Reconstrução de marcas na era das distrações
Mais de 1,4 milhão de empresas fecharam suas portas em 2021, segundo dados do Ministério da Economia. Driblar tamanha crise econômica não foi fácil – exigiu muita perseverança e, acima de tudo, a reinvenção das companhias de todos os portes e segmentos. Em meio a este cenário desafiador, Vinicius Covas, doutor em comunicação e autor do livro “Criando Marcas na Era das Distrações”, defende a hipótese de que toda marca tem a necessidade de se reinventar para sobreviver, principalmente em um momento como o que vivemos. “A pandemia alterou muitas dinâmicas sociais, acelerou a adoção da tecnologia e ampliou a consciência e sensibilidade social, exigindo uma nova postura das empresas”, destaca. Segundo ele, o comportamento do consumidor mudou completamente durante o isolamento social. “Novas necessidades e desejos emergiram. Se adaptar se tornou obrigatório para qualquer negócio que tenha a ambição de seguir vivo na próxima década”, defende. Toda essa mudança, impactada por uma mutação nos processos sociais, também altera os modelos de negócios, o relacionamento com os consumidores e a arquitetura de comunicação. Fenômenos que marcam nossa sociedade demandam abordagens granulares, já que são cataclísmicos, provocando a transformação de padrões e inaugurando novas formas de conceber processos.
Vinicius, as redes sociais são as “principais” culpadas pela era da distração?
Toda tecnologia afeta o curso de uma sociedade. Quando a prensa de Gutenberg foi inventada, o que permitiu uma rápida e maior propagação dos manuscritos durante a Idade Média, não só benefícios foram externados pela sociedade daquela época, também existiu toda uma preocupação de que isso poderia afetar a forma de como se consumia os livros, o mesmo se diz agora entorno a ideia do Metaverso. As redes sociais são representações de comunidades e seria uma perspectiva muito crítica escusar nossas mazelas em uma tecnologia fundamentada por nós mesmos, de forma que muito vai depender de nossa organização social, valores, condutas fora da rede digital. Ninguém culpa o gato distraído por passar o dia brincando com sua bolinha de lã devido a sua irracionalidade. É uma questão de orientação: quem nos ensinou a usar as redes sociais? Acredito que quando começarmos a colocar a “internet” no mesmo patamar pedagógico que disciplinas como geografia, história, química, podemos começar a questionar nossa didática e uso.
Você concorda que o maior ativo de uma empresa hoje é seu poder de persuasão para retenção desse usuário ou cliente?
Está mais que comprovado que é muito mais custoso adquirir do que reter clientes, chegando a ser 6 ou 7 vezes mais caro atrair um cliente novo do que reter, além do mais, 70% dos casos um cliente novo chega por recomendação de um cliente anterior, a partir dessa perspectiva, sim, a retenção de clientes é extremamente essencial para o crescimento de uma empresa. Paralelo a isso vemos a influência do fator “comunidade”, que é essencial para uma marca que busca se posicionar em um mercado tão competitivo. Por trás de cada empresa estão pessoas e esse é o maior ativo.
Como a criatividade pode ser uma aliada para essas empresas?
Em um contexto altamente mutável como é a sociedade de consumo, desenvolver uma mentalidade criativa aplicada aos negócios é essencial para a manutenção do valor de marca de uma empresa e sua posição na mente do consumidor. A jornada do cliente hoje em dia participa de inúmeros pontos de contatos e que necessitam ser meticulosamente estudados com o consumidor em foco. A criatividade nesse processo é uma aliada porque nos permite renovar e seguir provendo uma interação atrativa e alinhada com a expectativa do usuário.
A criatividade pode sustentar essa retenção sozinha?
Adotar uma mentalidade criativa é uma capacidade que definitivamente transforma empresas em marcas, entretanto, considero que além da criatividade uma orientação estratégica contribui nesse processo de sustentar uma retenção de clientes. Uma qualidade que se encontra nos melhores times de marca é a presença de uma multidisplinariedade onde criativos e estratégicos trabalham alinhados ao objetivo de negócio, dessa forma, considero que uma capacidade criativa estratégica se torna crucial para alcançar objetivos que envolvem um melhor relacionamento entre marcas e consumidores.
