Pelezão: o Don Juan do NP
Nos idos de 1984, quando o Brasil vivia uma transição política turbulenta e as ruas de São Paulo fervilhavam de personagens improváveis, um homem de nome Paulo Gonçalves, até então um indigente anônimo, virou Pelezão. Em uma noite fria de agosto, enquanto esperava uma quentinha na fila do Cetren, o destino lhe reservou uma virada de novela: ser seduzido por uma psicóloga no banco traseiro de um Fiat branco. O episódio, tão escandaloso quanto irresistível para as redações, catapultou o mendigo à condição de “dono das manchetes” e “ídolo das madames”. O jornal Notícias Populares, mestre em sensacionalismo e no registro das contradições brasileiras, viu ali o enredo perfeito para um personagem que misturava erotismo, exotismo e o velho mito do “príncipe às avessas”.
O Brasil dos anos 1980 ainda era um país com um pé no moralismo e outro na libido reprimida. O caso Pelezão foi o pavio para esse barril de contradições. Era a fantasia da princesa e do mendigo, o “contraste” como já explicavam, à sua maneira, os antropólogos franceses citados pelo NP. Não era só fofoca: era também sociologia barata, psicologia de botequim e um toque de espiritismo pop, já que o jornal até aventou que a psicóloga teria sido “possuída pela pomba-gira”. O mito, é claro, ficava mais saboroso ao misturar sexo, pobreza e misticismo — ingredientes perfeitos para o prato cheio da imprensa popular.
“A ascensão e queda de Pelezão não é diferente das ascensões e quedas políticas, econômicas ou midiáticas que se repetem até hoje. Basta um instante para alguém ser alçado a herói e outro para ser descartado como vilão ou curiosidade mórbida.”
Com o tempo, Pelezão encarnou uma versão paulistana do mito de Don Juan. Ele trocou o frio da rua pelo calor dos camarins de TV, hospedou-se em hotel pago pelo jornal, ganhou terno azul e rock em sua homenagem. A ascensão meteórica parecia um experimento social em tempo real: o que acontece quando um homem “sem nada” se torna objeto de desejo de uma elite entediada? As madames passaram a bater ponto na fila do Cetren, não para pegar comida, mas para ver de perto o “mendigo irresistível”. O espetáculo estava armado, e o público queria mais.
Era a década do “vale-tudo” midiático, quando manchetes competiam com novelas no horário nobre e o erotismo se travestia de reportagem. Pelezão não era apenas um personagem: era uma lente distorcida através da qual o Brasil olhava para si mesmo — um país que, para se divertir, precisava transformar tragédia em comédia e pobreza em fetiche. Mas esse carnaval midiático tinha prazo de validade. Como todo fenômeno de consumo rápido, a figura do ex-indigente perdeu brilho à medida que a rotina mostrava suas arestas.
O lado B da celebridade instantânea
Com um bico como porteiro de cantina no Bexiga e uma noiva pronta para “prendê-lo pelo estômago”, Pelezão parecia ensaiar um final de novela. Mas a ressaca da fama foi cruel. Em poucos meses, sem disciplina no trabalho e cercado por álcool, o “ídolo das madames” voltou às ruas, aos pequenos delitos e, finalmente, à prisão. Em 1986, o Notícias Populares registrou o epitáfio do mito: Pelezão era agora um “novo hóspede” do presídio do Hipódromo. O homem que encarnara fantasias coletivas desaparecia na mesma velocidade com que surgira.
Essa trajetória meteórica escancara a mecânica cruel da celebridade instantânea. O NP, que construiu seu mito, também o abandonou quando deixou de render manchetes. As “madames” desapareceram, o hotel virou lembrança e o rock “Mel do Pelezão” foi soterrado pela poeira dos arquivos. Paulo Gonçalves ficou com sapatos gastos, um paletó surrado e, talvez, com a memória das noites de glória que não duraram. Em retrospecto, sua história é menos sobre erotismo e mais sobre a engrenagem que transforma gente real em personagens descartáveis para satisfazer o apetite do público.
Há também o componente racial e social que não pode ser ignorado. O NP descrevia Pelezão como “potente”, “negro”, “indigente” — um pacote de exotização e fetichização que revela mais sobre a elite que o consumia do que sobre o próprio Paulo. As mulheres que se aproximavam dele talvez buscassem mais uma transgressão simbólica do que um homem de carne e osso. O personagem Pelezão, moldado pelo jornal, era um arquétipo conveniente: um Don Juan popular que confirmava preconceitos e permitia uma catarse voyeurística à sociedade paulistana.
Essa história também serve como metáfora do Brasil da redemocratização: um país onde a mídia ainda operava como um grande circo e o público aceitava qualquer espetáculo com gosto de escândalo. A ascensão e queda de Pelezão não é diferente das ascensões e quedas políticas, econômicas ou midiáticas que se repetem até hoje. Basta um instante para alguém ser alçado a herói e outro para ser descartado como vilão ou curiosidade mórbida.

No fim das contas, a trajetória de Paulo Gonçalves sintetiza um Brasil que seduz e descarta, que glamouriza a miséria para logo depois se envergonhar dela. Pelezão foi, por alguns meses, o Don Juan do Notícias Populares, mas também o reflexo de um público ávido por narrativas picantes. Sua história ressoa como uma crônica sobre desejo, poder, preconceito e, sobretudo, sobre o preço de virar mito em um país onde os mitos são de consumo rápido.
Se hoje revisitamos Pelezão é não só para rir ou lamentar, mas para entender como se constrói um personagem midiático e o que isso diz de nós mesmos. Ele é um fantasma de um jornalismo que já não existe com a mesma força, mas cujos métodos — transformar anônimos em celebridades instantâneas — continuam vivos nas redes sociais. O Brasil que fez de Paulo Gonçalves um símbolo é o mesmo que hoje transforma influenciadores, subcelebridades e “virais” em alvos de adoração e desprezo. E talvez o mais perturbador seja perceber que, no fundo, nada mudou tanto assim: ainda estamos na fila do Cetren, esperando a próxima manchete que nos seduza.
Última atualização da matéria foi há 3 semanas
O YouTube como um trampolim erótico
outubro 4, 2025As grandes contradições do sexo tântrico
setembro 27, 2025Os maiores escândalos sexuais de Brasília
setembro 20, 2025Bunga-Bunga: a festa sexual dos ricos
setembro 6, 2025Hotwife: a moda sexual que pegou
agosto 30, 2025Valentina Nappi: algoz de Salvini
agosto 23, 2025Por que a bunda feminina nos fascina?
agosto 16, 2025Cory Chase: ela é a milf nº 1
agosto 9, 2025Bitcoin, porn, Ethereum and drugs
agosto 2, 2025Eva Elfie: a rival de Sweetie Fox?
julho 26, 2025Comatozze: eles passarão Sweetie Fox?
julho 19, 2025Fablazed: existencialismo além do pornô
julho 12, 2025
Emanuelle Plath assina a seção Sob a Superfície, dedicada ao universo 18+. Com texto denso, sensorial e muitas vezes perturbador, ela mergulha em territórios onde desejo, poder e transgressão se entrelaçam. Suas crônicas não pedem licença — expõem, invadem e remexem o que preferimos esconder. Em um portal guiado pela análise e pelo pensamento crítico, Emanuelle entrega erotismo com inteligência e coragem, revelando camadas ocultas da experiência humana.
Facebook Comments