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Artur Barrio não coloca fronteiras para as artes

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Artur Alípio Barrio de Sousa Lopes passou a viver no Rio de Janeiro em 1955. Começou a se dedicar à pintura em 1965. A partir de 1967 frequentou a Escola Nacional de Belas Artes – Enba. Nesse período, realiza os cadernos livres, com registros e anotações que se afastam das linguagens tradicionais. Em 1969, começa a criar as “Situações”: trabalhos de grande impacto, realizados com materiais orgânicos como lixo, papel higiênico, detritos humanos e carne putrefata (como as “Trouxas Ensanguentadas”), com os quais realiza intervenções no espaço urbano. No mesmo ano, escreve um manifesto no qual contesta as categorias tradicionais da arte, sua relação com o mercado, e a situação social e política na América Latina. Em 1970, na mostra “Do Corpo à Terra”, espalha as “Trouxas Ensanguentadas” em um rio em Belo Horizonte. Barrio documenta essas situações com o uso de fotografia, cadernos de artista e filmes Super-8. Cria também instalações e esculturas, nas quais emprega objetos cotidianos. Realiza constantes viagens, e reside também na África e na Europa – em Portugal, na França e na Holanda. Desde a metade da década de 1990, ocorrem várias publicações e exposições que procuram recuperar sua obra. “O público é muito estranho e depois de uma longa experiência cheguei à conclusão de que pelo menos em relação ao meu trabalho não são “cocriadores silenciosos“ e muito menos barulhentos”, afirma.

Artur, em que momento a arte deve exercer um papel social?

Quando quiser e bem entender! Penso que o meio não determina esse momento já que a arte não é um produto do meio, portanto, essa “obrigação” depende do exercício crítico do artista ao momento, ou seja, a esse momento e da maneira que bem entender e melhor achar. Há momentos da História da Arte que bem demonstram isso.

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E em que momento ela deve ser insubordinada?

Sempre, esse é o estigma, já que: a criatividade é o princípio objetivo da ideia acoplada ao gesto tendo como princípio o de romper com a estética vigente que hoje situa-se, de mais em mais, em torno da arteMercado que é o de tornar útil [cifrão] o inútil nesse espaço especulativo e, que, terá como ponto final o retorno do artista à obra encomendada: tema, técnica, dimensões, moldura, materiais, etc.

E, aí, ressurgirá o artista, mas não o artista criador, ou seja, o A-nartista e sim o artesãoContemporâneo que girará dentro de um certo meio social como mera figura decorativa de interesse financeiro e sumamente distante de ideias, de ideias críticas já que ele [artistaArtesão] não pensa, ou melhor, deixou de pensar, pois, evidentemente o que “pensa“ é o que possui o capital para financiar arte, a arte inerente ao seu grau social, mas, tudo isso, é um “déjà vu de há alguns séculos auparavant”… e, do outro lado, mas a alguns km abaixo numa diagonal ilusoriamente próxima situa-se o rebanho.

Que mal lê não porque tenha problemas oculares, que mal ouve e que pouco pensa porque não tem tempo para esses luxos já que muito pena, mas que, no fim, geralmente é sempre levado para um lado ou outro atrás do flautista e suas nuances musicais, as de sempre. Em conclusão: penso que a arte deve ser sempre insubordinada para que com isso fique o mais distante da “saúva, da pouca saúde“ e da leucotomia social.

Em que momento de sua carreira acredita que a sua arte exerceu esse papel social?

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No campo das artes não existem fronteiras… o meu objetivo sempre foi o do rompimento dos limites da arte inserindo nesse processo ideias e uso de materiais efêmeros [o que continuo a fazer] do uso dos mesmos em condições adversas ou não; distanciando-me assim dos limites impostos pelo meio artístico e condicionamento estético.

Em alguns momentos coincidiram [esse rompimento] com momentos de conturbação social podendo dizer-se que a minha “arte exerceu esse papel social”.

O meu interesse é a Arte, o que penso que seja arte, hoje, do Paleolítico ao agora, aqui.

Evidentemente que o discurso político ou Arte Política interessa-me, mas não ocupa um espaço primordial em meu pensamento, não tenho a pretensão de dizer o que os outros devem dizer ou fazer, o meu trabalho fala por si só.

E em que momento ela teve essa insubordinação?

Sempre, desde o início em 1967… Tinha e sempre tive, tenho, uma certa ânsia de liberdade.

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O poder criativo de um artista está mais presente no que ele vê ou no que ele sente?

Ver é sentir… sentir é ver… Disso talvez surgirá o “poder criativo“ ou, talvez, esse poder criativo ele [o artista] já o tenha, mas falta-lhe ou sente falta de uma base para poder exprimir o que sente e vê esse despoletar dá-se ou pode surgir devido à maceração, à exigência até à exaustão, para que não fique na superfície [não superficial] mesmo que para isso tenha que mergulhar fundo, muito fundo… Penso em meu trabalho “4 dias 4 noites” (1970) e do qual até hoje chegam-me ressonâncias profundas.

