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Armando Avena fala sobre Luiza Mahin

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A maior revolução urbana de escravos no Brasil completou 185 anos. Um dos acontecimentos mais notórios durante o Brasil Imperial. Na noite de 25 de janeiro de 1835, cerca de mil homens e mulheres tomaram a cidade de Salvador. Armados de facões, navalhas e parnaíbas, os escravos ocuparam as ruas e enfrentaram, durante horas, soldados que lhe deram combate cerrado, como se fosse um exército organizado. Os escravos não atacavam os civis, apenas os militares e jagunços, o que ainda não foi explicado pela historiografia. Quem liderou a revolta foram negros muçulmanos, alfabetizados e cultos, que buscavam conquistar a libertação dos escravos e expandir a religião do islã entre os africanos que viviam na Bahia. Os líderes da rebelião foram o muçulmano Ahuna e a escrava liberta, Luiza Mahin, protagonista do novo romance do escritor baiano Armando Avena, lançado em dezembro, pela Editora Geração. Nome de escola e coletivo em Salvador, e de uma praça, na Freguesia do Ó em São Paulo, Luiza Mahin, mãe do poeta Luiz Gama, teria liderado a revolta junto ao líder muçulmano, mas, embora seja venerada em Salvador, há uma polêmica sobre sua existência, pois, a heroína é considerada por alguns historiadores como personagem fictícia, carente de comprovação histórica. Avena resgata a figura de Mahin e mostra sua contribuição ao ato histórico e a libertação dos escravos.

Armando, o seu livro “O Manuscrito Secreto de Marx” é bastante elogiado. Você acredita que trouxe um Marx que foge do senso comum em sua obra?

Sim, pois, o livro busca mostrar um Marx mais humano. Além disso, Marx foi o filósofo mais deturpado de todos os tempos. Lenin, por exemplo, foi o maior de todos os revisionistas e deturpou completamente a teoria marxista. Sua teoria faria Marx se revirar no túmulo. Marx nunca aceitaria uma vanguarda dirigente como a imposta na União Soviética, nem um estado burocrático centralizado. Um monte de gente que não leu Marx coloca seu nome em um monte de coisas que ele nunca disse. Meu livro tenta mostrar isso. De forma romanceada, claro.

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Qual foi o impulso inicial para a feitura do livro sobre Luiza Mahin.

Luiza Mahin está no imaginário da população negra e é uma personagem sempre presente na história oral do Brasil. Ela é nome de praça em São Paulo, nome de rua em Curitiba e está em toda a parte em Salvador, onde é cultuada como heroína, no entanto, a historiografia oficial não a reconhece. O impulso inicial foi o desejo de conhecer melhor essa mulher negra que, embora tenha sido escrava, é livre na sua essência e torna-se líder da maior rebelião urbana de escravos no Brasil.

Quais detalhes lhe chamaram a atenção na hora de escrever o romance?

Em 25 janeiro de 1835, aproximadamente mil homens e mulheres, armados e vestidos de branco, tomaram a cidade de Salvador com o objetivo de libertar os escravos e criar um Estado Islâmico no Brasil. Esses revoltosos eram escravos negros muçulmanos alfabetizados, que se uniram a negros animistas (não-muçulmanos) para assim tomar o poder. E fizeram uma revolta que foi planejada em todos os detalhes e até um banco foi criado para financiar as ações. Tudo isso foi surpreendente, mas o que me chamou atenção nessa revolta por si só incrível é que entre os líderes havia uma mulher. Minha intenção foi romancear o papel dessa mulher tão linda e tão forte.

Por que nem todo historiador reconhece a existência dela?

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A revolta é muito estudada, mas pouco explicada. Não se sabe, por exemplo, como negros mulçumanos se uniram aos negros de outras religiões, sendo tão rígidos nas suas crenças. Não se sabe tampouco porque eles não atacaram os brancos, os civis, mas só os soldados. Nada disso está explicado, como também a falta de documento sobre um personagem que, 185 anos depois, está no imaginário de Salvador. A existência ou não de Luiza Mahin causa acalorados debates entre os historiadores e a justificativa é que não existem documentos formais que a identifiquem, mas como explicar sua presença em Salvador, sendo nome de escola, coletivo e nome de praça em São Paulo e venerada em vários locais do Brasil. Luiza está no imaginário do Brasil e os historiadores necessitam buscá-la com mais afinco.

Hoje se usa muito a palavra empoderamento. Luiza já era empoderada antes mesmo da palavra estar em voga?

