Plantas e mulheres: conexão e natureza
A conexão entre mulheres e plantas não é apenas um modismo de redes sociais ou uma tendência estética envasada em apartamentos com samambaias pendentes e monstera variegata a R$ 650,00 no Mercado Livre. Ela é histórica, simbólica, política — e, em muitos casos, profundamente espiritual. Por séculos, a mulher foi associada à terra, à fertilidade, à intuição e ao cuidado. Já as plantas, por sua vez, foram suas companheiras silenciosas na cura, no alimento, no acolhimento. Esse elo, embora romantizado nas vitrines do capitalismo verde, fala de resistência, de autoconhecimento e de saberes ancestrais que desafiam a lógica industrial, patriarcal e acelerada da sociedade contemporânea.
Basta um passeio rápido por livrarias ou uma pesquisa no TikTok para perceber como essa conexão voltou a florescer no discurso popular. Livros com títulos como “Mulheres que correm com os vasos”, cursos de jardinagem terapêutica, rituais com ervas e óleos essenciais, vídeos com “plantfluencers” que falam sobre autoestima regando violetas — tudo parece indicar um retorno ao que se quer chamar de natural. Mas o que há por trás desse aparente reencontro com a natureza? E até que ponto essa aproximação é genuína ou apenas mais uma embalagem de consumo emocional vendida a R$ 12x no cartão?
“Não se trata, portanto, de colocar a mulher num pedestal de Gaia nem de romantizar a terra como “mãe universal”. É sobre resgatar saberes que foram apagados, sobre cultivar autonomia em vasos ou terrenos baldios, sobre ver nas plantas não apenas companhia, mas também conhecimento.”
É preciso ir além da estética das plantas bem posicionadas nos feeds filtrados. Desde tempos imemoriais, mulheres cultivaram jardins não como hobby, mas como forma de sobrevivência, cura e resistência. As curandeiras da Idade Média, perseguidas como bruxas, carregavam vasto conhecimento sobre ervas medicinais — saberes que ameaçavam o monopólio masculino da ciência e da religião. No Brasil colonial, mulheres negras e indígenas transmitiram, de geração em geração, receitas, chás e rituais que até hoje resistem nas casas mais humildes e nas feiras populares. Em muitos casos, a relação com as plantas foi a única medicina possível — e isso diz muito sobre quem podia acessar o sistema formal de saúde.
Hoje, no entanto, a reconexão com esse universo tem se tornado, em parte, uma estética de nicho. A mulher urbana de classe média, com tempo e dinheiro para comprar vasos vietnamitas e substratos importados, redescobre a natureza como forma de autocuidado. Nada contra o prazer de cultivar uma orquídea ou de aromatizar o ambiente com lavanda — o problema é quando se esquece que essa prática, no passado, já foi criminalizada, racializada e marginalizada. A mulher que hoje faz incenso no Instagram talvez desconheça que sua bisavó indígena foi chamada de “macumbeira” por fazer o mesmo com erva-de-santa-maria.
A natureza como espelho e resistência
O culto às plantas também tem servido como um espelho interno. Em tempos de burnout, desamparo emocional e hiperconexão digital, cuidar de um ser vivo que exige presença, paciência e silêncio é, de certo modo, um gesto revolucionário. Muitas mulheres relatam que o contato com as plantas é terapêutico — e de fato é. Mas essa terapia não vem sem camadas: ela carrega traços da crise climática, do desmonte da saúde mental pública, da solidão urbana, da feminilização do cuidado. A planta, nesse contexto, é tanto símbolo de vida quanto de carência.
Mas há também uma contradição pulsante. Ao mesmo tempo, em que se prega a conexão com o verde, o mercado responde com excesso: vasos “instagramáveis”, fertilizantes com nomes em inglês, cursos esotéricos com certificados em PDF e uma lógica de consumo que transforma até o simples ato de regar um manjericão em performance terapêutica para stories. É a apropriação do simples — e do sagrado — pelo espetáculo. A planta, que antes era medicinal, vira objeto de validação emocional e algoritmo.
Entretanto, há sementes de autenticidade nesse solo. Movimentos de agroecologia urbana, hortas comunitárias e coletivos feministas que resgatam o uso de ervas com fins políticos e educativos mostram que a relação entre mulheres e plantas pode, sim, ser libertadora. Uma mulher que aprende a cultivar sua própria comida, preparar um chá contra cólicas ou criar cosméticos naturais está, ainda que sutilmente, desafiando um sistema que lucra com sua dependência.
Não se trata, portanto, de colocar a mulher num pedestal de Gaia nem de romantizar a terra como “mãe universal”. É sobre resgatar saberes que foram apagados, sobre cultivar autonomia em vasos ou terrenos baldios, sobre ver nas plantas não apenas companhia, mas também conhecimento. E, por que não dizer, poder.

Ao final, talvez a conexão entre mulheres e plantas seja menos sobre beleza e mais sobre sobrevivência. Menos sobre paisagismo e mais sobre política. Menos sobre folhas ornamentais e mais sobre raízes históricas. Afinal, como já dizia uma velha benzedeira do interior: “quem aprende com a planta, aprende a viver no silêncio — mas também a falar na hora certa.” Provavelmente, esse é o maior ensinamento que a natureza tem a nos oferecer.
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Myrna Dias é Secretária de Redação do Panorama Mercantil e assina a seção Atualíssima, dedicada ao universo feminino sob uma ótica contemporânea, crítica e elegante. Com sensibilidade afiada e texto limpo, ela constrói pontes entre comportamento, cultura e protagonismo. Sua escrita conjuga escuta e posicionamento, navegando entre tendências e dilemas reais com firmeza e empatia. Em um portal comprometido com profundidade e discernimento, Atualíssima é o espaço onde o feminino encontra voz, análise e atitude.
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