Sylvio Gonçalves fala sobre Jacques Demy
O roteirista Sylvio Gonçalves é o curador da mostra que acontece na CAIXA Cultural no Rio de Janeiro, entre os dias 10 e 22 de outubro de 2017, intitulada “Retrospectiva Jacques Demy: Entre o Realismo e a Fantasia”, que abrange um painel amplo da carreira do cineasta francês, associada à música marcante de compositores como Michel Legrand e ao talento de estrelas como Catherine Deneuve, Anouk Aimée, Marcello Mastroianni e Gene Kelly. Serão apresentados 11 filmes do cineasta, dos quais cinco exibidos em sua bitola original 35 mm e três inéditos no Brasil, além de filmes relacionados ou influenciados por sua obra. Gonçalves é formado em jornalismo (Faculdade da Cidade) e cinema (UNESA). Foi roteirista dos longas-metragens “Sem Controle” (2007), de Cris D’Amato; “S.O.S. – Mulheres Ao Mar” (2014), de Cris D’Amato; “Confissões de Adolescente” (2014), de Daniel Filho e Cris D’Amato; “S.O.S. – Mulheres Ao Mar 2” (2015), de Cris D’Amato; “É Fada!” (2016), de Cris D’Amato; “Eu Fico Loko” (2017), de Bruno Garotti e “Festa da Firma” (2017) de André Pellenz. Diretor dos curtas-metragens “Play-Rec” de 1993 e “Roleta” de 2002. É autor dos livros infanto-juvenis “Liberdade Virtual” (Editora Saraiva, 1998), “Saci à Solta” (Editora Saraiva, 2008), “Três Vinganças” (Editora Atual, 2011), e do livro de curiosidades sobre a televisão “Santa Pergunta, Homem-Morcego!” (Editora 34, 1994).
Sylvio, o que é preciso para que se tenha um bom roteiro?
Certeza absoluta do que é o seu projeto. A que gênero o filme pertence, qual é o público alvo, quem é o seu protagonista e qual é o tema – assunto, mensagem ou moral – da história. Uma vez que você tenha clareza de todos esses elementos, você tem chance de obter um roteiro que prenda a atenção do espectador.
Quais os maiores “pecados” que um roteiro não pode cometer?
O maior pecado que um roteiro pode cometer é acreditar que ele é uma obra completa. Não é. Um romance é uma obra completa – depois de escrito e revisado, você o publica. Um roteiro é uma obra intermediária. Ele será literatura, mas por pouco tempo – apenas para os outros integrantes da produção, técnicos e atores. Uma vez filmado, ele não é mais roteiro, é filme. Portanto, o profissional roteirista é um artista que precisa, antes de mais nada, abdicar do ego. Ele é o responsável por uma obra que depois de “finalizada” será complementada pelos talentos de outros profissionais: diretor, produtor, atores, compositor, montador, etc.
O seu filme preferido é “2001: Uma Odisseia no Espaço”, do gênio Stanley Kubrick. Por que essa obra lhe marcou tanto?
Provavelmente por causa do momento em que a assisti, quando tinha 15 anos. Era quando estava descobrindo que eu era um cinéfilo. 2001 é uma encruzilhada de muitos tipos de cinema. É espetacular e é intimista. É narrativo e é experimental. Pertence claramente a um gênero, a ficção científica, mas transcendeu a forma como esse gênero era trabalhado pelo cinema até a época de seu lançamento. Assisto a 2001 uma vez por ano, e a cada vez tenho a impressão de que estou diante de um filme novo. Obviamente, quem está mudando não é o filme – sou eu e o momento histórico em que o estou assistindo. Esse é um fenômeno que só acontece com grandes obras.
Para onde você acredita que caminha o cinema nacional?
Durante décadas nosso cinema passou por diversos ciclos, mas apenas recentemente tornou-se verdadeiramente uma indústria. Hoje essa indústria ainda está muito dividida entre filmes autorais e populares, com a comédia dominando esse segundo grupo. Acredito que o fortalecimento da indústria e o amadurecimento de nossos profissionais irá nos brindar com uma maior diversidade de gêneros cinematográficos. Somos peritos em comédias e dramas, mas a tendência é de que nossos filmes de ação, suspense, ficção científica, fantasia, infantojuvenil e animação deixem de se tornar eventuais.
No que a tecnologia afetou o cinema de uma forma não tão boa como outrora, afinal os ganhos todos nós já sabemos…
Cinema é tecnologia. É a primeira arte criada a partir de uma invenção – especificamente, o cinematógrafo. O cinema se beneficia de todos os avanços tecnológicos.
“S.O.S – Mulheres ao Mar”, foi um roteiro que teve que ser reescrito algumas vezes ou a ideia estava bem clara quando concebida?
