A conturbada fundação da discutível FIFA
A Federação Internacional de Futebol (FIFA), fundada em 21 de maio de 1904, nasceu de um ideal ambicioso: criar uma entidade internacional que regulasse e organizasse o futebol entre as nações. Parecia um projeto nobre, num momento em que o futebol, já popular em muitos cantos da Europa, carecia de uma autoridade que unificasse regras e promovesse competições entre países. No entanto, essa origem não foi tão harmoniosa ou inspiradora quanto muitos imaginam — e ao longo das décadas, os questionamentos à legitimidade moral da entidade só aumentaram. No aniversário de 121 anos da instituição, vale a pena revisitar a gênese da FIFA com um olhar mais crítico.
O cenário do início do século XX era de efervescência esportiva. O futebol havia se espalhado da Inglaterra — seu berço — para a França, Bélgica, Países Baixos, Suíça, Alemanha e além. Porém, a Football Association (FA), entidade inglesa que regulava o esporte no Reino Unido, relutava em assumir uma postura internacional. Foi nesse vácuo que, liderados por franceses, sete países europeus decidiram tomar a iniciativa e fundar, em Paris, a Fédération Internationale de Football Association.
“Enquanto celebra mais de um século de existência, a FIFA continua sendo uma entidade poderosa, porém envolta em dúvidas. A fundação conturbada e os conflitos de interesse que marcaram sua origem ainda ecoam em suas práticas atuais.”
Estavam presentes representantes da França, Bélgica, Dinamarca, Países Baixos, Espanha (representada pelo Madrid FC), Suécia e Suíça. Curiosamente, nem todos tinham autorização plena para falar em nome das federações de seus países — o que já coloca sob suspeita a base de legitimidade da fundação. Ainda mais emblemática foi a ausência da Inglaterra, o país que mais entendia de futebol à época. A FA considerava a ideia de uma entidade supranacional desnecessária, o que, paradoxalmente, obrigou a FIFA a nascer como uma organização europeia que se pretendia mundial.
O problema da FIFA não foi apenas sua fundação improvisada, mas o que ela viria a se tornar ao longo do século XX e XXI. Desde os primeiros anos, a organização foi marcada por disputas de poder, nacionalismos, e tentativas de controle geopolítico do esporte. Quando a Inglaterra finalmente se juntou à FIFA, em 1905, foi menos por convicção do projeto e mais por pressão internacional. A tentativa de institucionalizar o futebol mundial se chocava constantemente com os interesses particulares das nações fundadoras, especialmente durante as guerras mundiais.
A política nos bastidores do esporte
Com o tempo, a entidade cresceu, expandindo sua influência para além da Europa. A entrada de países da América do Sul, África e Ásia levou à organização das primeiras Copas do Mundo, a partir de 1930. Foi também nesse momento que a FIFA passou a centralizar poder em torno de sua presidência e de sua burocracia, estabelecendo um modelo hierárquico que, décadas depois, daria margem a práticas pouco transparentes e controversas.
Casos de corrupção, compra de votos para escolha de sedes da Copa do Mundo, escândalos de contratos milionários com empresas de marketing esportivo e favorecimentos políticos se tornaram rotina. O auge do descrédito aconteceu com a investigação do FBI, em 2015, que prendeu dirigentes e revelou o submundo de propinas que sustentava parte da máquina da FIFA. O então presidente Joseph Blatter foi afastado e banido, assim como Michel Platini, uma das esperanças de moralização do futebol europeu. O episódio ficou conhecido como o “FIFAGate”.
Mas o problema da FIFA não é só de indivíduos — é estrutural. O modelo de um Estado global do futebol que opera acima das leis locais, sob o manto da “neutralidade esportiva”, permitiu que a instituição se tornasse uma espécie de cartório do poder esportivo internacional. Atribuindo legitimidade a torneios, selando contratos, decidindo sedes, distribuindo verbas — tudo sem mecanismos democráticos internos robustos ou fiscalização efetiva por parte dos próprios filiados.

Mesmo as tentativas de modernização e transparência, como as auditorias externas e a criação de comissões de ética, ainda são vistas com ceticismo. A eleição de Gianni Infantino como presidente após o escândalo de 2015 prometia renovação. No entanto, críticas recentes sobre sua aproximação com regimes autoritários, a escolha polêmica de sedes como Catar e Arábia Saudita, e a insistência em expandir o número de participantes das Copas levantam novas suspeitas de que a FIFA ainda é mais movida por interesses financeiros e políticos do que pelo bem do futebol.
Enquanto celebra mais de um século de existência, a FIFA continua sendo uma entidade poderosa, porém, envolta em dúvidas. A fundação conturbada e os conflitos de interesse que marcaram sua origem ainda ecoam em suas práticas atuais. O futebol é um jogo simples, mas o poder por trás dele — como demonstra a história da FIFA — é tudo menos inocente.
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