O dramático assassinato de Robert Kennedy
Há assassinatos que encerram uma vida e outros que encerram uma possibilidade histórica. O de Robert Francis Kennedy pertence à segunda categoria. Na madrugada de 5 de junho de 1968, nos corredores abafados do Ambassador Hotel, em Los Angeles, não caiu apenas um senador democrata em campanha presidencial: caiu a chance concreta de os Estados Unidos tentarem, ainda que tardiamente, uma reconciliação consigo mesmos depois do Vietnã, do racismo institucional e da violência política que já parecia regra.
Robert Kennedy não era um santo tardio convertido à pureza. Foi um operador duro como procurador-geral, implacável com o crime organizado, hesitante — quando não omisso — nos primeiros embates pelos direitos civis. Mas havia nele algo raro na política americana: a capacidade de aprender em público. O homem que começou como extensão do poder do irmão terminou como crítico feroz do sistema que ajudara a sustentar. Essa metamorfose, tão humana quanto incômoda, era justamente o que o tornava perigoso.
“Hoje, décadas depois, o assassinato de Robert Kennedy continua menos como um caso criminal e mais como um espelho. Ele reflete a incapacidade americana de lidar com suas próprias fraturas sem recorrer à violência ou ao esquecimento. Sirhan permanece preso; as dúvidas permanecem livres. E o país segue oscilando entre a nostalgia de líderes que falavam de empatia e a realidade de uma política cada vez mais cínica.”
Em 1968, o país ardia. Martin Luther King Jr. havia sido assassinado dois meses antes. Cidades queimavam. Jovens morriam no Sudeste Asiático em nome de uma guerra cada vez mais indefensável. Lyndon Johnson desistira da reeleição. E ali surgia Bobby Kennedy, falando de pobres, negros, latinos, indígenas e trabalhadores brancos esquecidos — uma coligação improvável que assustava mais do que qualquer discurso radical. Ele não prometia revolução; prometia consciência. Nos Estados Unidos, isso costuma ser pior.
Quando os tiros ecoaram na cozinha do hotel, a narrativa oficial se apressou em oferecer um vilão solitário: Sirhan Bishara Sirhan, um jovem palestino, confuso, ressentido, preso até hoje num labirinto de versões contraditórias. Caso encerrado, democracia salva, sigam em frente. Mas o assassinato de Robert Kennedy nunca aceitou bem esse ponto final.
O crime que não aceita silêncio
As inconsistências são conhecidas e, justamente por isso, desconfortáveis. Testemunhas falaram em mais disparos do que a arma de Sirhan comportava. O laudo indicou tiros disparados a curta distância, por trás da orelha direita de Kennedy — posição incompatível com o atirador oficial, que estava à frente. Gravações de áudio sugerem múltiplos estampidos. Investigadores independentes tropeçaram em provas perdidas, ignoradas ou convenientemente descartadas. Nada conclusivo o suficiente para reabrir o caso de forma definitiva, mas tudo inquietante demais para aceitá-lo como simples.
É aqui que a ironia amarga se instala. O país que se apresenta como bastião da transparência democrática convive, há décadas, com um triplo trauma político mal resolvido: John Kennedy em 1963, Malcolm X em 1965 e Robert Kennedy em 1968. Três mortes, três versões oficiais, três legiões de céticos. A repetição não prova conspiração, mas revela um padrão de desconfiança estrutural — e talvez isso seja ainda mais grave.
Robert Kennedy foi assassinado porque representava uma ponte num momento em que o país só aceitava muros. Ele falava contra o Vietnã sem cuspir na bandeira, denunciava o racismo sem demonizar o eleitor branco, criticava a desigualdade sem fetichizar a pobreza. Era, em suma, complexo demais para slogans e perigoso demais para os interesses que prosperam no conflito permanente.
Há algo de cruelmente simbólico no fato de ele ter sido morto logo após vencer as primárias da Califórnia. O discurso da vitória ainda ecoava quando o sangue já escorria. A política americana, especialista em espetáculos, nunca conseguiu encenar tragédia melhor: esperança anunciada, futuro abortado, e um “what if?” que atravessa gerações. O que teria sido dos Estados Unidos com Robert Kennedy presidente? A pergunta persiste não porque ele fosse um messias, mas porque o país parecia pronto para ouvi-lo.
Hoje, décadas depois, o assassinato de Robert Kennedy continua menos como um caso criminal e mais como um espelho. Ele reflete a incapacidade americana de lidar com suas próprias fraturas sem recorrer à violência ou ao esquecimento. Sirhan permanece preso; as dúvidas permanecem livres. E o país segue oscilando entre a nostalgia de líderes que falavam de empatia e a realidade de uma política cada vez mais cínica.

Talvez o maior legado de Robert Kennedy não esteja no que ele fez, mas no que foi interrompido. Seu assassinato ensinou, de forma brutal, que nos Estados Unidos sonhar alto pode ser um esporte de risco. E que, às vezes, matar um homem é apenas a forma mais rápida de silenciar uma ideia — ainda que essa ideia insista, teimosa, em sobreviver.
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Anacleto Colombo assina a seção Não Perca!, onde mergulha sem colete na crônica sombria da criminalidade, da violência urbana, das máfias e dos grandes casos que marcaram a história policial. Com faro apurado, narrativa envolvente e uma queda por detalhes perturbadores, ele revela o lado oculto de um mundo que muitos preferem ignorar. Seus textos combinam rigor investigativo com uma dose de inquietação moral, sempre instigando o leitor a olhar para o abismo — e reconhecer nele parte da nossa sociedade. Em um portal dedicado à informação com profundidade, Anacleto é o repórter que desce até o subsolo. E volta com a história completa.




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