O primeiro (e esquecido) conflito global
A Primeira Guerra Mundial foi, por muito tempo, considerada o primeiro conflito global da história. A própria alcunha de “Guerra Mundial” indica essa visão, sustentada por livros didáticos e discursos políticos. De fato, entre 1914 e 1918, o mundo assistiu, perplexo, a um morticínio sem precedentes — milhões de mortos, avanços brutais em armamentos, sociedades inteiras transformadas. Contudo, o rótulo “primeira” não resiste a uma análise mais cuidadosa dos acontecimentos anteriores. Se há um evento que, de fato, envolveu diversas partes do mundo muito antes das trincheiras de Verdun, esse evento foi a Guerra dos Sete Anos, entre 1756 e 1763. Um conflito que, na prática, moldou o sistema internacional moderno e redesenhou mapas inteiros.
Na verdade, quando olhamos com mais atenção para o século XVIII, percebemos que a Guerra dos Sete Anos tem mais méritos para ser chamada de “primeira guerra global” do que a carnificina de 1914. Esse conflito não se limitou à Europa: teve batalhas na América do Norte, combates navais no Caribe, escaramuças na costa da África e, ainda, intensos confrontos no subcontinente indiano. França e Grã-Bretanha lideraram as coalizões rivais, arrastando consigo dezenas de aliados — grandes potências europeias e pequenos reinos locais nos territórios coloniais.
“Seria, portanto, um erro histórico continuar ignorando esse conflito como um divisor de águas planetário.”
O centro do conflito, no entanto, era claro: o controle do comércio global e das rotas marítimas. Por isso, ainda que muito antes do advento da aviação ou das comunicações por rádio, a Guerra dos Sete Anos foi, de fato, travada em escala planetária. Os britânicos saíram vencedores e, disso, nasceu o embrião do que mais tarde seria o império britânico do século XIX — aquele sobre o qual se dizia que “o sol nunca se punha”.
Se a Guerra dos Sete Anos foi tão importante, por que ela não ocupa o imaginário popular da mesma forma que a Primeira ou a Segunda Guerra Mundial? Há algumas razões para isso. A primeira é simbólica: as duas Grandes Guerras do século XX envolveram uma mobilização sem precedentes de sociedades inteiras, conscrição em massa, industrialização do armamento, genocídios, uso de armas químicas e, por fim, o advento da bomba atômica. O impacto psicológico e visual desses eventos — além de sua proximidade no tempo — os fez ofuscar guerras anteriores.
Uma guerra esquecida, mas decisiva
A segunda razão é mais política. A Primeira Guerra Mundial inaugurou a ordem geopolítica do século XX: o colapso de impérios seculares (como o Austro-Húngaro e o Otomano), a Revolução Russa e a gênese de disputas que culminariam na Segunda Guerra. A Guerra dos Sete Anos, por outro lado, é lembrada quase sempre como um preâmbulo da independência dos Estados Unidos, já que foi justamente o custo financeiro dessa guerra que levou a Coroa britânica a cobrar mais impostos de suas colônias na América do Norte — o estopim da Revolução Americana.
Outro aspecto importante: a Guerra dos Sete Anos foi, de certo modo, “um conflito entre reis”, travado por monarcas em busca de glória e expansão territorial. Não houve o envolvimento ideológico e político que marcou as guerras do século XX. Era um jogo de impérios, não de ideias.
Mas o seu impacto foi vasto. O Canadá passou a ser definitivamente britânico. A França perdeu quase todas as suas colônias na América. A Índia foi colocada no caminho que a levaria, décadas depois, ao controle britânico pleno. Na Europa, a Prússia de Frederico, o Grande, consolidou seu poder, prenunciando o que seria, muito depois, a unificação alemã. E, claro, esse rearranjo global semeou ressentimentos futuros que ainda ecoariam em séculos posteriores.
Seria, portanto, um erro histórico continuar ignorando esse conflito como um divisor de águas planetário. Ele foi. Mais que isso: a Guerra dos Sete Anos foi a verdadeira inauguração do século XIX antes mesmo que o século XVIII terminasse.

É possível dizer, com segurança, que foi ali, e não nas trincheiras da Bélgica ou da França, que começou a era moderna da geopolítica global. Uma guerra travada entre impérios que mal imaginavam a globalização que estariam criando — à força, à bala e à pólvora.
Se a Primeira Guerra Mundial marcou o auge das disputas imperialistas, a Guerra dos Sete Anos foi o seu início. A história oficial precisa começar a contar isso melhor.
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