Sua Página
Fullscreen

Ted Turner: pai do breaking news

Anúncios
Compartilhe este conteúdo com seus amigos. Desde já obrigado!

Ted Turner é uma figura que parece saída de um romance americano daqueles bem grossos, cheios de ambição, contradição e poeira vermelha de estrada. O sujeito que reinventou a lógica das notícias, remodelou a paisagem midiática do planeta e ainda arranjou tempo para comprar mais terras do que muitos reinos europeus tiveram no auge imperial. Um self-made man que, ironicamente, sempre odiou ser descrito como self-made — talvez porque a mitologia em torno dele seja tão exagerada que já superou o próprio homem. Turner, com sua fortuna estimada em US$ 2,8 bilhões, tornou-se o espécime perfeito daquele laboratório chamado Estados Unidos, onde o capitalismo é religião e produzir manchetes é forma de ascensão social.

A fundação da CNN em 1980 não foi apenas um lance de ousadia empresarial; foi um terremoto cognitivo global. Antes de Turner, as notícias seguiam o ritmo circadiano dos jornais impressos e dos telejornais noturnos. Depois dele, o planeta passou a pulsar no compasso do breaking news. Mas Turner não parou por aí: criou a TBS, a TNT, a Cartoon Network, a Turner Classic Movies, revitalizou a MGM, montou um império de canais que, por um período glorioso, fez parecer que o sobrenome Turner seria tatuado na própria ideia de televisão.

“Turner não se contentou em mexer na estrutura do jornalismo — resolveu também brincar de restaurador de ecossistemas. Dono de aproximadamente dois milhões de acres, ele transformou parte dos Estados Unidos numa espécie de laboratório ambiental particular. Enquanto Wall Street o celebrava como pioneiro da mídia, ambientalistas o encaravam como uma figura enigmática: estaria salvando bisões… ou a si mesmo?”

Foi nesse contexto que se aproximou o desastre corporativo que mudaria sua vida: a fusão AOL–Time Warner, anunciada em 2000 como a “união que dominaria o futuro”. O casamento entre a gigante da internet e o colosso do entretenimento parecia a profecia perfeita da nova era digital. Turner, então vice-presidente da Time Warner, imaginava estar testemunhando a fase seguinte de sua própria revolução. Na prática, foi um Titanic com Wi-Fi. A bolha da internet estourou, a AOL derreteu, e a Time Warner afundou junto — levando Turner a perder poder, influência e, sobretudo, o controle simbólico do império que ele mesmo ergueu. O fiasco abriu ainda mais espaço para outro predador: Rupert Murdoch, o homem que o ultrapassaria na guerra midiática global.

Enquanto Turner construía um ecossistema com espírito utópico e alma de garoto traquino, Murdoch montava uma máquina de poder. Fria. Metódica. Predatória. A Fox News, lançada em 1996, transformar-se-ia na arma definitiva, ultrapassando a CNN em audiência e influência. Turner, ironicamente, foi derrotado por um rival que entendeu sua própria invenção melhor do que ele: a notícia como espetáculo, como batalha, como teatro ideológico. Turner foi o inventor; Murdoch, o general que pegou a invenção e entregou ao campo de guerra.

Claro que, por trás dos holofotes, Turner também colecionou episódios sombrios. Sua saúde, nos últimos anos, tornou-se um capítulo delicado: problemas neurológicos, lapsos de memória, um corpo que já não acompanha a mente que transformou as notícias em adrenalina. A fragilidade do mito sempre causa choque: o homem que queria informar o mundo em tempo real hoje luta para organizar seu próprio tempo interno. Mas é aí que a história humana se mostra mais verdadeira.

O homem que comprava terras para conversar com os bisões

Turner não se contentou em mexer na estrutura do jornalismo — resolveu também brincar de restaurador de ecossistemas. Dono de aproximadamente dois milhões de acres, ele transformou parte dos Estados Unidos numa espécie de laboratório ambiental particular. Enquanto Wall Street o celebrava como pioneiro da mídia, ambientalistas o encaravam como uma figura enigmática: estaria salvando bisões… ou a si mesmo?

Leia ou ouça também:  Tatyana Bakalchuk: o caos de uma bilionária

A verdade, com Turner, nunca é linear. Tornou-se um dos maiores criadores de bisões do país, promovendo a recuperação da espécie — mas também fornecendo sua carne para restaurantes sofisticados. O ambientalismo, na sua visão, não precisava ser anticapitalista; podia muito bem ser um ramo lucrativo. Para uns, contradição. Para Turner, coerência.

A venda de suas terras ou sua fragmentação nunca deixaram de ser especuladas, mas pouco importava financeiramente — seus US$ 2,8 bilhões garantem folga até para seus rebanhos. O apego à terra, porém, é místico: seus ranchos são extensão de sua persona, tão vastos quanto seu ego e tão indomáveis quanto suas ideias.

Se a CNN moldou a ansiedade global, suas propriedades moldaram outra geografia: a do magnata que, exausto do barulho que ele mesmo criou, buscou refúgio no silêncio. Turner passou os últimos anos isolado, cuidando da saúde, refletindo sobre um legado que vai muito além da televisão. A CNN influenciou guerras, eleições, percepções — e, ironicamente, acabou ultrapassada pela Fox News, símbolo máximo da máquina murdochiana.

E há ainda o fantasma da AOL–Time Warner, sempre rondando sua biografia como um lembrete de que até os gênios são engolidos por estruturas maiores do que eles. Turner perdeu poder, perdeu espaço e viu seu império ser desmontado peça por peça. Murdoch, por outro lado, avançou com a voracidade de quem fareja oportunidades nas fraquezas alheias.

Ainda assim, Turner é mais lembrado pelo visionário do que pelo derrotado. Ele costuma dizer que sempre quis “melhorar o mundo um pouco”. E conseguiu — embora às vezes tenha deixado o mundo mais ansioso no processo. Sua genialidade, seu pecado e seu legado estão entrelaçados: Turner libertou as notícias da jaula; Murdoch transformou a jaula numa arena de gladiadores.

Turner é uma figura que parece saída de um romance americano daqueles (Foto: Wiki)
Turner é uma figura que parece saída de um romance americano daqueles (Foto: Wiki)

O tempo, esse editor-chefe implacável, está apagando sua energia física, mas não sua estatura histórica. Turner é contraditório como os EUA que o produziram: grandioso, irritante, visionário, caótico, generoso e barulhento. Um homem que nos ensinou que a notícia nunca dorme — e que, ao final, foi traído não por Murdoch ou pela AOL, mas pela própria ambição do mundo que ajudou a criar.


Compartilhe este conteúdo com seus amigos. Desde já obrigado!

Facebook Comments

Anúncios
Acessar o conteúdo
Verified by MonsterInsights