Sim, ela é símbolo da libertação da mulher e da luta contra o machismo, tanto branco quanto negro. No romance, Luiza Mahin tem ascendência entre os negros e é uma mulher livre, uma negra liberta dona do seu nariz e de seus amores. Ela foi amante de Ahuna, líder da revolta muçulmana, mas também de homens brancos, como o do procurador da cidade, o branco Angelo Ferraz. Seu filho, Luiz Gama foi o primeiro poeta negro do Brasil. O romance tenta mostrar que o empoderamento da mulher existiu mesmo entre os escravos. Luiza era uma princesa e, com sua beleza e sua inteligência, pois, ela era uma mulher alfabetizada, tinha ascendência sobre brancos e negros.

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Naquela época a liderança de uma mulher não era algo natural, certo?

Não é bem assim. A historiografia sempre procurou ocultar o poder das mulheres. Na Bahia, elas eram mães-de-santo, dirigiam terreiros, eram consideradas guias. Em Cachoeira, as mulheres escravas criaram, há 200 anos, a Irmandade da Boa Morte e eram líderes com muitos seguidores. Sempre houve mulheres empoderadas, mas a História fez por onde escondê-las.

Como ela consegue liderar nesse ambiente?

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Luiza era uma princesa na África e por ter sido escrava dos ingleses, que eram contra a escravidão e permitiam aos escravos muitas liberdades, aprendeu o português e o árabe e passou a transitar por todas as religiões. Tornou-se ecumênica e livre. Essa é a minha Luiza, que é de certa forma um símbolo da mulher. E essa é a intenção do romance: contar a saga de uma mulher negra, livre e poderosa e que está no imaginário do povo brasileiro.

Quanto tempo de pesquisa foi gasto para essa obra?

A pesquisa levou dois anos. Uma pesquisa bibliográfica imensa e muitas horas nos arquivos em Salvador.

Quais as maiores dificuldades nessa pesquisa?

As poucas referências à Luiza Mahin. Como se todos estivessem dispostos a apagá-la da História. Mas seu filho, Luiz Gama, fala dela com orgulho e diz que ela foi uma guerreira forte e linda. E há outros historiadores e romancistas que também contam sua história. Admito que os historiadores estão com razão quando se queixam da carência de documentos que comprovem sua existência, mas sou um escritor, e a licença poética me dá a certeza que ela existiu.

O que os leitores podem esperar desse livro?

É um romance cuja narrativa acompanha a revolta dos negros muçulmanos, mas entrelaça o movimento com a história e os amores da sua líder, Luiza Mahin. Luiza tornou-se uma negra liberta e dona de seus romances, e se relacionou com um fidalgo português, que derivou no nascimento de seu filho Luiz Gama, o primeiro poeta negro brasileiro. Foi amante de Ahuna, líder da revolta muçulmana, de Diogo e do procurador da cidade, o branco Angelo Ferraz. Essa liberdade irritava brancos e negros.

Quem ler o livro verá que Luiza é o principal elo de diversos personagens recorrentes da tradição oral da Bahia, que terão suas histórias expostas. E a obra retrata aspectos do cotidiano da maior cidade negra do Brasil na época escravista, e a relação de miscigenação imposta entre os Senhores de Engenho e mulheres negras escravizadas.

Notamos que as suas obras têm um traço comum que é a liberdade. Como podemos tirar proveito dessa palavra que é tão difícil de ser exercida em sua totalidade?

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A vida de Luiza Mahin é um símbolo da defesa da liberdade. Liberdade mesmo na escravidão, liberdade mesmo para quem é mulher. Como escritor sempre tive curiosidade sobre os movimentos que tentam suprimir a liberdade das mulheres, como se tivessem medo delas e procurassem limitá-las, e sempre tive carinho pelas mulheres que lutam para manter-se livres. As mulheres sempre foram um símbolo de liberdade, pois, durante todo o sempre a sociedade tentou escravizá-las e os personagens femininos que se rebelaram contra a escravidão sempre me interessaram. A sociedade não dá a palavra as mulheres. Por isso, escrevi um livro chamado, “O Evangelho Segundo Maria”, para dar a palavra a Maria Madalena e “Maria, mãe”, cuja voz foi apagada das Escrituras. Por isso escrevi Luiza Mahin, para dar voz a uma mulher negra e livre que permaneceu livre ainda que todos, brancos e negros, tentassem escravizá-las.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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