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A Alemanha não aprendeu com a história

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Em 23 de fevereiro, a Alemanha testemunhou um marco inquietante em sua trajetória política: o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) alcançou 19,5% dos votos nas eleições parlamentares, conforme indicaram as pesquisas de boca de urna. Este resultado representa o melhor desempenho da sigla desde sua fundação, consolidando-a como a segunda maior força política do país. A colíder do AfD, Alice Weidel, celebrou o feito, afirmando que o partido “nunca esteve tão forte” e que, nas próximas eleições, pretende superar a União Democrata Cristã (CDU) para assumir a liderança política na Alemanha.

O clima de euforia entre os apoiadores do AfD contrasta com a apreensão de muitos que veem nesse avanço uma perigosa repetição de erros históricos. A ascensão de um partido de extrema-direita em um país com um passado marcado pelo nazismo levanta questões sobre a memória coletiva e a capacidade da sociedade alemã de aprender com os eventos traumáticos do século XX. Além disso, a inclusão de figuras radicais no parlamento, como Matthias Helferich e Maximilian Krah, conhecidos por minimizar crimes do passado e por envolvimentos controversos, intensifica o debate sobre os rumos da política alemã e a possível normalização de ideologias extremistas.

A ascensão da extrema-direita no cenário político alemão

O avanço do AfD nas recentes eleições não é um fenômeno isolado, mas sim o culminar de uma série de eventos que refletem a crescente polarização do eleitorado alemão. A inclusão de figuras radicais em sua bancada parlamentar, como Matthias Helferich, que se autodenominou “o rosto amigável do nacional-socialismo”, e Maximilian Krah, que minimizou os crimes das SS e enfrentou investigações por supostos pagamentos da Rússia e da China, indica uma radicalização interna do partido. Analistas apontam que essa guinada extrema pode ser uma estratégia para consolidar uma base eleitoral insatisfeita com os partidos tradicionais, explorando temas sensíveis como imigração e identidade nacional. No entanto, essa tática também pode aprofundar as divisões sociais e políticas, colocando em risco os valores democráticos que sustentam a República Federal da Alemanha desde o pós-guerra.

Polarização e fragmentação do eleitorado alemão

As eleições de 2025 evidenciaram uma fragmentação significativa do cenário político alemão. Enquanto o AfD alcançou 20,8% dos votos, o partido de extrema-esquerda Die Linke também registrou um crescimento, obtendo 8,8% dos votos, seu melhor desempenho em anos. Essa polarização reflete um eleitorado cada vez mais dividido, onde os partidos tradicionais, como a CDU e o SPD, viram sua participação combinada cair para 44,9%. A emergência de partidos populistas menores, como o BSW, também contribui para a complexidade na formação de coalizões governamentais estáveis. Esse cenário fragmentado não apenas dificulta a governabilidade, mas também indica uma sociedade em busca de alternativas fora do espectro político convencional, possivelmente em resposta a questões não atendidas pelas políticas tradicionais.

Influência de campanhas de base na contenção da extrema-direita

A resposta ao crescimento da extrema-direita na Alemanha tem mostrado que campanhas de base podem ser eficazes na contenção desse avanço. O desempenho robusto de Die Linke entre eleitores jovens, especialmente na faixa de 18 a 24 anos, sugere que abordagens focadas em engajamento comunitário e mobilização local podem contrapor a retórica nacionalista do AfD. Isso indica que, em vez de adotar políticas anti-imigração na tentativa de atrair eleitores da extrema-direita, os partidos centristas poderiam investir em estratégias de base que promovam inclusão e diálogo. Tais iniciativas não apenas desafiam a narrativa extremista, mas também fortalecem os valores democráticos ao envolver diretamente a população nos processos políticos.

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Implicações ambientais da guinada política

A ascensão do AfD, conhecido por suas políticas radicalmente antiambientais, levanta preocupações sobre o futuro da agenda verde na Alemanha. Embora o partido não deva integrar o governo, sua presença ampliada no parlamento pode influenciar debates e decisões relacionadas às políticas climáticas. Friedrich Merz, líder da CDU/CSU e provável novo chanceler, apesar de planejar continuar grande parte da agenda verde da Alemanha, pode enfrentar pressões internas e externas que afetem a implementação de medidas ambientais. A formação de uma coalizão com os sociais-democratas pode limitar mudanças drásticas nas políticas verdes, mas a crescente influência parlamentar do AfD representa um desafio constante para as iniciativas de sustentabilidade e combate às mudanças climáticas.

Quebra do cordão sanitário contra a extrema-direita

Historicamente, os partidos tradicionais na Alemanha mantiveram um “cordão sanitário” em relação à extrema-direita, evitando qualquer forma de cooperação ou aliança. No entanto, a recente eleição sinaliza uma erosão dessa barreira. A CDU, sob a liderança de Friedrich Merz, embora tenha descartado formalmente uma coalizão com o AfD, contou com os votos deste para aprovar certas moções, indicando uma possível normalização das posturas extremistas. Essa aproximação tática pode legitimar o AfD aos olhos do público e abrir precedentes perigosos para futuras colaborações, comprometendo os esforços históricos de manter ideologias ultranacionalistas à margem da política alemã.

