Rei Charles III e seus US$ 716 milhões
O reinado de Charles III pode não contar com o mesmo carisma inabalável de sua mãe, a rainha Elizabeth II, mas uma coisa ele já superou: a fortuna. Segundo estimativas atualizadas para este ano, o monarca britânico acumula cerca de US$ 716 milhões — um valor superior ao patrimônio deixado por Elizabeth II ao falecer em setembro de 2022. No Reino Unido, essa cifra chama atenção não apenas pelo volume, mas pelo que ela representa: o entrelaçamento, ainda muito vivo, entre monarquia e privilégios econômicos.
Boa parte desse patrimônio é derivada dos ativos da Coroa — entre eles, o Ducado da Cornualha, o Ducado de Lancaster e propriedades históricas como Sandringham House e Balmoral Castle. Embora esses bens não possam ser vendidos por Charles, o que ele detém são os lucros gerados pelas propriedades. Em resumo, o monarca é mais gestor de uma máquina de gerar renda do que proprietário em sentido estrito. E é justamente aí que mora o ponto sensível: por trás do verniz tradicional da monarquia britânica, há um sistema muito eficiente de concentração de riqueza, beneficiando uma única família com blindagens legais e fiscais que não se aplicam ao cidadão comum.
“Em uma era de crescente questionamento sobre desigualdade social, o modelo de fortuna monárquica, tão blindado quanto heráldico, já não passa tão incólume.”
Os Ducados da Cornualha e de Lancaster são, por definição, patrimônios privados que geram receita anual livre de impostos para o herdeiro do trono e para o monarca reinante, respectivamente. No caso de Charles, durante décadas ele já usufruía do Ducado da Cornualha como príncipe de Gales. Hoje, como rei, passou a controlar o Ducado de Lancaster — uma propriedade com valor estimado em mais de US$ 700 milhões, que em 2024 gerou cerca de US$ 28 milhões em receita líquida para o soberano.
Embora tecnicamente esses ativos sejam mantidos em nome do trono, e não da pessoa, a separação prática entre público e privado na monarquia britânica continua sendo nebulosa. Isso se reflete no fato de que Charles não paga imposto sobre herança — uma regalia concedida aos monarcas que, na prática, permite que transferências de patrimônio entre membros da família real escapem do fisco. No mundo comum, um cidadão britânico que herda um imóvel ou fundo financeiro deve entregar até 40% do valor ao Tesouro. Já a monarquia, sustentada por essa mesma população, não tem as mesmas obrigações.
Além disso, propriedades privadas como Sandringham e Balmoral, herdadas diretamente de Elizabeth II, são de posse pessoal do rei. Diferente do Palácio de Buckingham, que é um bem da Coroa (e, em tese, do Estado), essas residências são ativos imobiliários que Charles pode manter, reformar, alugar ou mesmo vender — o que não se espera, mas é juridicamente possível. Juntas, essas propriedades são avaliadas em centenas de milhões de dólares.
Um império financeiro sob coroa e cetro
Não se trata de condenar o acúmulo de patrimônio em si. O problema é a arquitetura institucional que o facilita, sem transparência nem exigência de prestação de contas ao público. Os fundos reais permanecem envoltos em sigilo, e as finanças da monarquia só são auditadas em parte. Relatórios do Sovereign Grant — a parcela do lucro do Crown Estate devolvida ao rei para manutenção da monarquia — são divulgados, mas com pouca clareza sobre os gastos individuais dos membros da família real. O próprio Charles, desde que assumiu o trono, prometeu “modernizar” a monarquia. Mas, até agora, essa modernização parece ter se limitado a mudanças cosméticas na comunicação, e não a um debate mais profundo sobre privilégios fiscais e propriedade pública versus privada.
A título de comparação, o rei Charles III possui hoje uma fortuna maior do que qualquer outro chefe de Estado europeu. Supera os monarcas escandinavos, geralmente mais discretos em relação ao acúmulo patrimonial, e mesmo os bilionários reinantes do Golfo Árabe, cujas fortunas, embora muito maiores, estão atreladas ao controle estatal do petróleo. No caso britânico, estamos diante de uma figura simbólica, sustentada por uma base constitucional e parlamentar, mas que ainda retém direitos e rendimentos raros — sem as responsabilidades e tributações correspondentes.

Enquanto o custo de vida no Reino Unido segue em alta e cortes orçamentários afetam áreas sensíveis como saúde e educação, a manutenção da família real custa aos cofres públicos centenas de milhões de libras por ano. Os defensores da monarquia argumentam que o turismo e o prestígio internacional compensam. No entanto, em uma era de crescente questionamento sobre desigualdade social, o modelo de fortuna monárquica, tão blindado quanto heráldico, já não passa tão incólume.
Charles III, coroado sob a promessa de ser um rei mais “moderno” e “enxuto”, carrega agora não apenas a responsabilidade institucional, mas também a simbólica: explicar por que, em pleno 2025, o chefe de Estado de uma das maiores democracias do mundo acumula uma fortuna pessoal de US$ 716 milhões — e por que isso ainda parece aceitável para parte considerável do público britânico.
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