Bruno Garschagen fala de política e negócios globais
Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Católica Portuguesa e pela Universidade de Oxford (visiting student), Bruno Garschagen também é professor de Teoria Política, tradutor, membro do conselho editorial da revista acadêmica MISES e podcaster do Instituto Ludwig von Mises Brasil. Trabalhou em importantes jornais brasileiros como “Jornal do Brasil”, “Folha de S. Paulo e “Valor Econômico”. É autor contratado da Editora Record que publicará neste ano de 2015 (em data a ser definida) seu primeiro livro sobre política brasileira intitulado “Pare de Acreditar no Brasil”. Apesar de nascido brasileiro, ele confessa que sua formação intelectual e sua vinculação de aspirações e referências simbólicas sempre foram marcadamente estrangeiras, já que esse é o seu principal foco de interesse. “O problema é que o mais modesto está numa posição mais desfavorável em relação ao empreendedor mais próspero, que é menos prejudicado pela sua força econômica. O país está há anos na lanterna nos índices de liberdade econômica elaborados pela Heritage Foundation e pelo Fraser Institute e no índice que mede a facilidade de fazer negócios do Banco Mundial (Doing Business). (…) Primeiro era preciso definir conceitualmente o que é a direita brasileira e quem a compõe. Sem essas definições prévias, qualquer um que não seja declaradamente de esquerda poderá se declarar ou ser acusado de representar a direita”, afirma.
Bruno, fale um pouco da sua carreira para quem ainda não lhe conhece.
Sou formado em Direito e trabalhei como jornalista durante 12 anos para alguns dos principais veículos de imprensa do país (Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil, Valor Econômico, Folha de São Paulo, revista Primeira Leitura, site No Mínimo). Em 2007, decidi dar uma nova orientação à minha vida intelectual e profissional. O primeiro passo foi seguir o conselho do meu amigo e professor João Pereira Coutinho e me mudar para a Europa para fazer o mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.
Durante dois anos, mergulhei nos estudos e vivi uma das mais extraordinárias experiências intelectuais da minha vida. E ainda tive a oportunidade de viver a cultura de Portugal graças às amizades que lá fiz. Em 2010, fui para a Universidade de Oxford como visiting student para pesquisar e escrever a dissertação. No período que lá estive, estudei sob a supervisão de dois tutores tendo à disposição todas as bibliotecas, aulas, palestras e contato com professores e alunos de várias partes do mundo. Voltei ao Brasil com outro espírito, com outra mentalidade. Estudar num ambiente em que todos pareciam muito mais inteligentes, que pareciam estar muito à frente em termos de estudo, leitura, conhecimento e produção intelectual, fez com que eu me dedicasse muito mais ao trabalho e lapidasse aquela necessária humildade que permite reconhecer e superar os limites circunstanciais, e respeitar ainda mais quem sabe mais, mas principalmente, os que sabem menos, mas que buscam o conhecimento.
Quando fui para Portugal, recomecei minha vida profissional praticamente do zero. Antes mesmo de me tornar mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, passei a trabalhar como colunista político (inclusive na imprensa portuguesa), comentarista de rádio e em institutos voltados à defesa e à divulgação das ideias da liberdade e da Escola Austríaca de economia. Proferi palestras sobre temas de política, relações internacionais, cultura e economia na Europa, África e Brasil.
Em seguida, me tornei professor de Ciência e Teoria Política, tradutor (“O Fim do FED – Por que Acabar com o Banco Central”, de Ron Paul [médico e político estadounidense, 1935 -], e “Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo”, de Hans-Hermann Hoppe [filósofo e economista alemão da Escola Austríaca, 1949 -]), podcaster do Instituto Mises Brasil e membro do conselho editorial da revista acadêmica MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia. Além disso, tenho feito trabalhos editoriais como o texto de apresentação do livro “Os Caminhos para a Modernidade: os Iluminismos Britânico, Francês e Americano” (É Realizações), da historiadora Gertrude Himmelfarb [historiadora norte-americana, 1922 -], a revisão técnica do livro “Conflito de Visões”, do Thomas Sowell [economista, crítico social, comentarista político e autor norte-americano, 1930 -], e a adaptação para o português do Brasil do livro “Socialismo, Cálculo Econômico e Função Empresarial”, de Jesús Huerta de Soto [economista espanhol da Escola Austríaca, 1956 -]. Também tenho um canal no YouTube, no qual trato de filosofia política, política, relações internacionais, economia e cultura, e sou coautor do blog português O Insurgente.
Atualmente, sou autor contratado da Editora Record e o meu primeiro livro sobre política brasileira será publicado agora em 2015 (em data a ser definida).
Quando se fala em direita no Brasil, logo se pensa de um modo preconceituoso em muitos casos. O que você acredita ser primordial para que essa direita se faça entender de uma forma mais abrangente?