Quais outros caminhos podem ser ajustados para se chegar nesse cliente com maior assertividade?
Uma total compreensão do consumidor é necessária para alinhar as mensagens de comunicação da marca e realmente alcançar um nível de influência e assertividade. Esse conhecimento prévio da base de consumidores esperados é umas das etapas mais importantes durante todo esse processo. Muitas empresas estão preocupadas em maximizar resultados desde uma perspectiva transacional e se esquecem que por trás de todo cliente existe uma pessoa.
O isolamento social também foi um componente dessas mudanças?
Qualquer limitação de estímulos irá influenciar o desenvolvimento de novas habilidades e encurtará outras. Desde a seleção natural de Charles Darwin podemos ver esse fenômeno e que aplicado aos segmentos de consumo, com o fenômeno da pandemia e o isolamento social, se observou que marcas que se adaptaram às condições, puderam se conectar com seus usuários de forma mais genuína e espontânea do que outras.
Essas mudanças vieram para ficar?
Toda mudança é temporal, chega e vai. E esse é o percurso natural da vida e da ordem de mercado. Relevância, interesse, necessidades são passageiras, a chave desse ecossistema é entender onde a sua empresa se posiciona nessa linha do tempo e buscar estender o máximo possível a permanência no mercado que, em minha opinião, necessariamente passará por um entendimento da cultura da sociedade, da comunidade que estou inserido como empresa, como marca.
Como as novas empresas podem engajar mesmo sem ter grandes recursos?
Existem muitas marcas grandes que são pequenas e muitas marcas pequenas que são grandes, e digo isso com base ao conceito de marca, que é realmente aquilo que o consumidor adota, tatua, é uma marca, como o próprio nome diz. Empresas sem grandes recursos precisam dedicar sua atenção na construção de marca, e isso vai levar essas empresas a constituir uma comunidade que se bem alinhada com os valores de marca irá crescer e se desenvolver junto com a empresa.
As marcas que anseiam por ser mais bem-sucedidas terão uma forma de comunicação mais simples?
Marcas fortes têm adotado um fundamento de rebranding, que nada mais é do que eliminar mensagens de comunicação em excesso. Costumo dizer que às vezes se limitar é o caminho para realmente construir uma mensagem de marca mais clara. Não sinto que o peso está em ser “mais simples”, talvez mais objetivo, mais claro, é o caminho. A efêmera do consumo participa e se dificultamos esse processo de interpretação de signos por parte dos consumidores, também dificultaremos esse relacionamento entre marca e usuários.
O que as empresas não podem perder para não se tornarem simplistas ao invés de simples?
O fundamento base de uma empresa, enquanto a esse aspecto, deve ser sua capacidade de desenvolver uma comunicação com os seus consumidores de forma clara e que promove uma relação além da transacional. O consumidor moderno está necessitado de marcas que transcendam, que participem ativamente da sociedade e que contribuem para o desenvolvimento comum. Empresas que não desempenhem um papel participativo e colaborativo cairão no rótulo temporal e são altamente dispensáveis. Ser simplista é ser elementar e eu considero uma característica importante, mas é importante ir além e se perguntar o real propósito da empresa.
Um consumidor 5.0 é mutável e busca a todo momento informações com o seu respectivo smartphone. As marcas também devem ser mutáveis nesse sentido?
É dicotômico porque marcas são analogias de cicatrizes, impressões, rótulos, etiquetas, algo que se fixa e se marca, entretanto, a partir de uma veloz mutação dos processos de intercâmbio social que leva a uma reconfiguração de como interpretamos métodos em nossa sociedade, o segmento do consumo passa por esta atualização. Marcas precisam desenvolver uma habilidade de simbiose com a sociedade, uma vez que uma sustenta a sobrevivência da outra, e se o que vemos são transformações sociais isso significa que marcas de igual maneira deverão se adaptar-se ao entorno, como qualquer relação biológica, mas sem perder sua essência natural, que permitiu em seu momento a sua germinação.
Última atualização da matéria foi há 2 anos
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