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Será que precisamos de Gretas Thunbergs?

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A figura de Greta Thunberg ainda gera debates tão inflamados quanto no início de sua trajetória como ativista ambiental. Agora, aos 22 anos, a sueca se tornou mais do que um símbolo ecológico; virou um ícone global da militância juvenil. Sua mais recente ação — interceptada pela Marinha israelense — reacendeu uma questão fundamental: precisamos mesmo de Gretas Thunbergs? Ou melhor: precisamos dessas figuras individuais para carregar as lutas do mundo nas costas?

Na última terça-feira (10), Greta foi deportada de Israel após participar de uma tentativa de romper o bloqueio naval imposto à Faixa de Gaza. Em um pequeno navio de ajuda humanitária com outros ativistas pró-palestinos, ela foi detida e enviada de volta à Suécia. Não é a primeira vez que Greta deixa o campo climático para atuar em causas políticas e humanitárias mais amplas. E talvez seja aí que as perguntas começam a se impor: até que ponto um ativista deve se expandir para outros temas? Isso fortalece ou enfraquece a causa que originalmente o projetou?

“Não foram Greta Thunberg nem outros rostos midiáticos que construíram, por exemplo, o Acordo de Paris ou as discussões técnicas sobre descarbonização da economia global.”

Greta não é uma ativista qualquer. Ela representa uma geração inteira que cresceu sob o espectro das mudanças climáticas e do colapso ambiental iminente. Sua ascensão meteórica, desde que começou a faltar às aulas para protestar em frente ao Parlamento sueco, mudou a linguagem dos movimentos ecológicos. De certa forma, foi Greta quem traduziu a crise climática para um vocabulário emocional e juvenil, aproximando o tema das novas gerações. Esse mérito ninguém lhe tira.

Mas à medida que Thunberg expandiu suas frentes de batalha — do clima para direitos indígenas, do clima para Palestina e questões geopolíticas complexas —, seu impacto se tornou mais difuso. Não se trata de questionar a validade das causas abraçadas, mas de discutir estratégia e foco.

O peso de um rosto sobre causas coletivas

As grandes causas do nosso tempo não pertencem a uma pessoa. Não foram Greta Thunberg nem outros rostos midiáticos que construíram, por exemplo, o Acordo de Paris ou as discussões técnicas sobre descarbonização da economia global. Essas conquistas são resultado de processos lentos, diplomáticos, técnicos e muitas vezes invisíveis ao público.

Isso não significa que figuras como Thunberg sejam inúteis — pelo contrário. Elas funcionam como catalisadoras simbólicas. Tornam a pauta “pop”, arrastam multidões, pressionam governos. Mas há riscos. Quando uma figura se sobrepõe à própria causa, cria-se a ilusão de que o problema é responsabilidade daquele indivíduo — ou que basta “derrubar” essa figura para desacreditar toda a agenda. É o que movimentos contrários às agendas ambientais, por exemplo, tentam fazer com Thunberg desde sempre: personalizar o embate, criar caricaturas, deslegitimar pelo rosto e não pela ideia.

Essa personalização excessiva das causas gera outro efeito colateral: o engajamento superficial. Muita gente apoia a pauta por Greta, não pelo clima. E quando Greta atua em outras frentes, essas mesmas pessoas se sentem traídas ou confusas. Afinal, estavam apoiando o combate às mudanças climáticas ou a militância política de uma ativista que agora também desafia bloqueios militares em zonas de guerra?

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Além disso, o caso recente coloca Thunberg numa arena onde as certezas morais são mais difíceis. O conflito Israel-Palestina é carregado de camadas históricas, interesses internacionais e leituras divergentes. Enquanto parte da opinião pública vê o ato como heroico, outra o vê como imprudente ou até mesmo como ingerência externa em questões delicadas.

A pergunta, portanto, não é se Greta está certa ou errada ao tentar ajudar Gaza, mas se esse tipo de ativismo ainda serve para o que ela mesma simboliza. Afinal, uma liderança eficaz precisa saber quando expandir a pauta e quando focar para não diluir sua força.

Greta no pequeno navio de ajuda humanitária que foi interceptado (Foto: Divulgação)
Greta no pequeno navio de ajuda humanitária que foi interceptado (Foto: Divulgação)

Em última instância, o mundo precisa menos de heroínas solitárias e mais de estruturas organizadas. A personalização extrema das lutas é um reflexo da lógica das redes sociais, que transformam qualquer debate em um duelo de nomes. Precisamos de Gretas Thunbergs? Talvez. Mas precisamos ainda mais de coletivos fortes, instituições comprometidas e cidadãos conscientes. O carisma ajuda a acender o fogo, mas é o trabalho anônimo e persistente que mantém a chama acesa.

Greta continuará dividindo opiniões — como todo símbolo faz. Mas o planeta, as sociedades e as causas humanitárias não podem depender do brilho de um só rosto. Precisam de projetos concretos.


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