Primeiro era preciso definir conceitualmente o que é a direita brasileira e quem a compõe. Sem essas definições prévias, qualquer um que não seja declaradamente de esquerda poderá se declarar ou ser acusado de representar a direita. Isso cria um transtorno para aqueles que não querem estar vinculados ideologicamente com nenhum dos lados, mas que, por exemplo, não gosta da esquerda. E cria um problema principalmente para aqueles que se posicionam à direita do espectro político por serem antiesquerda (o que é uma posição frágil e perigosamente limitada) ou por se identificarem com um pensamento e uma prática política estrangeira (a britânica, por exemplo, que é o meu caso) identificada com a direita (liberalismo e conservadorismo, por exemplo) e desejarem que esta possa ser importada e adequada à nossa realidade e cultura.
De qualquer forma, apesar dos esforços de vários teóricos, não estou convencido de que esquerda e direita possam ser consideradas categorias conceituais que existem per se e que não dependam de circunstâncias específicas da realidade política, considerando a origem geográfica dos conceitos no parlamento francês. Considero ser mais adequado que o pensamento, a ideologia e a prática política sejam identificados pelo que são (conservador, liberal ou socialista) para que não haja as confusões de praxe, como qualificar um partido social-democrata como o PSDB como representante da direita simplesmente porque não é o PT ou PSOL.
Um exemplo do nosso passado político expõe quão problemática é o uso da dicotomia direita/esquerda, que, se fosse utilizada na época do Segundo Reinado, colocaria o Partido Conservador à direita e o Partido Liberal à esquerda. Mas aos olhos de hoje, o Partido Liberal seria considerado extrema-direita. Na Inglaterra de hoje, se o partido Ukip se tornasse a segunda maior força política do país teria que se posicionar no lado direito do Parlamento e o Partido Conservador, no lado esquerdo. Por causa disso deveríamos passar a considerar os tories como sendo de esquerda e com isso igualá-los aos trabalhistas que hoje são à esquerda na política inglesa?
Voltando à sua pergunta, uma vez definida a posição ideológica ou política, para se fazer entender de uma forma mais abrangente pela população é preciso ter uma posição clara a respeito das principais questões sociais, políticas e econômicas apresentá-las de maneira clara, didática e incisiva. No Brasil, isso significa fazer um esforço para apresentar publicamente o que se defende e refutar amplamente e nos canais adequados aquilo que não se defende, mas que se é acusado de defender. Mas é preciso ser habilidoso e cuidadoso para argumentar sem fazer o jogo dos críticos e dos adversários ideológicos, que são profissionais na artimanha de discutir sem ter razão e de responsabilizar o outro de fazer o que eles fazem.
Também é de suma importância criar espaços na cultura, nas universidades, na imprensa, nas redes sociais, nas instituições, na política formal. Para modificar o panorama cultural e político é necessário desenvolver ativismo e militância.
Um dos principais expoentes do liberalismo brasileiro, o pensador J.O de Meira Penna, afirma em seu livro “O Dinossauro: uma pesquisa sobre o Estado, o patrimonialismo selvagem e a nova classe de intelectuais e burocratas”, que o brasileiro é aparentemente desmemoriado. Acredita que isso seja um dos principais indícios para o corpo político atual ser tão ruim?
A crítica que Meira Penna desenvolve nesse livro é mais abrangente e mais profunda sobre a influência cultural da intervenção estatal. O elemento que você destacou é apenas um dos sintomas de uma mentalidade política que foi construída ao longo da história a partir de uma série de intervenções estatais fundamentadas no patrimonialismo, que sobreviveu porque foi modernizado e tornou-se mais prejudicial para a sociedade.
A mediocridade da classe política deve-se, fundamentalmente, ao avanço da degradação do ensino formal, da corrupção espiritual e da desordem moral da sociedade.
A grande maioria dos empresários, diz que é difícil empreender no país, pois, o sistema trabalhista brasileiro é paternalista. Qual a sua visão sobre esse tema?
O ambiente de negócios no país é radicalmente hostil à iniciativa privada e prejudica, sem preconceito, do empreendedor mais modesto (o pipoqueiro) ao mais próspero (o dono de uma grande indústria). O problema é que o mais modesto está numa posição mais desfavorável em relação ao empreendedor mais próspero, que é menos prejudicado pela sua força econômica. O país está há anos na lanterna nos índices de liberdade econômica elaborados pela Heritage Foundation e pelo Fraser Institute e no índice que mede a facilidade de fazer negócios do Banco Mundial (Doing Business).
Então, não se trata apenas da legislação trabalhista, que é um dos protagonistas desse circo de horrores do qual também fazem parte diversas intervenções estatais como burocracia, carga tributária, etc.
Implantar o pensamento da Escola Austríaca num país onde o Estado tem um peso considerável é difícil em quais pontos?
Para que a Escola Austríaca de economia se torne relevante a ponto de orientar, no futuro, as políticas públicas de um Governo é preciso, antes, aprimorar o estudo, ensino e divulgação dessa escola do pensamento econômico como vem fazendo algumas instituições como o Instituto Mises Brasil e professores que atuam nas universidades. O meu podcast, aliás, é um esforço nesse sentido.
