Soft power e o impacto no consumo
As relações internacionais nunca foram tão sutis. Em um cenário em que as grandes potências não precisam mais, necessariamente, recorrer a tanques ou mísseis para impor sua influência sobre o mundo, o conceito de soft power torna-se o principal motor da geopolítica contemporânea. Criado pelo cientista político Joseph Nye nos anos 1990, o termo define o poder de um país ou grupo exercer influência através de cultura, valores e políticas, em vez de coerção militar ou pressão econômica direta. Na prática, é convencer, e não obrigar. Mas há uma faceta menos discutida dessa estratégia: o impacto direto que o soft power gera sobre o consumo global.
Tomemos como exemplo a disseminação da cultura sul-coreana nas últimas duas décadas. Da música pop (o fenômeno K-pop), passando pelo cinema premiado, até a gastronomia e moda, a Coreia do Sul tornou-se, sem lançar um único míssil, um dos países mais influentes do planeta. Esse movimento não é casual, mas resultado de uma política de Estado orientada para exportar sua cultura. E a consequência mais imediata foi um impulso considerável no consumo de produtos sul-coreanos no Ocidente. Roupas, cosméticos, aparelhos eletrônicos — tudo com a chancela cool e aspiracional dessa potência cultural.
“O problema é que, no centro desse jogo, estão os consumidores globais, muitas vezes transformados em peões inconscientes de um tabuleiro geopolítico sofisticado.”
No entanto, esse mecanismo gera efeitos complexos. O soft power cria um ciclo em que a influência cultural estimula o consumo, e o consumo reforça a influência cultural, fechando uma engrenagem que molda o comportamento de massas. O que se veste, o que se assiste, o que se deseja — tudo isso passa a ser, muitas vezes, uma extensão de políticas estatais de influência global.
Esse mecanismo não é exclusivo da Coreia. Os Estados Unidos foram pioneiros, na prática, desde Hollywood até o fast-food. Marcas como McDonald’s, Coca-Cola e Disney tornaram-se ferramentas diplomáticas involuntárias, moldando o gosto e as aspirações de gerações inteiras. A China também embarcou no projeto: a ascensão de aplicativos como TikTok não é apenas uma febre juvenil, mas parte de uma estratégia de influência digital que, no final da linha, impacta o consumo de produtos chineses — e até padrões comportamentais.
Cultura global, consumo local
Mas existe uma contradição evidente. Enquanto a cultura de um país conquista corações e mentes, o consumo estimulado por essa influência frequentemente entra em rota de colisão com discursos contemporâneos sobre sustentabilidade, equilíbrio ambiental e produção responsável. O crescimento da demanda por produtos coreanos ou americanos, por exemplo, não veio acompanhado de um questionamento profundo sobre os custos ambientais e sociais desse novo padrão globalizado de consumo.
Além disso, a padronização dos gostos tende a sufocar produções culturais locais. Em países emergentes, produtores culturais, pequenos artistas e até setores industriais encontram dificuldade para competir com o apelo global de gigantes culturais financiados por políticas estatais. O que para um país é soft power, para outro pode ser sufocamento criativo e perda de identidade cultural.
Hoje, o soft power não está mais restrito à cultura pop. Influência acontece também por meio de tecnologia, plataformas digitais e, claro, Inteligência Artificial. Empresas como Google, Apple, Alibaba ou Samsung tornaram-se símbolos nacionais exportadores de identidade, e as escolhas que fazemos diariamente — desde o celular até o filme assistido no streaming — são parte desse xadrez silencioso da diplomacia cultural.
O problema é que, no centro desse jogo, estão os consumidores globais, muitas vezes transformados em peões inconscientes de um tabuleiro geopolítico sofisticado. Cada compra ou clique se torna uma pequena alavanca que move engrenagens muito maiores do que a decisão individual poderia sugerir.

É claro que consumir cultura estrangeira não é um erro em si. A troca cultural sempre existiu e é uma riqueza humana. Mas o ponto crucial é perceber como essa troca, hoje, é mediada por estratégias sofisticadas de influência que visam retorno econômico e político. Não basta mais perguntar “o que gosto de consumir?”, mas também: “por que gosto disso? Quem construiu essa preferência?”
A globalização transformou o soft power na principal ferramenta silenciosa de poder. Mas ela também criou consumidores desavisados, inseridos em circuitos econômicos que nem sempre correspondem aos seus interesses ou valores. Em tempos de crise climática e desigualdade social, talvez seja hora de olharmos o que consumimos com mais ceticismo — e entendermos que cultura também é política.
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