Falando ainda sobre insubordinação. O seu “Livro de Carne” teve esse caráter em sua visão?

Não penso em insubordinação ou submissão no momento de criar assim sendo o “Livro de Carne”. Apenas subverteu certos cânones, mas quais? Quem já tinha “lido” algum “Livro de Carne” anterior a esse livro?

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O público sempre é envolvido em suas criações. Considera-os como “cocriadores silenciosos” de suas obras?

Não sei! O público é muito estranho e depois de uma longa experiência cheguei à conclusão de que pelo menos em relação ao meu trabalho não são “cocriadores silenciosos“ e muito menos barulhentos.

Qual o fio condutor que acredita ser primordial em todos os seus trabalhos?

A solidão.

O cineasta Glauber Rocha, dizia que a função do artista é violentar. Você quis trazer essa violência a tona com “Trouxas Ensanguentadas” de 1970?

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Apesar de admirar o imenso trabalho cinematográfico de Glauber Rocha, penso eu que Goya é um bom exemplo no referente às “Trouxas Ensanguentadas” ou Sófocles com “Antígona”, mas também poderia citar “O Enigma de Isidore Ducasse“ de Man Ray ou “O Boi Abatido“ de Rembrandt além de “Tiradentes Esquartejado“ de Pedro Américo e, porque não Luis Buñuel e Salvador Dalí com “O Cão Andaluz”. Mas em termos mais rasos:

A Guerra do Vietnã, a guerra de guerrilha pela independência das colônias portuguesas isto é, contra a ditadura de Salazar etc, etc… e, além disso, a arrogância das ditaduras dos generais com seu festival de arbitrariedades [América Latina]. Localmente, o AI-5 com suas sequências e consequências… mas que, apesar disso, ainda se sentia ao longe um grito de liberdade. As “Trouxas Ensanguentadas “ são um grito de carne, ossos, sangue… envolto em um tecido de cor branca brutalmente amarrado e no qual [notavam-se] marcas de tiros e golpes de objetos perfurantes… As “Trouxas Ensanguentas” tinham como motor a denúncia da violência, da tortura.

“Trouxas Ensanguentadas” teria o mesmo impacto nos dias atuais ou somos atualmente mais omissos com os horrores da nossa civilização?

Penso que não, mas pensar isso, hoje, é diluir ou diminuir a força desse trabalho já que o mesmo é histórico e mantém sua força plena nos tempos que correm, não é um trabalho datado, pois, rompeu e ainda rompe com os cânones da arte e seus limites e é aí onde se situa o seu campo de batalha, sua guerra, o seu objetivo maior. As variantes no tempo enquanto que, ou seja, a sua própria efemeridade não o diminuíram, pelo contrário, o ser humano é que continua o mesmo aparentemente imutável em seus horrores, discrepâncias e preocupações com o “outro“.

A História não se repete, mas como na antiga “Grécia“ a denúncia dará a quem denuncie e o prove, o direito à ou às propriedades do denunciado… Metaforicamente hoje, nos tempos que correm, o amanhã brilha sob um firmamento sem fim. “Esse brilho de tão forte que é faz com que as pálpebras inflame-se a ponto de sentir o mundo transformar-se imperceptivelmente em uma sombra projetada através de um plasma mental redutivo não crítico nas mentes dos que não ouvem, não leem e mal veem“. Situação T/T,1 ou “Trouxas Ensanguentadas” jamais ornarão uma sala de jantar sobrepostas a um sofá de tonalidade creme [ou de qualquer outra tonalidade ou cor]… o odor e a sujidade dos materiais são determinantes.

“Horrores civilizacionais” onde o século XX foi prenhe e, aparentemente, o medo e o receio de situar-se neste início de século [XXI] inicia e começa a provocar um retrocesso palpável, visualAuditivamente forte, aqui, neste planeta “Azul“ onde surgem de mais em mais processos políticosalvatórioseligiosos delirantemente dirigidos para um beco denominado, redundantemente, “Sem Saída”.

O que lhe incomoda em nossa sociedade e que o mundo das artes ainda não captou?

A imutabilidade, a estagnação, a desigualdade social, a crença de que à Terra é plana ou voltará a ser, o pé de goiabeira com uma senhora de uma certa idade e posição ensinando ao descalço como se elevar em seus galhos sem se ferir, e o uso da palavra deus para tudo e nada.

Evidentemente isso é algo que o mundo da arte ainda não captou exceto, penso eu, os que não podem desassociar a arte do vil metal. Esses, tentarão dar peso à anedota retransformando-se em artesãos, criando coisas a que denominarão arte e esse tipo de afirmação aparecerá como algo sério e instigante ao pensamento, ao conhecimento [anedótico] de nosso momento, nosso tempo, onde a fragilidade histórica e crítica será envolvida na escuridão glauca, animista, ridícula, sinistra da Idade Média. O País do Futuro nos Espera.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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