32 partidos não esvazia a política nacional?
Pelo contrário, 32 partidos enchem a política nacional de vários tons de socialismo e comunismo. A maioria esmagadora dos partidos é declaradamente de esquerda. E se analisarmos o programa e o conteúdo ideológico daqueles partidos que não se consideram formalmente de esquerda ou que não parecem sê-lo, verificamos que, no fundo, partilham do mesmo monismo político. Para nosso azar e conta para pagar. Se tantos partidos esvaziassem a política nacional, a nossa situação talvez fosse menos pior.
A liberdade individual no Brasil está ameaçada nesse momento?
Nos dias de hoje, como em períodos anteriores da nossa história, há uma tentativa recorrente do PT e de seus aliados de atacar as liberdades (e não só a individual) no Brasil. Depois de 12 anos no poder, os petistas aprenderam a usar a máquina estatal e os instrumentos da democracia de maneira mais eficaz para minar as liberdades de uma maneira que não seja aparente. Como o fazem? Apresentam propostas mais radicais para testar os limites de reação da sociedade e em seguida propõem agendas que interessam ao partido e que, comparativamente, parecem aceitáveis porque são menos radicais. E assim o partido e seus serviçais avançam até não existir mais meios capazes de pará-los ou combatê-los porque todos os mecanismos políticos e jurídicos os favorecem ou são inócuos.
O mais grave, hoje, é ter uma dimensão cultural da sociedade brasileira completamente ou parcialmente aparelhada e cooptada que relativiza a ideia de liberdade para submeter a outra parcela da sociedade ao projeto de poder do partido.
Todos falam que a produtividade no Brasil está em baixa. Acredita que produtividade baixa se resolve com competição como disse o economista Fabio Giambiagi?
Há vários fatores que explicam a baixa produtividade no Brasil, desde as intervenções estatais que mencionei, passando pelos problemas de ensino e de qualificação do empresário e do trabalhador, aos incentivos negativos gerados e que são o resultado desse ambiente de negócios hostil.
Se não há obstáculos que desestimulem a iniciativa privada e impeçam a concorrência, elemento fundamental para uma economia de mercado saudável, as empresas trabalharão para aumentar a produtividade e a qualidade, e para reduzir os custos e os preços, não para atender os políticos, o Governo e os seus burocratas.
O economista Rodrigo Constantino, disse que o Governo petista é o mais corrupto da história. O Governo do PT é o mais corrupto da história em sua análise?
Pelas informações divulgadas até agora, tudo faz parecer que sim, que o PT conseguirá estabelecer uma marca difícil de ser superada no futuro – a não ser pelo próprio partido. Se houver provas consistentes após a atual investigação realizada pela Polícia Federal, o Petrolão poderá transformar o Mensalão em roubo de galinha.
Existe algo que você goste na esquerda pregada por Marx ou mesmo na esquerda pregada por Charles Péguy?
Estudo parte da obra de Marx [Karl Marx, economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista alemão, 1818 – 1883] por dever de ofício, não por gosto ou por achar que há relevância no que ele escreveu e propôs. Sua teoria econômica e política já foi refutada tanto teoricamente quanto pelos fatos.
Quanto ao Péguy [Charles Péguy, escritor francês, 1873 – 1914], como não estudei os seus livros, nada posso dizer além do fato de que misturar duas ideias equivocadas (socialismo e nacionalismo) não pode dar em boa coisa.
Na pergunta clássica “O que mais prejudicou a humanidade: bancos, religiões ou a ciência”, estudiosos mais à direita, dizem que nenhuma das três foram tão terríveis quanto as Revoluções francesa, mexicana, russa e chinesa que mataram pessoas para buscar a ideia de “um mundo melhor”. Corrobora da mesma visão?
A pergunta que você menciona parte de um profundo equívoco histórico, antropológico, sociológico e econômico. A importância das religiões e da ciência na história da humanidade é inegável, e não creio que os erros invalidem a relevância de ambas. Quanto aos bancos, têm uma função limitada a desempenhar e creio que o poder que os banqueiros adquiriram ao longo da história tem menos a ver com o papel que cumprem do que com a influência e vantagens políticas que adquiriram por interesse dos políticos.
Dessa maneira, presumo que não haja base plausível na comparação entre a primeira pergunta e a afirmação posterior, da qual compartilho a perspectiva severamente crítica a esse tipo de revolução formulada pelo conservadorismo britânico, a começar pelas célebres reflexões de Edmund Burke [filósofo e político anglo-irlandês 1729 – 1797]. As revoluções utópicas das quais a francesa é a matriarca estão alicerçadas 1) num projeto de redenção e modificação da natureza humana pela política com o propósito de moldar o homem ao regime político e 2) pela destruição da cultura e das tradições, que serviriam como escudos naturais de proteção da sociedade. As mortes provocadas por essas revoluções foram a consequência natural de sua natureza infame.
Última atualização da matéria foi há 2 anos
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