S.O.S. nasceu do desejo da diretora Cris D’Amato de fazer uma comédia a bordo de um navio. A primeira ideia que nos ocorreu (a esposa que embarca num navio para arruinar a lua de mel do marido com a “outra”) foi desenvolvida organicamente do começo ao fim do processo. Em meu primeiro argumento, a protagonista era acompanhada apenas pela irmã. Mas quando comecei a escrever o roteiro em parceria com Rodrigo Nogueira, ele trouxe a ideia de incluirmos a doméstica da protagonista na viagem. Isso nos permitiu trabalhar com três arquétipos de personagens diferentes, e fortaleceu muito o resultado.
O que há de melhor e digamos de não confortável, quando se escreve um roteiro com mais de uma pessoa?
Escrever é uma atividade solitária. Quem escreve sozinho costuma sofrer mais com dúvidas sobre o resultado que está obtendo. Você está sendo ousado? Você está se contendo? Tal ideia é clichê ou fora do tom da história? Escrever em parceria acaba com a solidão e traz o conforto de se ter alguém para julgar instantaneamente as suas ideias. Ter uma resposta imediata é um alívio. Já trabalhei com parceiros no mesmo escritório ou à distância, e a experiência sempre foi agradável e elucidativa. O único desconforto que me ocorre sobre a criação em parceria é que ocasionalmente é difícil conciliar as agendas.
Você também é autor de livros infantojuvenis. Quais as maiores diferenças e similaridades em se escrever um livro e um guião para o cinema?
Escrever um livro oferece mais liberdade ao autor. Por exemplo, você não precisa limitar um romance a um determinado tamanho, como é o caso de um roteiro, em que um longa-metragem costuma ter aproximadamente uma centena de páginas. Num livro, você não tem limite de orçamento, pode ter quantos personagens ou cenários que a sua história pedir. Num roteiro, você precisa trabalhar tendo em mente os recursos de produção do filme. Mas a principal diferença é que num livro você pode expor ao leitor a mente do personagem, dizer como ele se sente e por que executa cada ação. Num roteiro, as emoções e motivações do personagem são expressas por seus atos. Um livro conta, um roteiro mostra. E mostrar costuma ser mais difícil do que contar.
Em uma certa ocasião, você já afirmou que os roteiristas mais jovens menosprezam a pesquisa. Por que isso ocorre em sua visão?
Não devo ter me referido a “roteiristas mais jovens”, mas a “roteiristas iniciantes”. Escrever um roteiro é muito empolgante, e quando você ainda não é experiente, você pode se sentir tentado a começar a escrever antes de conhecer completamente o seu assunto. Isso aconteceu comigo quando comecei a escrever. Creio que todo roteirista acaba compreendendo que a fase de pesquisa não é desperdício de tempo, muito pelo contrário. Algumas das minhas ideias que funcionaram melhor vieram a partir da observação e do estudo de um determinado ambiente ou situação.
Quando a obra de Jacques Demy começou a lhe chamar a atenção a ponto de despertá-lo para realizar uma mostra?
Você apontou que “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, é meu filme favorito. Se você me pedir para citar quais são os meus outros filmes favoritos, eu só vou conseguir nomear o segundo: “Duas Garotas Românticas”, de Jacques Demy [diretor e roteirista de cinema francês. Em 1956, recebeu menção honrosa no Festival de Berlim pelo documentário de curta-metragem “Le sabotier du Val de Loire”, 1931 – 1990]. Eu acho que esse filme me fascina pela mesma razão que “2001” – ele também conjuga muitos tipos de cinema. É uma comédia, é um musical, é um drama e, em dado momento, o enredo surpreende o espectador com uma história de assassinato passional. Eu assisti a esse filme na TV, e assim que pude, comecei a conhecer as outras obras de Demy, como “Os Guarda-Chuvas do Amor” e “Pele de Asno”. Qual não foi a minha surpresa quando descobri que tinha assistido ao meu primeiro Demy quando ainda era criança? “A Lenda da Flauta Mágica” foi um filme que marcou muito a minha infância, e que demorei a rever. Redescobri-lo foi emocionante. Está na mostra.
O que espera trazer ao público com essa retrospectiva?
Jacques Demy é mais conhecido fora da França por “Os Guarda-Chuvas do Amor” e, em menor escala, por “Duas Garotas Românticas” e “Pele de Asno”. Porém, seus dois primeiros filmes (“Lola a Flor Proibida” e “A Baía dos Anjos”) ficaram à sombra de outras obras mais marcantes do movimento da Nouvelle Vague, enquanto as últimas obras de Demy nem chegaram a ser lançadas comercialmente no Brasil. Nossa mostra traz algumas dessas preciosidades, como a ópera política “Um Quarto na Cidade” e “Parking”, uma fascinante releitura do mito de Orfeu e Eurídice no ambiente do rock francês dos anos 1980.
Última atualização da matéria foi há 3 anos
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