancos quebrarem por aventuras cambiais, por empréstimos duvidosos, por carteiras de crédito falsificadas. Já vimos administradores públicos se aproximarem demais do setor privado, como se fronteiras fossem sugestões. O que muda agora é o volume da caixa de som.
O Brasil, país em que banqueiro ostentando já deveria acender sirenes, assistiu ao surgimento de um personagem cuja vida pessoal era quase uma alegoria do desequilíbrio do Master: grandioso, caro, ornamental, mas sustentado em bases frágeis. O colapso bancário e a estética de celebridade se alimentavam mutuamente — e terminaram juntos no chão.
A liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central marca o fim formal da instituição, mas não encerra a discussão. Os efeitos vão reverberar pelos bancos parceiros, pelos correntistas, pelo mercado de crédito e pelo próprio BRB, cuja reputação já saiu chamuscada. Auditorias virão, relatórios serão produzidos, discursos serão moldados. O ritual conhecido seguirá seu curso.

O maior risco, contudo, é o de sempre: que tudo termine apenas em mais um capítulo a ser esquecido na próxima crise. O caso Master não foi novidade — e é justamente isso que deveria nos preocupar. Se o Brasil continua tratando escândalos financeiros como episódios normais de uma novela interminável, o problema não está nos personagens do momento, mas na emissora. E, infelizmente, mudar o canal não resolve: o sistema é o mesmo.
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