Resultados eleitorais alarmantes nos estados orientais

A força do AfD é particularmente pronunciada nos estados do leste da Alemanha. Nas eleições estaduais de 2024 na Turíngia, o partido conquistou mais de um terço dos votos, tornando-se a maior força política regional. Esse padrão se repetiu na Saxônia, onde a AfD obteve 31,5% dos votos, ficando apenas atrás da CDU. Esses resultados refletem um descontentamento regional que pode estar enraizado em questões econômicas, sociais e históricas específicas do leste alemão. A crescente popularidade da AfD nessas áreas destaca a necessidade de políticas direcionadas que abordem as preocupações econômicas e sociais da população local, evitando que o descontentamento se converta em apoio a plataformas políticas extremistas. O perigo da normalização do discurso ultranacionalista.

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O crescimento eleitoral da AfD não apenas fortalece o partido no parlamento, mas também ajuda a normalizar discursos ultranacionalistas no debate público. Nos últimos anos, declarações revisionistas sobre o Holocausto e discursos xenófobos tornaram-se mais frequentes dentro da sigla, sem que isso afastasse eleitores. Pelo contrário, o apoio ao partido só cresceu, demonstrando que uma parcela significativa da sociedade alemã se sente confortável com essa retórica.

A presença de figuras como Björn Höcke, líder da AfD na Turíngia e defensor de uma “virada de 180 graus” na política de memória da Alemanha, é um sintoma dessa normalização. Ao questionar abertamente o compromisso do país com o reconhecimento de seu passado nazista, Höcke e seus aliados desafiam um dos pilares centrais da democracia alemã do pós-guerra. Se esses discursos continuarem se disseminando sem uma resposta contundente da sociedade civil e das instituições democráticas, a tendência é que o revisionismo histórico e o nacionalismo exacerbado ganhem cada vez mais espaço.

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O fracasso da política migratória e seu impacto eleitoral

Um dos principais motores do crescimento da AfD tem sido o descontentamento com a política migratória do governo. Desde a crise de refugiados de 2015, a Alemanha recebeu milhões de imigrantes e solicitantes de asilo, principalmente do Oriente Médio e da África. Embora essa política tenha sido defendida como uma resposta humanitária, a falta de integração eficaz e o aumento de incidentes de violência associados a imigrantes geraram uma reação negativa em setores da sociedade.

A narrativa da AfD explora esses problemas para justificar políticas mais duras contra imigrantes e até mesmo propostas de deportação em massa. Esse discurso encontra ressonância especialmente em áreas economicamente deprimidas e em cidades menores, onde a presença de refugiados foi percebida como uma ameaça aos recursos públicos e à identidade cultural local. A falta de uma resposta estruturada dos partidos tradicionais para lidar com essa questão apenas reforça a impressão de que apenas a extrema-direita tem soluções para os problemas da imigração.

As consequências para a União Europeia e a democracia alemã

A ascensão do AfD não é apenas um problema doméstico. Como uma das maiores economias do mundo e a principal força dentro da União Europeia, qualquer mudança política na Alemanha tem repercussões globais. Um governo mais alinhado com posturas ultranacionalistas pode enfraquecer a coesão da União Europeia, dificultando projetos conjuntos e alimentando o euroceticismo.

Além disso, o fortalecimento da extrema-direita alemã pode incentivar movimentos semelhantes em outros países europeus. Partidos populistas na França, Itália e Países Baixos já comemoraram os resultados da AfD, vendo neles um sinal de que há espaço para uma guinada conservadora em toda a Europa. Esse cenário pode comprometer o projeto europeu e enfraquecer instituições democráticas construídas ao longo das últimas décadas para evitar o ressurgimento de extremismos no continente.

Um alerta para o futuro

O avanço da AfD nas eleições de 2025 é um alerta preocupante para a Alemanha e para o mundo. Apesar de décadas de esforços para garantir que os erros do passado não se repetissem, a sociedade alemã parece estar novamente flertando com ideologias perigosas. A normalização de discursos ultranacionalistas, a polarização política e o fracasso das políticas tradicionais em responder às demandas da população criaram um ambiente propício para o crescimento da extrema-direita.

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Se a Alemanha deseja evitar um retrocesso democrático, será necessário um esforço coordenado entre partidos, sociedade civil e instituições para combater a ascensão de ideologias extremistas. Isso significa investir em educação política, fortalecer mecanismos de integração social e reafirmar o compromisso do país com os valores democráticos. Caso contrário, os fantasmas do passado podem se tornar, mais uma vez, uma realidade no presente.


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